Avelino Fóscolo, autor do primeiro romance sobre Belo Horizonte, 'A capital', completaria 150 anos em novembro

Adepto do estilo naturalista, escritor foi ligado ao anarquismo

por Carlos Herculano Lopes 05/04/2014 10:00
Homem de múltiplas atividades: romancista, jornalista, farmacêutico, dramaturgo e político anarquista, que combatia o conservadorismo da Igreja Católica, se batia pela proclamação da República e defendia a libertação dos escravos. Em 2014 se completam 150 anos do nascimento de Antônio Avelino Fóscolo, (em novembro de 1864,  em Sabará) e 70 da sua morte (em agosto de 1944,  em Belo Horizonte).

Seria justamente a capital mineira, que conheceu no nascedouro e onde viveu seus últimos dias, que o faria entrar para a história, como seu livro A capital, o primeiro romance, segundo palavras do crítico literário Oscar Mendes, inspirado na recém-inaugurada BH, fato que ocorreu em 12 de dezembro de 1897.

A primeira edição do romance é uma raridade, podendo com sorte ser encontrada em algum sebo. Foi lançada em 1903, pela Typhografia Universal, da Cidade do Porto, Portugal. A segunda – e última até agora – saiu em 1979, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, em comemoração aos 80 anos da inauguração de Belo Horizonte, completados em 1977.

Sobre a vida e obra de Avelino Fóscolo, que pertenceu à Academia Mineira de Letras, foram escritos alguns trabalhos. Os mais importantes, e que hoje servem de referência quando se fala do escritor, são os livros O romancista Avelino Fóscolo, de Eduardo Frieiro, que foi editado pela Secretaria da Educação de Minas Gerais em 1960, e Hoje tem espetáculo – Avelino Fóscolo e seu romance, de Letícia Malard, professora emérita da UFMG, publicado pela Editora UFMG em 1987. Eduardo Frieiro, que conviveu com Avelino em Belo Horizonte, e do qual era amigo, dizia que Fóscolo era um homem “retraído, meio esquisitão, e que nunca se adaptou completamente à ordem estabelecida”.

Testemunha Já no livro da professora Malard, de forma clara e objetiva, é traçado um amplo painel sobre a trajetória de Fóscolo, do tempo em que viveu e das mudanças sociais, econômicas e políticas no Brasil. Sobre A capital, Letícia afirma não se tratar de romance histórico, no sentido estrito do termo, embora a trama seja de grande interesse pelas ações e reações que envolveram a construção da cidade. “O escritor foi sua testemunha ocular e seguramente ficcionalizou com muitas doses de verdade episódios que marcaram tal construção. As personagens parecem emergir do real: vivem intensamente o dia a dia do Curral del Rey. São proprietários de imóveis para alugar, comerciantes, fornecedores da comissão construtora ou aventureiros em busca de riquezas”, explica Letícia Malard.

Fóscolo foi um homem avançado para a sua época, sobretudo em relação ao seu meio, seja como intelectual, político ou comerciante. Entre outras atividades, foi operário da Mina de Morro Velho, artista de circo, autor e ator de peças teatrais de caráter político, farmacêutico, inventor de um coalho que teria sido comercializado na Europa e fundador de jornais. Politicamente, foi anarquista. “Entremeado a tudo isso escrevia romances, contos e peças de teatro. Deixou inédita em livro uma narrativa, No circo, que seria publicada em capítulos num jornal anarquista de São Paulo, lido por operários”, conta a professora.

 Avelino Fóscolo, para Letícia Malard, foi um escritor do realismo e sua exacerbação, o naturalismo, porque seguia padrões dominantes na escrita da época e por considerar a criação literária uma espécie de fotografia do real. “Esse real tem, na maioria das vezes, um lado natural do ser humano e sua ação no mundo: negativista, amoral, patológico, denunciador ou vítima de mazelas pessoais ou sociais. Seus extremos foram chamados de naturalismo”, explica.

Além de A capital, que se tornou seu livro mais conhecido, Avelino Fóscolo publicou os romances A mulher, escrito em parceria com Cassiano Júnior, O mestiço, O caboclo, O jubileu, Morro Velho e Vulcões, este também centrado em Belo Horizonte.

