Metrópole em redondilhas

por 28/12/2013 00:13
Andrés Sandoval/Reprodução
None (foto: Andrés Sandoval/Reprodução)
João Paulo




Não há nada menos contemporâneo que uma quadra: quatro versos, rimados, em sete sílabas, com linguagem coloquial, quase espontânea. Mas, por outro lado, não há nada mais moderno que corromper as expectativas e inaugurar um jeito diferente de olhar. O escritor Fabrício Corsaletti escreve crônicas em versos para jornal. Parece uma contradição, já que a crônica é sinônimo de boa prosa. No entanto, ele conquistou seu território. A equação fica ainda mais interessante quando o assunto é uma cidade, a maior do país, São Paulo.

É dessas misturas que é feito o livro Quadras paulistanas, em que Fabrício Corsaletti divide o espaço com os desenhos de Andrés Sandoval, criador gráfico de uma dicção urbana, feita de desenho de lápis duro sobre papel, desses que não admitem retoques. O livro é, dessa forma, uma mescla criativa de ingenuidade e astúcia, passado e presente, prosa poética e poesia coloquial, simplicidade do olhar e tentativa de ver mais longe, modernismo e pós-modernismo, humor e gravidade.

Da poesia, Corsaletti restaura a palavra enxuta, a capacidade de dizer muito com pouco, a sentença epigramática que tem metro certo. Da crônica, o olhar largado do flanêur, o senso vagabundo de andar pelas ruas, a percepção do cotidiano. Do jornalismo vem a vocação de fazer tudo em cima da hora, de não deixar o fato escapar, de ser contemporâneo. O desenhos de Andrés Sandoval ajudam a dar margem ao projeto, com seu estilo igualmente dinâmico, que cerca o texto, passeia pela página, se afigura ao olhar como um improviso feito no papel que cobre as mesas de bar.

O livro é resultado do que foi publicado no jornal diário, o que dá um senso de realidade às descrições. Mas são versos que em sua rapidez e simplicidade não deixam de revelar, além do repórter, o poeta informado no modernismo, com seu humor e gosto da surpresa. Há um impulso para o impressionismo, que parece rimar com o cinema, como um longo plano-sequência pela cidade, mas que chega à página editado, com corte rápidos, como pequenos curtas-metragens emendados.

O autor tem sensibilidade para lugares e personagens: aquilo de que é feita a cidade. Com isso, pode falar sobre pessoas famosas (ou nem tanto) vistas de relance, ao lado de relato de amigos e anônimos de várias extrações. Os lugares seguem a mesma variação, vão do MAM ao mictório do bar e à falta de mictório nas ruas, da padaria antiga às Óticas Carol, do cemitério que guarda Mário e Oswald (inimigos em vida) à Liberdade. Do Municipal às Casas Bahia.

Quadras paulistanas parece um álbum de poesia feita de bate-pronto, sem preocupação, que desafia todos a imaginar versos para sua cidade, seus amores e lástimas, seus heróis particulares e sítios favoritos. Não se deve esperar mais de um livro de crônicas.

Quadras escolhidas

“Estive no Mercadão
chafurdei na mortadela
depois voltei pro trabalho
cantando um samba pra ela”

“As águas do Rio Pinheiros
as águas do Tietê
se encontram mas não se tocam
são como eu e você”

“Mário de Andrade hoje está
enterrado quase junto
do seu desafeto Oswald
– não se perdoa um defunto!”

“Pastel de feira, de carne
caldo de cana, manhã
pimenta, nuvem que passa
ressaca, olhos de rã”

“Viva Laerte Coutinho
travestido de mulher!
Viva a liberdade! Viva
quem faz aquilo que quer.”


QUADRAS PAULISTANAS
. De Fabrício Corsaletti e Andrés Sandoval
. Editora Companhia das Letras, 80 páginas, R$ 38

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