Filósofo húngaro István Mészáros lança no Brasil estudo sobre a obra de Lukács

Escritor analisa a crise estrutural do capitalismo contemporâneo. Para ele, não há alternativa viável fora do socialismo

por João Paulo 30/11/2013 00:13
Túlio Santos/EM/D.A Press
(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O mundo vive uma crise. O que não é novidade para ninguém. Se o diagnóstico é consensual, a forma de compreendê-lo e, sobretudo, de atacar suas causas e propor alternativas, continua dividindo as pessoas. No coração do debate que atravessa o planeta, uma das vozes mais importantes é a do filósofo húngaro István Mészáros. Considerado um dos mais destacados intelectuais marxistas contemporâneos (a própria filiação já é problemática para boa parte da humanidade), Mészáros é autor de obras fundamentais para a compreensão da sociedade, da política e da economia contemporâneas, como Para além do capital – rumo a uma teoria da transição, Estrutura social e formas de consciência e O poder da ideologia, entre outros.

Homem de pensamento, Mészáros é também intelectual engajado desde a juventude e, recentemente, se mostrou próximo de movimentos populares, como o Fórum Social Mundial, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e mesmo do governo de Hugo Chávez, na Venezuela. Atentos, seus críticos – e mesmo certos admiradores – se apressaram em tentar dividir o pensador em dois: um deles autor de obra que é patrimônio incontornável da filosofia contemporânea (mesmo para discordar dela); e outro ligado às demandas da participação política ideológica, com os riscos habituais das polarizações. Mészáros, como não podia deixar de ser, nunca se negou a responder a essas críticas, deixando claro que o que o impele à política é exatamente a produção teórica.

A trajetória do filósofo ajuda a entender esse vínculo entre interpretação e busca de transformação do mundo. Nascido em Budapeste, em 1930, trabalhou como operário numa fábrica de aviões, depois de vários empregos. Frequentou a universidade com bolsa concedida pelo governo por ter se formado com notas distintas. Em 1950, publicou ensaio em que se batia contra a censura de obra teatral de Mihaly Vorosmarty. O texto chamou a atenção do filósofo Gyorgy Lukács, que convidou o jovem para ser seu assistente no Instituto de Estética da Universidade de Budapeste. A ligação com Lukács se estenderia por toda a vida, até a morte do filósofo autor de História e consciência de classe, em 1971.

Com o levante de outubro de 1956, Mészáros deixa a Hungria, dirigindo-se à Itália, onde se casa com Donatella, companheira de toda a vida. Em seguida, assume postos em universidades na Grã-Bretanha, México, Canadá e Estados Unidos. Em 1966, se fixa na Inglaterra, ligando-se à Universidade de Sussex, onde se aposentou em 1995. Em todos os momentos, ao lado de pesquisas filosóficas sobre temas como alienação, dialética, educação, ecologia e trabalho, manteve postura crítica em relação ao capitalismo contemporâneo e destacada militância política em vários contextos e cenários de disputas.

A reflexão de Mészáros está inserida em seu tempo e realidade histórica. Tem ainda a marca forte da herança marxista. No entanto, como todo teórico criativo, ele foi capaz de avançar para aspectos ainda intocados ou que se tornaram realidade em razão da dinâmica da história. Inserem-se aí suas críticas ao sistema educacional capitalista (e a necessidade de se criar uma educação além do capital), ao novo modelo de imperialismo dos estados centrais e à emergência do desemprego crônico, consequência necessária da crise estrutural do capital que o mundo atravessa.

Metabolismo Entre as reflexões seminais do pensador acerca do estágio atual das forças produtivas está a retomada do que Marx chamava de metabolismo social. É preciso ir além do autor de O capital não porque a situação hoje esteja melhor, mas pelo fato de enfrentar problemas que ele nem sequer imaginava. E é no bojo da investigação sobre a desigualdade contemporânea que surge para Mészáros a necessidade política e ética do engajamento político. Para o filósofo, não basta a crítica, é fundamental o momento da práxis. Uma lição fundamental para a esquerda.

A noção de metabolismo, herança da biologia e da química, trata dos processos envolvidos na relação entre os organismos e meio ambiente. Marx vai combinar o conceito com a crítica à economia política, para demonstrar que há uma falha metabólica na produção agrícola industrializada de seu tempo. Para recuperar o metabolismo seria necessária a superação da alienação envolvida no processo de acumulação, com reformas no interior do sistema, em direção a uma produção que atendesse as necessidade sociais, inclusive da dignidade do trabalho. Isso já no século 19. No contexto do capitalismo financeirizado contemporâneo, a falha metabólica e a reprodução sociometabólica ganham dimensão quase absoluta.

Entre os aspectos que serão destacados por Mészáros nesse contexto estão a dimensão do custo ecológico, a destruição do emprego, o crescimento desordenado, a injustiça social, o reforço da lógica imperialista em termos de comércio internacional. A reprodução sociometabólica do capital enfrenta limites claros e está minando as condições de existência não apenas de uma classe, mas de toda a humanidade. Não se trata mais de um jogo de vencedores e derrotados, mas de um cenário onde todos estão perdendo a cada dia. Basta examinar os danos ao meio ambiente, a ausência de empregos para os jovens, a tendência à retirada de benefícios sociais, a proteção do sistema financeiro acima de todos os crimes, os impactos sobre o clima, os impasses da mobilidade em razão do consumo e da especulação imobiliária que torna as cidades bunkers sob vigilância armada, entre dezenas de outros sintomas de esgotamento. O capitalismo atual não tem como se reproduzir nas bases em que se estabeleceu.

A saída, de acordo com as reflexões e atitudes de Mészáros, apontam para uma mudança qualitativa. O problema não é de produtividade, mas de ausência de igualdade substantiva. Mais que uma questão técnica, a sustentabilidade, palavra tão em moda e que se arrisca a ser incorporada à própria lógica do capital, precisa ser tomada em sua dimensão política e popular. O capital, de acordo com o pensador húngaro, não é capaz de resolver suas contradições intestinas nem os problemas que emergem de sua crise atual, como o desemprego e a destruição ecológica. Mészáros propõe, na teoria e na prática, uma transição voltada para a lógica fundamentada no trabalho. Que pode ser o outro nome do socialismo possível. Caso contrário, parece nos alertar Mészáros, só restará esperar a barbárie.

MAIS SOBRE PENSAR