Fábulas de La Fontaine ganham edição com tradução que respeita a linguagem e a forma poética da obra original

por João Paulo 13/07/2013 00:13
2013 Calder Foundation, New York / Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2013
(foto: 2013 Calder Foundation, New York / Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2013)
Jean de La Fontaine (1621-1695) ficou para a posteridade como um autor de fábulas para crianças, de alto valor moral e pedagógico. Não é toda a verdade. O francês, herdeiro e de certa forma participante de uma geração de libertinos, é sobretudo um poeta. E é na liberdade e na poesia que sua obra mais conhecida, Fábulas, merece ser lida ainda hoje. Por isso a edição que a Cosac Naify está lançando chama atenção. Com tradução em versos de Leonardo Fróes e ilustrações de Alexandre Calder, o livro seduz mais os adultos que as crianças.

O gênero fábula sempre foi considerado menor, já que, mesmo exercido por grandes autores clássicos, trata-se quase sempre de uma forma artificial de dizer o que se quer pela boca de animais. Dessa maneira, serve-se em larga medida da alegoria, tornando próprios dos bichos as virtudes e defeitos dos humanos. Com isso, as fábulas legadas pela tradição tinham como destinatário os pequenos e faziam parte de um arsenal mais pedagógico que literário. No século 17, La Fontaine muda essa história.

E por muitas razões. As de ordem estética estão ligadas à forma e à habilidade poética do autor, que foi considerado “o poeta nacional” dos franceses por Saint-Beuve. O virtuosismo lírico do autor estava ligado, principalmente, à capacidade de dar substância poética a um material aparentemente apequenado e de poucas possibilidades expressivas. Mas a principal força das Fábulas está mesmo relacionada com a força da filosofia intrínseca aos enredos que, menos moralistas do que parecem, exibem uma saudável e pragmática visão de mundo.

Para Otto Maria Carpeaux, o escritor francês, de moralista, no sentido pejorativo da palavra, não tinha nada: “Entendida como lição, a moral de La Fontaine seria a mesma de Gracián, pragmatista e utilitária. Eis por que o processo de La Fontaine só superficialmente se assemelha ao de outros fabulistas: em vez de humanizar os animais, animaliza os homens”. E, por isso mesmo, a recuperação da dicção original do autor, com a tradução em versos, permite um novo acesso às fábulas, que emergem maduras e adultas, como retrato por vezes cínico de seu tempo, mas de grande utilidade para compreensão dos juízos humanos de qualquer época.

La Fontaine trabalhava com uma tradição que vinha dos fabulistas gregos. Suas histórias se referiam a um passado imemorial (quando os bichos falavam) e a um passado histórico (as fábulas de Esopo) e, ao mesmo tempo, eram dirigidas aos homens de sua época. Chama ainda atenção o fato de o escritor ter escrito em versos, quando o assunto e o público destinatário pediam prosa mais direta. Além disso, trata-se de poesia sofisticada, o que sublinha o acerto em publicar a tradução ao lado do original francês. Mais que decifrar moralidades mecânicas, as fábulas convidam a uma experiência literária.

A edição da Cosac Naify tem ainda um importante acréscimo, com o posfácio do próprio La Fontaine, que faz reflexões sobre as fábulas, tanto para resgatar sua origem clássica como para destacar a importância de seus escritos como instrumento pedagógico. La Fontaine lembra que Platão, ao defender Esopo, aconselhava que as crianças sugassem as fábulas como leite e “recomenda às amas que as ensinem”. Para que não restassem dúvidas, La Fontaine também faz questão de dar às suas histórias uma vida além do uso instrumental e moralizante. “As propriedades dos animais e seus diferentes caracteres estão expressos aí; e por conseguinte também os nossos”, registra.

Não há forma mais eloquente de defender a modernidade das Fábulas de La Fontaine que acompanhar as ilustrações de Alexander Calder. O escultor americano, um dos mais importantes artistas do século 20, capta a ironia e a crueza dos traços dos personagens, expondo o lado primitivo em um autor que se tornou símbolo de uma era de muita afetação. As 48 ilustrações que integram o livro trazem ainda certo ar circense, que alude tanto aos animais quanto à forma como são tratados pelos humanos. A inteligência de Calder está em subverter a moral pela natureza, o acabamento pelo esboço, a cultura pela natureza. Um convite à leitura de “O rato e o elefante”, “A galinha dos ovos de ouro” e “O gato e o rato”.

FÁBULAS SELECIONADAS

. De La Fontaine, tradução de Leonardo Fróes
. Editora Cosac Naify, 160 páginas, R$ 39

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