Apesar da politização crescente do consumo, permanece alienação

por Maurício André Ribeiro 21/09/2013 09:00
Alexandre Guzanche/EM/D.A Press
A 'shoppingterapia' com sua compulsão ao consumo não salva ninguém da infelicidade e do vazio (foto: Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
A consciência sobre a importância do meio ambiente aumentou nos últimos anos no Brasil e em todo o mundo. De questão periférica, passou a ser central, associada à sobrevivência e à segurança. A partir de 2007, milhões de pessoas tomaram conhecimento das questões climáticas, quando foi divulgado o 4º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.

Nos últimos anos, houve um crescimento vertiginoso na consciência sobre as questões ecológicas em diversos públicos e segmentos sociais e nas práticas ambientais de indivíduos e organizações. A conscientização ecológica é um requisito para superar a atual crise ambiental e climática, pois dela podem decorrer mudanças de comportamento e atitudes sociais e individuais. Hoje, mais pessoas praticam a separação de resíduos domiciliares; muitos se preocupam com a devastação da Amazônia; há disposição para aderir a campanhas pró-ambiente; diminuiu o número de pessoas que não sabem identificar os problemas ambientais; as agressões aos sentidos da visão, do olfato, da audição, ajudaram a ampliar a percepção sobre os problemas ambientais urbanos; cresceu o consumo de alimentos orgânicos, agora encontrados em supermercados; cresceu a percepção de que os problemas ambientais prejudicam a saúde individual e pública e que o consumismo prejudica a saúde ambiental; entraram no repertório e no vocabulário conceitos como “desenvolvimento sustentável”, “consumo sustentável” e “biodiversidade”, ainda que não haja uma definição clara sobre o que sejam.

Entretanto, muitas cidades não dispõem de projetos ou sistemas de gestão de resíduos, de tratamento de esgotos, de mobilidade pública, de normas arquitetônicas que reduzam desperdícios de água e energia; ao descartar o lixo, persistem hábitos prejudiciais ao meio ambiente; não se conhece o ciclo de vida do produto em toda a sua extensão; a ignorância não é apontada como um problema ambiental sério.

Atualmente, existe uma politização crescente do consumo e, por outro lado, há a alienação do consumidor, que desconhece total ou parcialmente os impactos ambientais do consumo de bens materiais. Ainda há um longo caminho a ser percorrido que fortaleça a consciência e a traduza em mudanças de atitudes.

As definições de consumo responsável, consciente, sustentável têm diferentes significados. Numa perspectiva econômica, o consumidor responsável é aquele que paga suas contas em dia, o consumidor sustentável é aquele que não se endivida e cuja renda é combatível com seus gastos. Numa perspectiva ecológica, o consumidor responsável é aquele que age de modo a reduzir seus impactos negativos e sua pegada ecológica.

A questão do consumo consciente traz desafios conceituais, bem como desafios práticos e operacionais. Um desafio conceitual é a própria definição do que é ser consciente. Abordagens superficiais associam a consciência a um nível elementar de informação sobre um tema ou assunto e outras, mais profundas, se debruçam sobre os condicionamentos culturais e sociais que moldam a consciência individual ou coletiva; há também aquelas que abordam o inconsciente coletivo, bem como as dimensões da consciência que não são visíveis explicitamente, mas que influenciam as atitudes e comportamentos. Há uma multiplicidade de estudos sobre a consciência, desde aqueles com origem na neurociência, até os da psicologia e da filosofia. O que é ser consciente e o que é ser um consumidor consciente são questões que podem ser tratadas superficial ou profundamente. Abordagens superficiais frequentemente deixam escapar aspectos relevantes dessas questões.

Informação

Há desafios práticos: como traduzir o conhecimento e a informação sobre o consumo e seus impactos em atitudes vivenciadas? Como exercer a responsabilidade ética e ecológica nos hábitos de consumo? Desculpas e pretextos para não agir, autocomplacência, falta de rigor consigo mesmo, falta de coerência entre pensamento, discurso e ação acometem pessoas bem informadas. Aos inconscientes ou alienados nem sequer ocorrem tais questões, pois as considerações de responsabilidade ecológica e ética passam longe do radar de sua percepção, deliberadamente ou não. O tema do consumo consciente exige um esforço de autoconhecimento, um exercício honesto de autoavaliação e autocrítica individual e coletiva.

A irresponsabilidade no consumo é mais evidente nos segmentos mais ricos, com maior capacidade de gastos, para quem o desperdício e a compra de bens posicionais formam parte significativa de sua motivação de consumo. Valorizam produzir inveja, exibir status e poder econômico, sentir-se superiores por poderem consumir mais. Maior poder aquisitivo não necessariamente significa melhor opção em termos de saúde ou de proteção ambiental; pode significar uma pior opção quanto a esses aspectos. Exemplos: a opção por dietas alimentares que levam à obesidade e sobrepeso; a opção por carros grandes que consomem muito combustível, que por outro lado preenchem funções psicológicas de demonstração de status social ou de sentir-se mais seguro no ambiente violento do trânsito.

Um terceiro desafio, ainda, é a escolha da ação adequada que permita rumar para um consumo com menor impacto destrutivo – ambiental, ecológico, climático ou social.

A pior inconsciência e ignorância é não saber que se é inconsciente e ignorante. É relevante aferir em que medida as pessoas nem sequer são conscientes de sua própria inconsciência, deixam-se levar pelas normoses sociais e não reconhecem sua ecoalienação. A cultura molda, forma, regula a consciência. Filtros sociais e culturais, bem como circuitos de programação mental, podem aprisioná-la. A publicidade arma ciladas e armadilhas, manipula emoções e mentes, cria prisão mental. Condicionamentos culturais e religiosos, os hábitos arraigados, as influências da TV, dos formadores de opinião, líderes religiosos e políticos ou gurus podem atrofiar, escravizar, anestesiar, hipnotizar a consciência.

O consumidor é um ser com necessidades físicas e corporais e com demandas mentais e emocionais. Parte de seu consumo tem origem nesta dinâmica mental e emocional. Frustrações e carências afetivas levam à “shoppingterapia”, ao consumo compulsivo de bens e serviços que preencham tais carências. O consumo inconsciente se alimenta da insegurança emocional, de pensamentos de poder e sensação de segurança trazida pela posse de bens materiais.

Consumo consciente é liberdade para escolher o que consumir ou não consumir.

* Maurício Andrés Ribeiro é autor de Ecologizar e de Meio ambiente & evolução humana. Site: www.ecologizar.com.br.

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