BH literária

Além de A capital, de Avelino Fóscolo, Letícia Malard destaca na literatura sobre Belo Horizonte dois livros de poesia: Belo Horizonte, bem querer, de Henriqueta Lisboa, e Olhos de Aarão, de Cely Vilhena. Na área da ficção, ela cita o romance O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, no qual o autor narra a vida de um funcionário público, no clima da capital mineira das décadas de 1930 e 1940. Em outro livro de Cyro dos Anjos, Abdias, de 1945, o protagonista é um professor altamente intelectualizado, que sente por Gabriela um amor de renúncias e temores. Outro romance igualmente importante foi O encontro marcado, de Fernando Sabino. No livro, o autor fala das angústias e vivências de jovens das décadas de 1940 e 1950, inspirados em personagens reais de BH.

“Curral dos crucificados é a obra que destacamos de Rui Mourão, nosso romancista de Belo Horizonte, por excelência, como da Ouro Preto barroca e também moderna”, diz Letícia. Outro livro citado pela professora é Hilda Furacão, de Roberto Drummond, ambientado em Belo Horizonte, com parte passada em Ferros, terra do autor. No romance, Drummond narra as aventuras amorosas e políticas de Hilda, uma moça que frequentava o Minas Tênis Clube, mas que acabou se transformando em prostituta na década de 1960. “Não podemos nos esquecer também de Balão cativo, de Pedro Nava, livro de memórias no qual ele conta seus primeiros tempos em BH, e ainda de Beira-mar, narrativa dos tempos em que Nava morou na capital mineira, com destaque para sua vida ligada à medicina”, completa Letícia Malard.


Trecho de A capital

“Ia-se inaugurar a Capital no prazo que a Constituição marcara. O comércio, como que galvanizado, transformara-se todo e uma animação vívida lhe injetara o áureo sangue nas veias... Os trens vinham prenhes de gente. Improvisavam-se hotéis para receber os curiosos e nas ruas havia o formigar imenso da multidão que a novidade assanha. Sanefas e galhardetes multicolores estendiam-se em corrente da Estação, através das avenidas, indo ao Palácio. Coretos, colunatas, arcarias, improvisados às pressas, se erguiam nas praças. Um rumor desconhecido, gigantesca preamar, difundia-se qual torrente e dominava a cidade. Desde pela madrugada fervilhava a colmeia de campôneos vindos dos arredores em três léguas de raio. Passavam aos bandos, aves imigratórias: os homens trajados de brim mineiro, as mulheres envoltas em vestes de grandes ramagens, à moda tradicional, herdada de avós, o lenço de chita em torno do pescoço e cruzando-se, preso por um alfinete de fantasia, no peito; crianças, geófagas decerto, obesas, amarelas, orelhas transparentes, iam arrastadas pela mão, vestindo calças curtas, mal delineadas, deixando aparecer as pernas muito raquíticas, os pés enormes resguardados por sapatões sem meias. Deslizavam por longe das secretarias, muito admirados, com aquele temor rústico pelo grandioso e ficavam embasbacadas ante os coretos, elogiando as arcádias de pinho e pano, extasiados ante as pinturas feitas às pressas, os galhardetes, as bandeirolas, as sanefas, os adornos policrônicos... Havia de fato alguma coisa de desanaminador na população de Belo Horizonte. Uns homens magros, esgrouviados, amarelos, de feições melancólicas, olhos amortecidos, cabelos malcuidados, unhas grandes, negras de pó, pés mal resguardados, como todo o corpo, em vestes insuficientes. As mulheres, porém, eram bem mais conformadas, destacando-se, apesar da singeleza do meio, de carência de arte tão necessária ao aformoseamento, algumas verdadeiramente belas.”


Três perguntas para...

Letícia Malard
Professora de literatura


Quem foi Avelino Fóscolo?
Infelizmente, hoje, ele é um escritor praticamente desconhecido, tal como escritores provincianos de meados dos séculos 19 e 20. Além desse estigma do nascimento, suas ideias políticas, vinculadas ao anarquismo, eram rejeitadas pela sociedade, tornando-o também, de certa forma, um homem bastante marginalizado no seu tempo.

O anarquismo se refletia na sua literatura?
De certa forma, sim. Ele tinha o hábito de escrever nas margens dos jornais, sobre o balcão da farmácia quando não havia clientes para atender. E não fazia revisão dos seus textos, ao que tudo indica. Assim, acreditamos que seu valor está mais centrado na condição de documentos históricos de uma Minas marcada pelas injustiças sociais do que propriamente no estatuto de objetos literários.

A obra de Avelino Fóscolo ficou?
Infelizmente, a sua obra hoje, como diria Carlos Drummond de Andrade, não passa de uma fotografia doendo na parede.

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