Sexo ontem e hoje

por 23/08/2014 00:13
Ed. Globo/Reprodução
Ed. Globo/Reprodução (foto: Ed. Globo/Reprodução)
Mariana Peixoto



O recente boom do sexo graças ao best-seller Cinquenta tons de cinza fez com que dezenas de genéricos – tão mal escritos, açucarados e avessos à criatividade quanto a trilogia que deu origem à série – lotassem as prateleiras das livrarias. Especializada em clássicos, a Editora Hedra lança agora um novo selo, a série Sexo. Com a promessa de publicar nove títulos, a série chega ao mercado com três deles, que, a despeito do tema, não têm relação alguma com os volumes do estouro editorial. Aqui é literatura, e das mais picantes, para usar uma palavra suave.

Dois dos títulos, ambos datados da era vitoriana, são relançamentos. A vênus de quinze anos (Flossie) foi publicado pela primeira vez na Inglaterra, em 1897. Naquele período, a circulação de livros com altas doses de erotismo era clandestina e precária. A autoria deste livro é atribuída ao poeta Charles Swinburne, que passou para a história como o autor de versos com formas radicais de erotismo como a flagelação e a necrofilia. Seja ou não o autor da história da menina Flossie (tanto que o nome do autor aparece entre colchetes), aqui a narrativa não chega a ser tão extrema.

Com apenas 15 anos e afirmando ser virgem, Flossie faz o diabo com o capitão Jack Archer na cama. Sua especialidade é o sexo oral, que explora de todas as maneiras possíveis. Tanto por isso, a novela acabou ganhando o apelido de “Garganta profunda vitoriana”. De fazer a Lolita de Nobokov enrubescer, Flossie, a despeito da pouca idade e da aparente inexperiência, foge dos clichês da garota dissimulada cheia de vontades. Fugindo de clichês, ela busca apenas viver o sexo livremente. Ou, como a própria personagem expressa, “gostaria de ver garotos e garotas à solta em festas com o objetivo explícito de se chupar”.

O segundo lançamento é O outro lado da moeda (Teleny), editado em 1893 e atribuído a Oscar Wilde. Tida como uma das primeiras obras de literatura erótica em língua inglesa a tratar explicitamente do homossexualismo, Teleny, na verdade, teria sido escrito a várias mãos – e Wilde contribuído para a edição – e sua primeira edição contou com apenas 200 exemplares.

O romance tem início como a paixão que surge entre o aristocrata francês Camille Des Grieux e o pianista de ascendência cigana René Teleny – na vida real, Wilde também se apaixonou pelo jovem universitário lord Alfred Douglas. Aliás, no caso desta narrativa, não dá para descolar romance e vida real, já que há pontos em comum – e assim como o processo que levou Wilde à prisão, Teleny contribuiu para a alteração das leis referentes ao homossexualismo na Inglaterra.

Prosa e poesia


O terceiro volume da série Sexo é contemporâneo. Tudo que eu pensei mas não falei na noite passada foi escrito por Anna P., pseudônimo de uma escritora estreante. Dividido em três partes – A conquista de sim, O percurso e O eu no mundo –, reúne textos curtos das aventuras sexuais de uma mulher, também chamada Anna. A compilação acaba formando uma narrativa única, explícita nos detalhes e em tom confessional. Ora em forma de carta, ora em diálogo, ora poesia e ora somente em um parágrafo curto único, a autora desenvolve a relação da personagem com o sexo. Há algum humor – ela faz abecedários dos sexos oral e anal, citando homens de A a Z – e também um acerto de contas com o passado, versando sobre abusos sofridos na infância. Sem romance e pudor, como uma dose certa de realidade.

A VÊNUS DE QUINZE ANOS (FLOSSIE)
[Charles Swinburne], 120 páginas, R$ 29,90

O OUTRO LADO DA MOEDA (TELENY)
[Oscar Wilde], 248 páginas, R$ 44,90

TUDO QUE EU PENSEI MAS NÃO FALEI NA NOITE PASSADA
De Anna P., 168 páginas, R$ 39,90

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