Cores do BRASIL

Livro editado pelo galerista Jacques Ardies destaca a obra de 79 nomes da arte naif brasileira. Linguagem original e criatividade marcam o conjunto dos trabalhos

por 17/01/2015 00:13
Vanice Ayres Leite/reprodução
Vanice Ayres Leite/reprodução (foto: Vanice Ayres Leite/reprodução )
Walter Sebastião

Ganhou nova versão, revista e ampliada, o livro lançado em 1988 pelo galerista Jacques Ardies, cuja proposta é ser publicação informativa sobre nomes do “movimento arte naif do Brasil”, como define o autor. Trata-se de um caminho estético fundamental dentro da arte brasileira, assegura Ardies.
O termo em francês foi adotado por designar internacionalmente a produção que no Brasil é chamada de arte popular ou primitivismo, explica Ardies. O organizador do livro explica que ele não tem a pretensão de ser um dicionário. “Falta muita gente. São muitos artistas”, observa.

A nova edição veio da vontade de atualizar informações publicadas há 26 anos. Ela incluiu artistas em atividade atualmente e veteranos que ficaram de fora do primeiro livro. A arte naif no Brasil 2 traz 79 autores de várias regiões do Brasil. Os mineiros – a maioria se mudou para São Paulo – são Isabel de Jesus, Maria Guadalupe, Lúcia Buccini, Francisco Severino, Ernani Pavanelli, Henry Vitor, Maria Auxiliadora e Vanice Ayres Leite.

LINGUAGEM Ardies explica que os pioneiros presentes na publicação começaram as respectivas carreiras nos anos 1940. Esse é o caso do paulista Emídio de Souza (1867-1949) e do luso-brasileiro Cardosinho (1861-1947), por exemplo.

“Sou fascinado pela criatividade e originalidade de cada um deles. Todos inventaram a sua própria linguagem”, analisa o organizador do volume. “Esses artistas descobriram uma maneira muito peculiar e pessoal de expressar algo que remete à experiência de vida deles e do Brasil”, observa.

O traço festivo da linguagem popular, acredita Ardies, remete a uma característica considerada parte da personalidade do brasileiro: o temperamento otimista. “É um pouco aquele sentimento de que se hoje as coisas estão ruins, amanhã vão melhorar”, observa.

Porém, o galerista lembra que a arte popular ainda enfrenta preconceito no Brasil. “O julgamento negativo vem de quem não faz esforço para ver o que é arte verdadeira”, critica. E ressalta: “São trabalhos decorativos feitos para a sobrevivência, mas eles têm o seu valor”.

Ardies chama a atenção para algo fundamental: não se trata de produção em série. “Um artista não se parece com o outro, cada quadro é um quadro. Não há como fabricar artista naif, ele é ou não é”, resume.

Com relação à origem social dos autores selecionados, o galerista explica que o conjunto é multifacetado. Há desde aquele artista com origem humilde, “que graças à pintura conseguiu vida decente”, até ocupantes de cargos importantes, pessoas de recursos que, em certo momento da vida, largaram tudo para se dedicar à arte.

“Alguns desses artistas são pessoas que têm talento e nasceram com o dom, mas demoraram para desenvolvê-lo por razões econômicas. Certo dia, eles criaram coragem e se arriscaram a viver de arte, conseguindo ou não resultados”, observa.

SÃO PAULO A migração de vários artistas para São Paulo – caso da maioria dos mineiros – reflete uma questão ligada ao cenário artístico até a década de 1970. “Naquela época, exposições, galerias e a possibilidade de viver de arte eram praticamente exclusividade de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Então, nada mais natural do que os autores se mudarem para essas cidades”, explica.

Jacques Ardies observa que, apesar de existirem outros locais com pequeno mercado para a arte, era muito difícil sobreviver ali dependendo dessa atividade.

BANCO O belga Jacques Ardies, de 65 anos, é dono de uma galeria voltada para a arte popular criada há 35 anos na capital paulista. Formado em administração de empresas, ele chegou ao Brasil na década de 1970 para trabalhar como executivo em um banco.

“Apaixonado por arte naif, veio a loucura de largar tudo e me jogar no projeto de uma galeria. Tive sorte, deu certo. Em São Paulo não havia uma galeria assim. Naquela época, os artistas tentavam se promover, mas eram recusados e vendiam seus trabalhos em casa”, conta Jacques, lembrando que o pouco reconhecimento da arte popular vinha dos salões.

Seu novo projeto de vida teve boa recepção. “Os artistas me apoiaram e eu, cara de pau, pedi a amigos uma lista de gente interessada em comprar quadros. Outros adquiriram trabalhos para me ajudar, pois achavam corajoso alguém trocar a carreira de executivo pela aventura de uma galeria de arte”, revela.

Nos anos 1970, Pernambuco era o estado com a maior quantidade de artistas populares. Na década de 1990, Minas Gerais e, posteriormente, São Paulo ocuparam essa posição, informa o galerista. “Mas há bons autores em todo o Brasil”, assegura.

OS MINEIROS
» Ernani Pavaneli (1942), de São João Nepomuceno. Mora no Rio de Janeiro
» Francisco Severino (1952), de Descoberto. Mora em Descoberto (MG)
» Henry Vitor (1939), de Guaxupé. Mora em São Paulo
» Isabel de Jesus (1938), de Cabo Verde. Mora em São Paulo
» Lúcia Buccini (1942), de Belo Horizonte.
Mora em Santa Rita de Passa Quatro (SP)
» Maria Auxiliadora (1935-1974), de Campo Belo. Morava em São Paulo
» Maria Guadalupe (1912), de Monte Carmelo. Mora em São Paulo
» Vanice Ayres Leite (1947), de Belo Horizonte. Mora em BH

A ARTE NAIF NO BRASIL 2
Org: Jacques Ardies
Artigos de Daniel Achedjian, Peter Rosewald, Marcos Rodrigues e Jean-Charles Niel
Edição do autor, 270 páginas, R$ 100
Informações: www.ardies.com

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