Livro reúne crônicas, poemas e cartas de Carlos Drummond de Andrade sobre o futebol

O poeta se revela apaixonado pelo esporte e seus heróis

por Ana Clara Brant 15/03/2014 00:13
Arquivo EM
(foto: Arquivo EM)
A maioria dos leitores de Carlos Drummond de Andrade se acostumou a ler o poeta versando sobre amores, dores, sobre o tempo, o silêncio, indagando sobre o mundo ou evocando lembrança de seus tempos de menino. Por isso, soa até curioso quando chega ao mercado um livro que mostra observações do itabirano sobre o esporte mais popular do país.

Com textos selecionados por Luis Mauricio e Pedro Augusto Graña Drummond, netos do escritor, e posfácio de Juca Kfouri, Quando é dia de futebol (Companhia das Letras) traz em quase 200 páginas crônicas e poemas publicados em sua maioria nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, nos quais o autor trabalhou durante muitos anos, além de trechos de cartas do poeta a amigos e familiares.

Textos líricos, irônicos e bem-humorados. A maior parte não retrata um time específico, mas as rivalidades entre grandes clubes e lances geniais de Pelé (“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé!”) ou Mané Garrincha (“Há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios.”). Ganham destaque a Seleção Brasileira e eventos como a Copa do Mundo, já que Drummond passou por nove delas, de 1954, na Suíça, até a última testemunhada pelo autor, em 1986, no México.

Tudo que envolvia o esporte bretão, seja a paixão do torcedor ou o fascínio que uma transmissão pelo rádio provocava, estava presente em sua escrita, sempre atenta ao homem comum. Uma das crônicas que mais chamam a atenção e que abre o livro foi publicada no Minas Gerais de julho de 1931. “Enquanto os mineiros jogavam” fala da angústia de cavalheiros em volta de um rádio durante um jogo da Seleção Mineira. Num domingo à tarde, como de costume, Drummond ia ver os bichos no Parque Municipal, já que estava cansado de lidar com gente durante a semana, e ficou espantado de ver uma aglomeração de pessoas ali. Enquanto “onze mineiros batiam bola no Rio de Janeiro, dois mil mineiros escutavam, em Belo Horizonte, o eco longínquo dessa bola e experimentavam uma patriótica emoção”.

Apesar da imagem sóbria de funcionário público, por incrível que pareça o esporte, e sobretudo o futebol, era uma das paixões de Carlos Drummond de Andrade. Não era frequentador assíduo dos estádios, mas tudo leva a crer que não era torcedor do Valeriodoce, time de sua cidade natal, Itabira, mas do Vasco da Gama, como descreve em um dos textos do livro (“E viva, viva o Vasco: o sofrimento/ há de fugir, se o ataque lavra um tento/ Time, torcida, em coro, neste instante,/ Vamos gritar: Casaca! ao Almirante./ E deixemos de briga, minha gente./ O pé tome a palavra: bola em frente”).

Ao falar de futebol, o autor trata também de política, da sua influência nas massas humanas, do carnaval, da família e de outros assuntos que o leitor deve ir descobrindo à medida que avança na leitura e observa que o futebol é para o povo um refúgio ante tais fracassos. Desse refúgio ele extrai sua maior alegria. Faltando poucos meses para a Copa do Mundo, Quando é dia de futebol é uma bola cheia de lirismo para mergulhar nessa que é uma das maiores paixões do brasileiro.


Trecho do livro


Milagre da Copa

Bulhões a Campos, fagueiro:
Enfim domada a inflação!
Valorizou-se o Cruzeiro
E muito mais o Tostão.


Correio da Manhã, 3/4/66


Quando é dia e futebol
• De Carlos Drummond de Andrade
• Editora Companhia das Letras,
• 198 páginas, R$ 34,50

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