O Poetinha sempre procurou o amor nas mulheres e não concebia a vida sem paixão

Filha do poeta diz que o pai a ensinou a ver o mundo com sensibilidade

por Walter Sebastião 19/10/2013 06:00
Arquivo O Cruzeiro/EM
O poeta com os rebentos Pedro, Georgiana, Luciana e Susana: um pai amoroso, mas que não levava os filhos ao dentista (foto: Arquivo O Cruzeiro/EM)
Eu quis amar mas tive medo
E quis salvar meu coração
Mas o amor sabe um segredo
O medo pode matar o seu coração




Um homem sensível que ousou viver como um poeta. Católico na juventude e adepto do candomblé ao morrer. Um escritor erudito, reconhecido e premiado no meio literário que, no fim da vida, é um dos ícones da música popular brasileira, à qual se entregou de corpo e alma. Um lírico que se esparrama afetuosamente pelos mais diversos gêneros literários sem perder verve e sofisticação. Dele se disse: “Se fosse um só, seria Vinício de Moral, mas ele é Vinicius de Moraes”. Quem recorda tudo isso é o jornalista José Castello, autor de 'Vinicius de Moraes – O poeta da paixão' (Companhia das Letras), o mais completo ensaio biográfico sobre o artista.

José Castello desconfia do apelido Poetinha, que o próprio Vinicius adorava. O receio do jornalista é que a palavra, apesar de simpática, reduza o significado da obra e do escritor. “Ele foi grande poeta e de uma geração de ouro: a de Carlos Drummond, Jorge de Lima, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, entre outros”, observa, avaliando que não se trata de escritor menor nem menos importante que os pares. “Vinicius gostava de ser chamado de Poetinha porque, como todos nós, e talvez com voracidade acima da média, adorava ser amado. Não sabia viver a vida senão apaixonadamente. Vivia um tom acima”, afirma o biógrafo, suspeitando que o gosto pelo álcool tenha contribuído para o temperamento do escritor.

Vinicius de Moraes, continua José Castello, teve paixões a vida inteira. Por mulheres, mas também por amigos, parceiros, criadores, gêneros literários e musicais. Romantismo cultivado que se soma ao espírito rebelde e libertário, e que encontra na poesia e boemia o modo de catalisar diversidade de interesses. “Enquanto Drummond ou João Cabral tinham carreira pública certinha, Vinicius deixou a poesia invadir a vida dele, não faz dela apenas trabalho intelectual. Ele ousa viver como poeta, não há como imaginar a existência dele sem a arte”, garante. Perfil que faz de Vinicius de Moraes não só um criador, mas um dos grandes personagens da literatura brasileira. “Foi uma metamorfose ambulante”, arrisca.

A face alegre, solar, de bem com a vida, explica Castello, é a dominante do escritor. “Mas ele não é só isso. Há outros aspectos pouco observados”, pondera. A lírica amorosa, de fato, compõe grande parte da obra do poeta, mas há poemas engajados, como 'Operário em construção', e textos dramáticos, como 'Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão', meditação sobre a morte do pai. Especulações metafísicas e angustiadas também podem ser lidas nos poemas da juventude, quando o poeta era católico fervoroso. Ponto comum, cruzando toda obra, é o lirismo “que dá corpo à alma e alma ao corpo”, sintetiza Castello.

O homem cujo herói literário era o francês Arthur Rimbaud foi na juventude um conservador – formado para ser intelectual de direita, diz o próprio Vinicius –, mas se torna progressista depois de se casar com Beatriz Azevedo de Mello, mulher de esquerda. O mistério, brinca Castello, é como um boêmio pode sustentar carreira diplomática, e não o inverso. “Mal e porcamente”, conta. “E não por acaso, na época que as pessoas perdiam os cargos por motivos políticos, Vinicius foi expulso por mau comportamento”, sem afastar as motivações políticas para a exoneração do escritor, em 1968. Também é difícil imaginá-lo como militante político tradicional.

