Série de livros de Elio Gaspari sobre a ditadura militar volta às livrarias

Edição digital traz centenas de documentos e arquivos em vídeo e áudio

por João Paulo 22/02/2014 00:13
Egberto Nogueira/Divulgação
(foto: Egberto Nogueira/Divulgação)
A mais completa história da ditadura militar brasileira, de autoria do jornalista Elio Gaspari, está de volta em segunda edição. Publicada originalmente entre 2002 e 2004 pela Companhia das Letras, ela chega às livrarias pela Intrínseca, revista e aumentada, em quatro volumes. O prometido quinto tomo, que encerra a série, está sendo escrito e não tem data de lançamento prevista.

Os principais acréscimos da nova edição se referem à incorporação de informações referentes a dois casos específicos. O primeiro é a gravação de uma conversa entre John Kennedy e o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, em 7 de outubro de 1963 (46 dias antes do assassinato de Kennedy, em Dallas), em que o presidente admite a intervenção americana no Brasil em caso da emergência de um governo comunista no país.

A segunda fonte de novos dados é proveniente da divulgação das atas de duas reuniões do Conselho de Segurança Nacional em junho de 1968. Nelas, o então presidente Costa e Silva discute a possibilidade de decretação de estado de sítio, decidindo-se por não fazer nada. Poucos meses depois, com o Ato Institucional nº 5, a ditadura seria, nas palavras de Gaspari, escancarada de vez.

Se os dois casos anteriores tratam de revelações, há ainda algumas atualizações decorrentes do período passado desde a primeira versão. Entre elas, a incorporação de novas fontes bibliográficas (como a biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães), de episódios revelados mais recentemente, como a altercação de Geisel com Sylvio Frota depois da morte de Vladimir Herzog no DOI-Codi (contada por Frota no livro Ideais traídos, de 2006), além das referências à militância clandestina de Dilma Rousseff. A Comissão Nacional da Verdade também é mencionada na nova edição.

Os quatro volumes obedecem o mesmo sentido da edição original. Os dois primeiros, A ditadura envergonhada e A ditadura escancarada, são agrupados no título comum de As ilusões armadas. Os primeiros livros tratam do período que vai do golpe à Guerrilha do Araguaia, em 1974. O terceiro e quarto tomos, A ditadura derrotada e A ditadura encurralada, compõem o projeto da biografia histórica de Geisel e Golbery, e são agrupados como O sacerdote e o feiticeiro. Para Gaspari, os dois generais que haviam se aproximado nos primeiros momentos do regime militar tinham, ao voltar ao poder em 1974, “o propósito de desmontar a ditadura radicalizada desde 1968”. Os livros trazem caderno de fotos (que foram ampliados), cronologia e outros apêndices.

Eletrônico No entanto, a maior novidade é mesmo a edição eletrônica, para todos os suportes e formatos digitais, que traz, além do texto integral, centenas de documentos, vídeos, gravações em áudio e transcrições de conversas. Gaspari é um dos jornalistas brasileiros mais experientes, mas está longe de ser um dinossauro. Seu gosto pela tecnologia faz par com o cuidado que tem na guarda e análise de documentos físicos (ele foi depositário dos arquivos de Golbery do Couto e Silva e Heitor Ferreira, que estão na base do trabalho) e apuração dos fatos. E é ele o maior entusiasta da edição digital, que, entre outros achados, permite abrir cada nota ou referência do texto como uma janela, facilitando a leitura e trazendo mais elementos para o pesquisador.

Na introdução do e-book ele defende o novo formato: “John Kennedy discutiu a possibilidade de uma ação americana no Brasil durante a reunião na Casa Branca? Jarbas Passarinho mandou ‘às favas os escrúpulos’ na reunião que baixou o AI-5? Um toque e vêm os áudios”. E o autor contabiliza que, se todos os documentos da versão eletrônica fossem reproduzidos nos livros, seriam necessárias cerca de 670 páginas a mais. Parte deste conteúdo pode também ser acessado pelo site www.arquivosdaditadura.com.br, que vem sendo alimentado pelo autor desde o começo do ano.

A obra de Gaspari se tornou clássica por razões históricas, pelo amplo trabalho de reconstituição e interpretação de um dos períodos mais marcantes da vida brasileira no século 20, com recurso obsessivo ao fato. Mas também tem sido saudada pelo equilíbrio entre o os grandes temas e a ação individual, entre o geral e o particular, entre a grande síntese e a atenção ao detalhe. É também um esforço de expressão literária notável, que prende o leitor tanto pelo painel como pela análise, com estilo direto, mas não isento de sutileza e inteligência.

O quinto volume, de acordo com Gaspari, vai começar com a posse do general João Figueiredo, em 1979, e chegar até a campanha das Diretas Já, de 1984. Um dos fatos mais marcantes do período, o atentado do Riocentro, está de novo em evidência. Sinal de que a história não acabou.

A DITADURA ENVERGONHADA, 464 páginas
A DITADURA ESCANCARADA, 560 páginas
A DITADURA DERROTADA, 580 páginas
A DITADURA ENCURRALADA, 560 páginas
De Elio Gaspari
Editora Intínseca
Impresso: R$ 39,90 cada volume
E-book: R$ 14,90 (normal) e R$ 19,90 (especial)

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