OLHAR interpretativo

Como ler uma fotografia, de Richard Salked, ajuda a compreender a linguagem que vem se tornando cada vez mais popular no mundo contemporâneo

por 31/01/2015 00:13
Eddie Adams/reprodução
Eddie Adams/reprodução (foto: Eddie Adams/reprodução)
Walter Sebastião



Assim como ocorreu com as exposições de fotografia, aumentou consideravelmente a bibliografia dedicada a essa linguagem. Boa parte dela traz ensaios ou generosos portfólios de autores modernos ou contemporâneos, possibilitando amplo acesso a obras completas. Acrescente-se a presença significativa de estudos no geral (mas não só) historiográficos, dedicados a questões pertinentes ou abordando as transformações que a popularização da foto trouxe para o contexto social e estético.

Não há como deixar de registrar também as movimentações ligadas à formação e à difusão de coleções, o que influi na criação de um ambiente propício à reflexão sobre um tema caro à cultura contemporânea.

Como ler uma fotografia, de Richard Salked, reflete tal contexto, mas o faz trabalhando um aspecto raro quando se trata desse tema: o olhar interpretativo. Não só se analisa a imagem, o que já é ótimo, mas oferece-se iniciação aos procedimentos analíticos, com direito a pequenos estudos de casos e breves exercícios para os interessados em apurar sua visão da fotografia.

O volume se divide nos capítulos “O que é uma fotografia?”, “Leitura de sinais”, “Verdades e mentiras”, “Identidade”, “O Grande Irmão está de olho em você” e “Estética” – títulos que revelam a abrangência da abordagem do autor e a pertinência do percurso proposto.



CLAREZA


Um primeiro aspecto que chama a atenção é a capacidade de Richard Salked de tornar claros temas complexos. O texto, relativamente sintético, nunca é redutor. Surpreende a habilidade do estudioso em deslizar pelas múltiplas, contraditórias e dúbias manifestações da fotografia. O interesse é abrir horizontes, mais do que apresentar visões dogmáticas.

Pode-se até gostar mais ou menos, ou até não gostar (e preferir outras abordagens), do método proposto (e defendido) por Richard Salked: o semiótico. Mas é difícil discordar de que para uma introdução à “leitura” das imagens, tal abordagem é eficaz, pois estimula a percepção mais detalhada do visto e das relações entre os elementos da imagem.

Está no volume um extenso rol de problemas postos pela fotografia, inclusive a diversidade de usos e práticas. Tudo isso apresentado com habilidade, revelando o quanto é complexo esse tema. Não faltou atenção para questões difíceis, como a discussão sobre o que é o real e a representação dele, passando pelo papel da fotografia na construção da identidade. Tais temas carregam intrincada trama de crenças, ideologias e controles sociais que têm na fotografia um exemplo particularmente dramático. Outro aspecto forte do livro de Richard Salked é exatamente a desconstrução da “inocência” da fotografia.

É perturbador ver fotos de doentes mentais levando choques elétricos, realizadas no final do século 19, por um pioneiro no estudo da neurologia interessado em pesquisar expressões faciais. Temos aí apenas um dos múltiplos exemplos do uso da fotografia como instrumento de vigilância. Fotos de rostos nos documentos, por exemplo, herdam padrões vindos do fichamento de prisioneiros e tipologias relativas a estudo das “espécies” humanas.

Salked analisa o peso da foto publicitária e de moda na imposição de padrões para o corpo. Não falta o registro da dubiedade das imagens quando descontextualizadas. Questões assim levam o autor a chamar a atenção para a importância de discutir limites éticos.

Até um tema antiquado – fotografia é arte? –, abrigado no capítulo “Estética”, ganha análise interessante, além de retrospectivas mostrando como e por que se formou a questão. E com direito não só a considerações sobre a relação de pintores com a fotografia, mas também registrando fotógrafos que tentavam levar para a foto aspectos pictóricos.

O livro informa que o primeiro museu a incorporar a foto foi o Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1937, com a exposição Fotografia 1839-1937. A inglesa Tate Gallery, sempre atenta ao moderno e ao contemporâneo, mesmo abrigando imagens feitas por artistas dedicados à linguagem, só abriu a sua primeira grande exposição do gênero em 2003. Seis anos mais tarde, nomeou o seu primeiro curador de fotografia.

COMO LER UMA FOTOGRAFIA
. De Richard Salked
. G. Gilli
. 184 páginas, R$ 95

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