 “Vinicius não teve medo da vida. Pelo contrário, queria sorver de tudo e da forma mais intensa possível. E o fez”, afirma José Castello. O poeta foi influenciado e influenciou os ambientes que frequentou. Se o primeiro casamento fez com que deixasse de lado posições conservadoras, a união com Lila Maria Bôscoli será incentivo para imersão no mundo musical. “A música, vale recordar, estava na alma dele”, pondera José Castello, lembrando que a participação do escritor, ainda adolescente, em banda no colégio veio antes da decisão pela poesia.

“Para Vinicius, poesia é música”, afirma o biógrafo, lembrando a musicalidade intrínseca dos textos. Pesando na dedicação do escritor à música popular esteve a amizade com Tom Jobim. “Sensível, querendo fazer tudo, Vinicius percebe muito cedo a genialidade daquele jovem cabeludo, para quem escreveria várias letras”. O jornalista não gosta de falar em herdeiros estéticos de Vinicius de Moraes, ainda que detecte sinais de sua poesia em muitos autores contemporâneos. “Grandes poetas são singulares, não podem ser copiados”, avalia.

Pai generoso


“Vinicius nunca foi de levar filhos ao dentista, mas era pai generoso”, conta Susana de Moraes, a mais velha dos cinco filhos dos nove casamentos do poeta. “O que ele nos deu foram valores: humor, eternidade, maneiras ver as coisas de forma sensível, lúdica, entendendo a complexidade da vida e do mundo. Foi homem de visão abrangente e essa foi a grande herança que ele deixou não só para nós, filhos, mas para todos os brasileiros”, acrescenta.

Susana de Moraes conta também que Vinicius de Moraes foi homem “extremamente tolerante”, que tinha o dom de tirar das pessoas o melhor. “Meu pai tinha uma capacidade incrível de se comunicar com as pessoas, sem preconceitos ou ideias preconcebidas”, conta. “Tinha paciência até com gente que achávamos chata. E que, na conversa com ele, se tornava interessante”, diz. Confirma que o poeta foi namorador. Gostava tanto de namorada que, dizia brincando, tinha várias ao mesmo tempo. “Sempre admirei a capacidade dele de amar e viver intensamente o amor. Ele não tinha casos, mas namorava, casava, montava casa”, recorda.

Qualidades humanas que, para a filha, se somam às artísticas. “Foi escritor, compositor, performer. Quebrou fronteiras e categorias de erudito e popular”, observa. Exemplo disso pode ser o próprio projeto 'Arca de Noé', que ganhou nova edição, com interpretações de outros artistas em produção coordenada por Susana de Moraes, Adriana Calcanhotto, Leonardo Netto e Dé Palmeira. “É criação que me emociona. São textos diretos, divertidos, sem tatibitate”, afirma.

Foi para Susana e o irmão Pedro que Vinicius escreveu o livro 'Arca de Noé', que depois ganharia música, primeiro para um disco italiano, nos anos 1950, depois, nos anos 1980, no Brasil. Ele se tornaria uma das obras mais conhecidas do escritor. O poema – e canção – favorito de Susana de Moraes, no 'Arca de Noé' é 'A casa'.

Entra hoje no ar a nova versão do site oficial de Vinicius de Moraes (www.viniciusdemoraes.com.br). Coordenado pelas filhas do poeta, Maria e Susana de Moraes, reúne fotos inéditas, discografia e bibliografia completa. E o melhor: as obras completas do escritor estão disponibilizadas para leitura.

Na telinha


O Canal Brasil, da TV paga, promove neste sábado uma maratona de filmes dedicados a Vinicius de Moraes. Serão exibidos os longas Orfeu negro (1959), às 19h; Orfeu (1999), às 18h30; Para viver um grande amor (1984), às 22h; e o documentário Vinicius (2005), à 0h15.

Canções e histórias


A Editora Leya está lançando mais um volume da série 'História de canções' dedicado ao compositor. Wagner Homem e Bruno de La Rosa contam os casos por trás de clássicos das parcerias com Tom, Baden, Lyra e Toquinho.

MAIS SOBRE PENSAR