Edição primorosa da obra de Esopo revela um dos clássicos da literatura ocidental

Livro tem tradução feita diretamente do grego e ilustrações de Eduardo Berliner

por Paulo Bentancur 09/11/2013 00:13
Eduardo Berliner/Reprodução
(foto: Eduardo Berliner/Reprodução)
Nascido em Amório, hoje Turquia, não se sabe onde Esopo morreu (620 a.C. – 564 a.C), o que se sabe, e muito bem (a mesma certeza e quase as mesmas dúvidas que pairam sobre Homero), é que foi um gênio. Criou um gênero: a fábula. Histórias brevíssimas (no melhor volume já publicado em língua portuguesa, nada menos de 382 mini-histórias). Seria, também, uma espécie de precursor do miniconto (suas narrativas não passam, em média, de 20 linhas, com raras exceções). O que impressiona é, simultaneamente, enquanto encanta com a criatividade narrativa (atingindo a transcendência tanto do encantatório quanto do poético, tal a riqueza de imagens) também alcança um extenso sentido moral, ético, social, econômico, político e filosófico. Com tantos recursos e impactos, como abrir mão de ler simplesmente... fábulas?

Pelo menos as de Esopo, e completas!

No admirável ensaio introdutório, com fôlego e precisão, Adriane Duarte conta acerca de uma reunião entre o povo e um orador, e o orador sem receber a menor atenção do público. Até que se lembrou de uma fábula de Esopo e perguntou se queria escutá-la. Imediatamente a resposta foi afirmativa. E o orador lhes narrou que certa vez uma andorinha, uma enguia e Deméter iam por um mesmo caminho. Todos quiseram saber o que cada um fez. Resposta: a andorinha voou e a enguia mergulhou no rio. E Deméter, quiseram saber logo. “Ela está zangada com vocês, que deixaram de lado os assuntos políticos para se ligar em fábulas esópicas.” E assim a ensaísta realiza o belo desfecho no qual explica a força das fábulas e o quanto assuntos graves, comparados a elas, podem ser deixados de lado.

E mais: a verdade é que as fábulas, que na cuidadosa edição brasileira trazem sempre no fim uma conclusão moral, servem exatamente para isso, para acordar-nos, para alertar-nos. Vejamos esta: “O abeto e o espinheiro”:

“Competiam entre si um abeto e um espinheiro.
O abeto, para se vangloriar, disse: ‘Sou belo, alto,
de bom porte e útil na construção de navios e de
coberturas de templos. E você ainda tenta medir-
-se comigo?’. Ao que o espinheiro respondeu: ‘Se
você se lembrar dos machados e dos serrotes que
te abatem, também vai preferir ser um espinheiro’.”

Qual seria a conclusão? Elementar mas convincente: “A fábula mostra que na vida as pessoas não devem se deixar tomar pelo orgulho, uma vez que a existência dos simples é que se encontra realmente livre da maioria das ameaças”. Boa, não?

Impossível, assim, não seguir essas mais de 300 fábulas com um olhar que transcende o da imaginação. Ao prazer que elas proporcionam soma-se a consciência que elas trazem.

Literatura

Indo mais para o lado da análise literária, convém lembrar que basicamente essas fábulas trabalham com animais como protagonistas, e esses animais agem e reagem como seres humanos, vivendo a realidade precária da vida selvagem, do mato, dos elementos que os cercam, suas condições de conviver e sobreviver. No entanto, é exatamente dessa realidade pobre, limitada, que são extraídas lições que em muito palácio não seriam encontradas.

Além do mais – o que é fundamental para a história da literatura – é lembrarmo-nos que Esopo inventou um gênero. E por inexistente, aparentemente ingênuo. Ingenuidade de quem pensasse tal coisa. Tanto que as fábulas rapidamente ganharam o generoso espaço da divulgação, da visibilidade.

Mais populares, impossível.

Com o passar do tempo, dos séculos, influenciaram novos fabulistas, contadores de histórias e até o teatro.

Exemplos? Jean de La Fontaine (1621-1695), Hans Cristian Andersen (1805-1875), e, na cena teatral, Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière (1622-1673).

Embora a consistência da obra, não obstante um gênero quase discriminado, até o ilustrador e designer Eduardo Berliner pareceu muito bem compreender a grandeza do projeto. O volume é mais que lindo e moderno. Os traços das ilustrações são livres, se soltam – bem ao contrário do que estávamos habituados a ver em livros de fábulas, tudo “amarradinho”, bem-comportado.

Esopo – Fábulas completas, produzido numa edição luxuosa no melhor sentido e provocadora visualmente, tem tudo para ser um dos lançamentos do ano.


. Paulo Bentancur é escritor e crítico


Esopo – Fábulas completas

. De Esopo, tradução de Maria Celeste C. Dezotti
. Editora Cosac Naify, 564 páginas, R$ 69,90

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