Uma visão da Feira do Livro Infantil de Bolonha, que teve o Brasil como país homenageado

Da premiação do ilustrador Roger Mello aos debates sobre programas de leitura, saiba como foi o maior evento do gênero

por Ligia Cademartori 12/04/2014 06:00
Carlos Vieira/CB/D.A Press
O Ilustrador Roger Mello recebeu o principal prêmio em Bolonha: momento marcante da literatura infantojuvenil brasileira (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
O avião Italo Calvino, da Alitalia, pousou em Bolonha às 10h30, domingo, 23 de março. Um grupo expressivo de brasileiros desembarcou com o mesmo objetivo: participar da Feira do Livro Infantil. Os bolonheses definem sua terra como sendo uma pequena cidade e um grande centro cultural da Europa. Célebre por seu patrimônio histórico e artístico, na sóbria e elegante Bolonha fica a universidade, criada em 1088, considerada a primeira do mundo ocidental.

Livrarias se espalham por toda a cidade. Em uma delas, além de livros, há restaurante, espaço para comidinhas e taberna. Os pendores da cidade se encontram ali. A Feira do Livro Infantil de Bolonha, a maior e mais significativa do gênero, reuniu 1,2 mil expositores de 74 países. O Brasil, país homenageado, marcou presença com 50 expositores e foi representado por editores, autores, ilustradores, estudiosos e observadores. A literatura para crianças e jovens ganha espaço cada vez maior no nosso mercado de livros.

Na abertura da feira, diante da ministra da Cultura, Marta Suplicy, autoridades italianas celebraram a cultura do Brasil, lembrando que não somos apenas um país com méritos esportivos (como esquecer?), mas também culturais. O gentil comentário é ilustrado com referências ao nosso cinema e à nossa música – “de Villa-Lobos a Gilberto Gil” – e à receptividade da nossa literatura na Itália, mas são citados apenas Jorge Amado e Guimarães Rosa.

Estávamos espalhados por estandes, apreciando produtos e tendências de países diversos, quando os telefones brasileiros dispararam a tocar. O sinal na feira é ruim, a voz do meu interlocutor vinha entrecortada e alegremente nervosa, mas entendi quatro palavras: “Roger Mello Prêmio Andersen”. Um brasileiro gritou a notícia a outro e começou a celebração pela segunda homenagem que o Brasil recebia: o reconhecimento do talento do ilustrador brasiliense Roger Mello. Houve festa, claro, e Roger respondia aos cumprimentos com satisfação e certa timidez.

Mercado

Quando se fala de livros de literatura infantil, porém, nem tudo é festa. São várias as facetas do assunto: literárias, educacionais, políticas, sociais, comerciais. Fui a Bolonha para uma palestra sobre programas de leitura, a convite do Brazilian Publishers. Trata-se de projeto gerenciado pela agência do Ministério do Comércio Exterior, voltado à profissionalização do editor brasileiro na venda de direitos editoriais para o mercado internacional.

O fato de o mercado do livro no Brasil ter alcançado alto nível, e passado de comprador a vendedor no mercado internacional, não é dissociado da existência do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE). Desenvolvidos desde os anos 1980, por diferentes governos, os programas de leitura para as escolas públicas vêm sendo ampliados, regulados, solidificados, com forte impacto na indústria editorial brasileira.

Se, inicialmente, fez do Brasil um grande comprador de direitos de livros estrangeiros, as proporções grandiosas do PNBE hoje, e seu alto padrão de exigência para aquisição de títulos, criaram grandes oportunidades para o setor editorial. Esse respondeu oferecendo ao mercado nacional e internacional livros diversificados e criativos.

É o Ministério de Educação que coordena o processo de avaliação das obras e a composição dos acervos, assim como é responsável por selecionar a universidade federal responsável pela avaliação dos livros. Desde 2006, essa escolha tem recaído na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio da Faculdade de Educação. A logística acadêmica do programa é coordenada por Aparecida Paiva, educadora. Os livros são selecionados por comissão formada por professores doutores de 18 estados brasileiros, provenientes de universidades federais das diferentes regiões do país.

Com 20 anos de atividade editorial, Ceciliany Alves avalia que o PNBE, com o objetivo de formar bibliotecas com livros de qualidade para as escolas públicas brasileiras, acaba por atestar também a qualidade da produção editorial brasileira.

A quantidade de livros selecionados e adquiridos regularmente comprova que temos uma produção madura e competitiva, tanto para o mercado nacional quanto para o mercado internacional. Tentar entender tudo que diz respeito ao livro infantil no Brasil é coisa para gente grande.

. Ligia Cademartori é professora aposentada da Universidade de Brasília, autora de O que é literatura infantil, A criança e a produção cultural e O professor e a literatura e tradutora de obras de Robert Louis Stevenson, Lewis Carroll, Charles Dickens, entre outros.

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