Educação do olhar

Três livros lançados recentemente no Brasil propõem novas formas de se relacionar com a estética. Camille Paglia, Alain de Botton e Simon Grant garantem que, em arte, sempre vale a pena ver de novo

por 01/11/2014 00:13
Fotos: Intrínseca/Reprodução
Fotos: Intrínseca/Reprodução (foto: Fotos: Intrínseca/Reprodução)
João Paulo



Vivemos cercados de imagens. No entanto, por um desses tristes caprichos da pós-modernidade, as mais importantes representações estéticas sedimentadas ao longo da história perderam espaço para outras formas de visualidade. A onipresença da imagem é hoje território do selfie, do videogame, dos esportes que bombardeiam as telas com sua frivolidade, da animação com interesse comercial. Há uma vertigem da imagem que se traduz em falta de referências.

Três livros recém-lançados no Brasil entram nesse cenário com propostas distintas, em termos de estética e projeto político, mas que parecem se unir no propósito pedagógico: está na hora de reaprender a ver. São livros que parecem religar o debate sobre arte ao antigo hábito dos livros de arte, de pôr, lado a lado, as imagens e o texto, propondo um diálogo que incorpore elementos históricos, estéticos, existenciais, políticos e psicológicos.

São obras que se destinam ao público que gosta de arte e por isso se dispõe ao trabalho de percorrer a história das representações visuais, deixando de lado as referências habituais dos estilos de época e do vocabulário da crítica especializada. Mais que história da arte, no sentido convencional, trata-se de uma pedagogia do gesto artístico. Cada um dos autores, por caminhos diferentes, parte do todo de uma obra específica para flagrar os detalhes que a fazem significativa para a estética, para a história da arte e para a vida do observador.

Amar melhor

O primeiro e mais programático é Arte como terapia (Editora Intrínseca), de Alain de Botton e John Armstrong. Os autores, sem preconceito e com elegância, oferecem uma espécie de volume de autoajuda para quem busca a felicidade. Para tanto, trazem o auxílio da arte como instrumento de conquista do bem viver. Para Alain de Botton (conhecido autor de Como Proust pode mudar sua vida) e John Armstrong (autor de livros sobre filosofia), a arte tem função terapêutica. Em outras palavras, tem tudo para nos ajudar a superar os dilemas que se interpõem entre o homem e a felicidade.

O interesse dos autores não é a história da arte, mas a história da existência de cada um. Se você é infeliz – e, de resto, somos todos uma legião de infelizes –, por que não lançar mão da arte para ver além dos problemas? Assim como filósofos e psicólogos, os bons artistas enviam mensagens em suas obras. A astúcia de Alain de Botton e John Armstrong está em fazer as perguntas mais atordoantes (e também as mais singelas) e responder por meio de uma leitura de pinturas, esculturas, objetos e edifícios, mesmo que seu criador nem sequer sonhasse com aquelas questões. Assim como a filosofia, a arte também pode ser uma disciplina consoladora – mas nunca apaziguadora.

A perspectiva utilitária dos autores é apenas um artifício. Na verdade, não se trata de dar à arte um papel mecânico de cura de nossas incompletudes. O que Arte como terapia propõe é uma conquista da vida boa, por meio do enfrentamento dos anseios do homem comum. Assim, cada obra pode nos oferecer inspiração para ampliar nossa capacidade de compreensão da vida. Para nossas fragilidades psicológicas inevitáveis, nada melhor que o consolo e o aguilhão da arte.

E as questões apresentadas pelos autores são mais próximas do leitor do que se imagina. Como se tornar um amante melhor? Como escolher a profissão certa? Por que a política é tão chata? Por que todo mundo parece ter uma vida mais legal que a minha? Como mudar a relação escravizadora que mantemos com o dinheiro?

Basicamente, são quatro as áreas tratadas no livro, sempre com o mesmo método: a boa formulação das perguntas e as respostas inspiradas pelas obras de arte, que são sempre reproduzidas no livro. O primeiro quadrante é o do amor, com as questões básicas que o cercam: podemos melhorar nesse campo? O que é ser um bom amante? Como fazer o amor durar?.

Para mostrar como a arquitetura pode ajudar os amantes, Botton e Armstrong destacam a Casa das Canoas, de Oscar Niemeyer. Para os autores, a sensualidade da edificação tem tudo para permitir o reaquecimento do amor de pessoas comuns, que ganham a vida honestamente com seu trabalho pouco charmoso, criando com suas curvas e relação com o meio ambiente uma nova voltagem erótica, feita de maturidade, transparência e reconhecimento.

Em seguida, entram em cena outros temas, como a natureza, o dinheiro e a política. Para responder às perguntas postas por esses universos, os autores mergulham nas obras de arte, que surgem assim portadoras de mensagens que fogem do tratamento habitual dos livros de história da arte. Em todos os momentos, a preocupação dos autores é não deixar escapar a articulação entre o todo e os detalhes.

Sobre a arte política, os autores lembram que não basta apenas mostrar que ocorreram atos humanos horríveis, mas também lidar com a herança da culpa “em nome de um melhoramento”. E exemplificam, tendo como referência o passado nazista da Alemanha, com a obra Innenraum, de Anselm Kiefer, de 1981. Trata-se de um artista que “fala a todos nós como adultos, sobretudo aos seus compatriotas alemães, sobre o modo de se recuperar quando coisas terríveis acontecem”. Há, como se vê, uma terapia artística dos assombros políticos da memória.

A arte é sempre uma forma de preservar experiências belas, mas passageiras. Na leitura terapêutica de Alain de Botton e John Armstrong, uma obra de arte pode ser boa (no sentido moral) se ajuda a vencer a aflição da nossa alma.



ARTE COMO TERAPIA
De Alain de Botton e John Armstrong
Editora Intrínseca, 240 páginas, R$ 49,90

MAIS SOBRE PENSAR