A arte da GESTÃO

A formação profissional em cultura é um processo de construção coletiva. Autodidatismo e academicismo devem dar lugar ao equilíbrio entre os conhecimentos conceitual e prático

por 10/01/2015 00:13
Quinho
None (foto: Quinho)
Maria Helena Cunha

Ao nos referirmos à profissionalização no campo da gestão cultural, enfrentamos um de seus principais desafios: a tensão inerente aos princípios da própria atividade, que traz o objetivo de gerir o que nem sempre é palpável, já que falamos de valores muitas vezes intangíveis e subjetivos quando nos referimos à cultura e à arte.


Partindo desse princípio, podemos buscar, no contexto atual, a real compreensão da capacidade de crescimento e de profissionalização do setor cultural associada à necessidade de formação de seus gestores, de forma que compreendam essa dinâmica do campo da cultura. Isso exige perfil profissional capaz de desenvolver um olhar estratégico de gestão ao mesmo tempo sensível aos conhecimentos específicos da arte e da cultura.


Assim, para acompanhar todo o processo que envolve o amadurecimento do campo de trabalho em gestão cultural, temos que identificar as novas dimensões de atuação no setor artístico e cultural e suas interfaces com a área educacional, social, política, econômica, turística e ambiental, o que exige a organização das instituições culturais, públicas, privadas e do terceiro setor dentro dessa nova dinâmica.


A gestão cultural, como campo profissional relevante no cenário nacional atual, surge com as transformações contemporâneas associadas a novas dimensões atribuídas ao campo da cultura, fazendo parte de um período de grandes mudanças estruturais, éticas, comportamentais, políticas e tecnológicas. Tal processo vem ocorrendo nas últimas décadas e em grande parte do mundo.
A gestão cultural é uma profissão complexa, que deve estabelecer um compromisso com a realidade de seu contexto sociocultural, político e econômico. Para tal, é preciso ter consciência de que gerenciar e planejar não significa, em momento algum, intervir na liberdade de expressão individual ou de grupos artísticos. Significa, sim, sintonizar ideias, compreender as realidades no entorno e no mundo, dimensionar os recursos financeiros e humanos para tornar mais eficiente e eficaz a ação pretendida, o que determina a sua amplitude de ação e define o perfil dos profissionais do setor.
Para discutirmos o perfil e o campo de atuação profissional do gestor cultural, uma profissão relativamente nova, é preciso analisar profundamente o seu processo formativo, que deve estabelecer uma relação entre as questões artísticas e culturais associadas aos conhecimentos sociológicos, antropológicos e políticos, bem como aos conhecimentos técnicos da comunicação, economia, administração e direito aplicados à esfera cultural. Torna-se fundamental refletir sobre os referenciais comuns e coletivos visando ao seu compartilhamento.


A formação dos primeiros profissionais da área foi estabelecida no cotidiano do trabalho, paralelamente à trajetória de construção da própria profissão e de seu reconhecimento. Assim, referimo-nos a perfis muito amplos e que abarcam diversas profissões do setor cultural e níveis diferenciados, com capacidade para absorver uma diversidade de profissionais – advogados, economistas, administradores, historiadores, antropólogos, comunicólogos e outros.
No entanto, o processo de formação do gestor cultural deve ser entendido como uma composição de elementos em que só o autodidatismo não consegue mais responder a todas as demandas do processo formativo, assim como o ambiente estritamente acadêmico, que ainda não é suficientemente específico. Há uma busca de metodologias de ensino que encontrem o equilíbrio entre a formação teórica conceitual e a prática.


O mercado de trabalho cultural demanda a presença de um profissional específico, com conhecimentos sobre os processos da cadeia produtiva do setor, além da noção das etapas básicas de trabalho em gestão cultural, como criação, produção e distribuição. São primordiais para o desenvolvimento de ações e iniciativas culturais as etapas de pesquisa, planejamento e avaliação.
No contexto atual, deparamo-nos com novos desafios para a estruturação da linha de atuação como profissionais do campo da formação de formadores em cultura, quando nos colocamos diante da oportunidade de estruturar um programa como o Competências Criativas, realizado pela Casa Una com vistas a contribuir para a educação de agentes criativos.


A proposta tem como base conceitual a construção coletiva do processo formativo. Isso significa que, ao longo de um ano, serão levantadas as necessidades formuladas pelos participantes do projeto, considerando-se as várias visões relativas às necessidades contemporâneas de reflexão do cotidiano de nossas iniciativas culturais. A metodologia poderá se tornar referencial para outros programas formativos, pois tem em sua base conceitual a demanda de profissionais que estão no dia a dia pensando as necessidades contemporâneas para o fortalecimento da cultura como um dos setores estratégicos do país.

Maria Helena Cunha é coordenadora pedagógica do Programa Competências Criativas e autora do livro Gestão cultural: profissão em formação

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