Lembrança e esquecimento

A violência da escravidão e o desprezo pelos índios são marcas da sociedade brasileira. Orgulhoso de seu %u2018complexo de Europa%u2019, o Brasil se isola dos vizinhos sul-americanos

por 20/09/2014 00:13
Lilian Schwarcz



São diversos os nós que constroem a nossa ideia de nação, que é feita a partir de muitas lembranças e vários esquecimentos. “Lembramos” dos trópicos, da nossa herança portuguesa, de uma certa mestiçagem; mas nos esquecemos dos processos certamente violentos que garantem um sistema como o escravocrata – que supõe a posse de um homem por outro –, ou a própria importância dessa diáspora africana que trouxe consigo símbolos, culturas, conhecimentos. Outro “esquecimento” fundamental circundou nossos ameríndios, estereotipados na representação romântica do século 19, mas destituídos durante largo tempo dos direitos básicos de cidadania e da posse da terra.

É possível afirmar que também nos distinguimos a partir de nossas posições geográficas e históricas. Somos um gigante continental e falamos português! Mas, para não ficar no óbvio, vale destacar que a história do país não se fez a partir do que se supunha ser uma natural integração com o mundo ibero-americano. Como mostra José Murilo, impressiona o fato de existirem poucos testemunhos acerca do papel cultural, econômico e diplomático de nossos vizinhos. Impressiona também esse nosso “complexo de Europa”, e como voltamos nosso olhar sempre pulando, estrategicamente, as nações que nos fazem fronteira. Aí estão jogos nacionais, feitos na base de modelos econômicos, políticos e sociais, mas que se fundamentam no agenciamento da cultura e na produção de comunidades emocionais e afetivas.

Exposição

Falta mencionar o sexto volume, coordenado por Boris Kossoy, que montou uma equipe para produzir um livro com 600 fotos e uma exposição que começou em São Paulo, mas já circulou por Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Nossa aposta era quase uma provocação: nesse caso, são as imagens que conduzem à reflexão, não o contrário. Nada como dar imagens à história, ainda mais nos dias de hoje, quando somos praticamente socializados por essas memórias visuais.

Enfim, não há como (e por quê) resumir a história de uma coleção como essa. Melhor é dividir as potencialidades de um projeto coletivo: sua heterogeneidade, as visões plurais, os olhares polifônicos. Como escreveu Alberto da Costa e Silva, o esforço foi devolver ao público nossa própria imaginação: a de “um Brasil do passado, agitado, complexo, colorido”. Conforme desafiou Angela Castro Gomes, “os livros, como os filmes, deveriam ter trilhas sonoras”. A nossa, quem sabe, poderia ser aquela do Chico Buarque: “Corro atrás do tempo. Vim de não sei onde. Devagar é que não se vai longe”.

CRISE COLONIAL E INDEPENDÊNCIA
VOLUME 1 – 1800/1830
Fundação Mapfre/Objetiva, 256 páginas, R$ 42,90

A CONSTRUÇÃO NACIONAL
VOLUME 2 – 1830/1889
Fundação Mapfre/Objetiva, 296 páginas, R$ 43,90

A ABERTURA PARA O MUNDO
VOLUME 3 – 1889/1930
Fundação Mapfre/Objetiva, 308 páginas, R$ 44,90

OLHANDO PARA DENTRO
VOLUME 4 – 1930/1964
Fundação Mapfre/Objetiva, 288 páginas, R$ 59,90

MODERNIZAÇÃO, DITADURA E DEMOCRACIA
VOLUME 5 – 1964/2010
Fundação Mapfre/Objetiva, 296 páginas, R$ 49,90

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA NAÇÃO
VOLUME 6 – 1833/2003
Fundação Mapfre/Objetiva, 464 páginas, R$ 159,90

BOX
5 VOLUMES
Fundação Mapfre/Objetiva, R$ 219,90


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