Compromisso com seu tempo

por 29/11/2014 00:13
Jair Bertolucci/Divulgação
Jair Bertolucci/Divulgação (foto: Jair Bertolucci/Divulgação)
Carolina Braga



É a partir dos limites entre jornalismo, história e literatura – e os tensionamentos que possam surgir desse encontro – que o jornalista e professor Maurício Guilherme da Silva Jr. escolheu analisar a obra do cronista Carlos Heitor Cony. Em Cronismo de resistência – Tensões narrativas entre jornalismo, história e literatura em crônicas de Carlos Heitor Cony contra o golpe militar de 1964, com lançamento marcado para hoje, o autor disseca as estratégias – talvez até mais inconscientes do que calculadas – usadas por Cony como um exercício estético de escrita. Nesse balanço, dá-se uma transformação: em 1964, o cronista do cotidiano declaradamente apolítico dá lugar a um ávido comentarista da política nacional.

Como o livro é fruto de pesquisa para tese de doutorado defendida no Departamento de Letras da UFMG, a obra guarda o rigor acadêmico característico. Cronismo de resistência nasce a partir do estudo pormenorizado de 37 crônicas publicadas no livro O ato e o fato (1964), assim como da leitura crítica de outros 450 textos reunidos em coletâneas do autor de Pessach, a travessia.

Ao longo de cinco capítulos, Maurício Guilherme Silva Jr. vai criando uma atmosfera de intimidade com Cony. Em “Cony e a vida em fragmentos mínimos”, usa a autobiografia Eu, aos pedaços: memórias (2010) como artifício para compreender – e principalmente explicar – características e convicções do homem transformado a partir da tensão histórica.

O segundo capítulo, “Cony e a tessitura da crônica”, é dedicado aos gêneros textuais. Traça um percurso teórico com as perspectivas adotadas pelo jornalismo e pela literatura, identificando os hibridismos e concentrando-se no eu narrativo, elemento-chave para compreender a crônica de Cony. Já na terceira parte, “Cony e a escrita dos anos de chumbo”, o autor concentra-se na literatura do período da ditadura civil-militar e discute “o contraste entre as demandas do ‘eu’ e as responsabilidades do ‘nós’”. Ou seja, observa o papel da crônica dentro da estrutura social do país.

Para ele, a aproximação de Carlos Heitor Cony do universo político e social se dá de modo caleidoscópico. “Em seus livros ficcionais, assim como nas crônicas publicadas em jornal, não há fórmula unitária, nem assunto primordial, mesmo em se tratando dos acalorados embates com atores e acontecimentos ligados, direta ou indiretamente, à ‘revolução dos caranguejos’”, afirma.

O engajamento sociopolítico do cronista é tema do quarto capítulo. Nele, o pesquisador aborda a transformação do estilo do escritor. Aquele que, até a década de 1950, “orgulhava-se da autodeclarada condição de artista apolítico, apartidário e decididamente alheio a grupos e/ou manifestos estéticos” passa a ser reconhecido como comentarista da cena sociopolítica nacional, a partir da eclosão do golpe militar de 1964.

Surge, então, uma narrativa de resistência, analisada no quinto capítulo da tese. A reflexão é focada sobretudo no livro O ato e o fato (1964). No conjunto de 37 crônicas publicadas no Correio da Manhã, Cony “passaria a desfiar sua ‘ira’” em relação à situação política do país. “Afinal, no espaço plurissignificativo da crônica, o eu narrativo teria a possibilidade de, ao mesmo tempo, instaurar profícuos diálogos com o leitor; questionar atos, fatos e princípios – tanto dos vitoriosos quanto dos vencidos –; denunciar abusos de poder; realizar análises conjunturais; além de recorrer à analogia, à metáfora e à ironia, como forma de suportar e compreender as arbitrariedades de uma nação sitiada.”

Ao se debruçar sobre a obra de Carlos Heitor Cony, Cronismo de resistência contribui para a construção não apenas de um perfil especializado do cronista, mas de um percurso histórico da crônica brasileira contemporânea.

Cronismo de resistência
. De Maurício Guilherme Silva Jr.
. Editora Prismas, 338 páginas
. Lançamento hoje, às 11h30, na Livraria Scriptum, Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi. Preço no lançamento, R$ 49.

MAIS SOBRE PENSAR