Doces delírios

Coletivo de poetas e músicos lança seis livros inspirados na geração beat, como toques de tropicalismo e de rock%u2019n%u2019 roll

por 13/12/2014 00:13
Renato Sarieddine Araújo/Divulgação
Renato Sarieddine Araújo/Divulgação (foto: Renato Sarieddine Araújo/Divulgação)
André di Bernardi Batista Mendes

Seis poetas, seis vozes, seis cantos. A poesia e a festa que só as palavras são. A Editora Aletria, que iniciou suas atividades em 2009 com o foco voltado para a literatura infantil, acaba de lançar a coleção Vagabundos Iluminados, que reúne uma turma da pesada e da literatura: Thiakov, Marcos Braccini, Rafael Fares, Vinikov de Morais, Rafael Ludicanti e Marcos Sarieddine. Os livros Profecias, Por enquanto para sempre, Fio d’água, Schizoskópio, Autodesconsideração ou Prática da desimportância e Prefiro andar nu, respectivamente, ganharam lançamento recentemente em Belo Horizonte.


Trata-se da estreia de cada um deles, abençoados pela loucura e pela genialidade de Jack Kerouac, que publicou, em 1958, Vagabundos iluminados, obra que vai do budismo até a amizade, com direito a orgias e bebedeiras, além de William Burroughs e Allen Ginsberg. O espírito da geração beat auxilia e fortalece o sexteto, que manda o recado, com haicais e prosa, versos e reversos inspirados pelo rock’n’roll, pela música, pelo cinema, pela loucura de Fernado Pessoa e muito mais.


A turma lançou, em 2011, Exemplar disponível ao roubo, livro que reuniu 80 poesias de Miguel Capobianco-Livorno, heterônimo criado pelo grupo para assinar a obra produzida coletivamente pelos seis poetas ao longo de anos. Agora, meio que coroando toda essa trama de textos e delírios, a coleção Vagabundos Iluminados não deixa de ser um feliz desdobramento daquele Exemplar disponível ao roubo, resultado de tanta vertigem reunida.


Rafael Ludicanti mostra desprendimento e uma lucidez que surge do nada: “Um poema sobre o nada,/ ao não ser lido,/ adquire significado,/ perdendo, portanto, seu sentido.// Os poemas sobre o nada/ somente atingem a nulidade/ quando lidos.// Em especial se por aqueles/ que dizem detestar poemas”.


Macos Sarieddine prefere as poucas roupas, uma naturalidade que atinge seus poemas, como um raio, de bate-pronto. A poesia e o poeta não têm tempo a perder: “ Não dou mais/ três voltas/ ao redor das coisas/ A primeira impressão/ já é suficiente/ para minha falta de juízo”.
Vinikov de Morais gosta de palavras estranhas, doidas de senso, grandes de sentido, mexidas por dentro, por fora, para os altos. A vida é sem controle: “Não quero me demorar/ em delongas// nem mais nem menos// minha vida é um curta/ de in-/ finitos momentos// dou entradas, prestações, amor// pode ser que eu me culpe, me/ arrependa// resta esperar o elevador// dia mais dia menos/ a gente acaba indo ao cinema”.


Thiakov transita dentro dos mistérios do verbo, adivinhando, comendo pelas beiradas, no cerne da amplidão, até uma espécie de síntese vertiginosa, quando cada palavra é um abismo: “O que eu não fiz/ O que não vou fazer/ As lembranças/ A dor/ Bach/ A loucura/ Carolinas/ O amor/ A entrega/ O vício/ Deus/ O milagre/ A abstração/ O pequeno/ O grande/ O infinito”.


Marcos Braccini percebe nas coisas simples o inusitado, que amplia céus e gentes, quando do pouco surgem relâmpagos rumo ao infinito: “manhã chuvosa/ o dia amanhece/ sem céu”. Dentro dele, dos azuis, um buquê de saudades e coisas novas: “Arredei as coisas/ dos seus lugares./ Um pouco de poeira./ Outra cidade”.


Rafael Fares encontra versos nas melhores casas do ramo. Nos fios d’água, nas respirações, no amor, nas continuações (e até nos suplícios), no espírito da coisa, ali: “A respiração perplexa/ de quem só tem/ o próprio peito// para encher/ e esvaziar/ encher/ e esvaziar// até a lágrima”.
Um é músico, o outro é ator, e mais outro, produtor, nenhum mais que outro, mas tantos. Antropófagos, tropicalistas, samba e jazz, Buda e uísque, tudo compatível pelo ritmo ditado pela poesia, que anda solta, apesar dos pesares, pelas ruas de Minas e do mundo, sem compromisso, alta, bêbada de tudo.


“É o vazio, tudo é vazio, as coisas só vêm para ir embora, todas as coisas feitas precisam ser desfeitas”, disse Jack Kerouac. Estes vagabundos, portanto, apenas bebem, cantam e fazem um belo brinde à inutilidade infinita dos poetas e da poesia.

COLEÇÃO VAGABUNDOS LUMINADOS

Vários autores
Editora Aletria. R$ 80.
A coleção pode ser adquirida individualmente a R$ 20 cada livro

OS AUTORES
. Rafael Fares

Atuou no Grupo Oficcina Multimédia em peças como A casa de Bernarda Alba e Zaac Zenoel. Transita pela literatura, o cinema, a música e a perfomance. Doutorando em literatura pela UFMG, é integrante do Núcleo de Pesquisa Literaterras, que realiza livros, filmes, CDs e exposições de artes plásticas
com indígenas.

. Marcos Sarieddine

Graduado em música pela UFMG, é tecladista dos grupos musicais The Junkie Dogs e Bloco da Alcova. Tem mestrado na área de música e estuda a relação do Tropicalismo com o cinema de Glauber Rocha.

. Thiakov

Ao longo de 15 anos de trabalhos com música, gravou com vários artistas, compôs trilhas e produziu discos inéditos. Para o a o cinema, compôs trilha para os filmes Outro dia e Aluga-se, de Cris Azzi.

. Marcos Braccini

É compositor, arranjador e produtor musical. Graduado em composição pela UFMG, produziu discos e participou de projetos dedicados à música contemporânea, à música popular brasileira e ao rock, além de compor trilhas. É também integrante do grupo de música experimental Derivasons e de The Junkie Dogs.

. Vinikov

Atua na cena musical de Belo Horizonte com bandas como The Dead Lover’s Twisted Heart, Orquestra Mineira do Brega e Dead Pixels. Este ano, fundou, juntamente com Rafael Ludicant, o estúdio de gravação e produção musical Minotauro.

. Rafael Ludicanti

É vocalista da banda Junkie Dogs. No final de 2012, lançou, com os outros poetas da coleção Vagabundos Iluminados, o livro Exemplar disponível ao roubo.

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