Compromisso com o mundo

Livros sobre a obra filosófica do jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz e nova edição de estudo de João Batista Libânio sobre educação serão lançados hoje em Belo Horizonte

por 25/05/2013 00:13
Beto Novaes/EM/D.A Press
Beto Novaes/EM/D.A Press (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
João Paulo


Um diálogo com o nosso tempo. Um compromisso com o mundo. Saídas para a crise de valores e busca de superação do niilismo. Essas são algumas definições possíveis que unificam duas obras que serão lançadas hoje na Quixote Livraria, em Belo Horizonte. Fruto da reflexão filosófica que brota do pensamento católico, os livros Metafísica e ética – A filosofia da pessoa em Lima Vaz como resposta ao niilismo contemporâneo, de Cláudia Maria Rocha Oliveira, e a nova edição ampliada de A arte de formar-se, de João Batista Libânio, são trabalhos que expressam o melhor da tradição jesuíta no Brasil: profundidade de análise, rigor técnico e inserção na problemática posta pela modernidade e sua crise.

Metafísica e ética é resultado da tese de doutorado de Cláudia Maria Rocha de Oliveira, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, orientada por Paul Gilbert. A obra, que integra a coleção Estudos Vazianos, dedicada ao estudo da obra filosófica do jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), percorre o projeto filosófico do pensador mineiro, a partir do diálogo estabelecido com a modernidade. Henrique Vaz é autor de extensa e profunda obra, na qual analisa, entre outros temas, a questão da ética e da antropologia filosófica. E é a partir destes dois universos que ela propõe sua reflexão sobre os grandes dilemas da pessoa humana num contexto de inflação do sem sentido da existência.

De acordo com Cláudia Maria Rocha de Oliveira, padre Vaz tem como grandes questões que conduzem seu pensamento as perguntas sobre o sentido da existência e sobre a melhor forma de orientar-se para a ação, ou seja, a ética. Ao conjugar as duas demandas de pensamento e vida, o filósofo propõe a ligação íntima entre a ética e a metafísica. No entanto, frente ao avanço do chamado niilismo contemporâneo, que parece solapar as bases sobre as quais se constituiu a tradição filosófica, a pessoa humana perde a orientação prática para a vida.

É nesse contexto, do que se poderia chamar de era da pós-metafísica, que Lima Vaz propõe a retomada da ligação entre o bem e a metafísica: “A prática ética só pode ser justificada por uma ciência da prática que tenha como princípio e fundamento uma metafísica do Bem”. Para Cláudia de Oliveira, a obra de Lima Vaz, a partir de sua análise do ocaso da modernidade, vai avançar além dessa primeira identidade entre ética e metafísica para estabelecer uma relação necessária entre metafísica e ética.

Em outros termos, o niilismo contemporâneo, ao aprofundar ainda mais a crise de valores éticos, obriga o pensamento a ir às raízes de uma forma ainda mais radical de negação, o niilismo metafísico. Em sua tese, a autora propõe: “Ao pensar a própria realidade na qual estava inserido, ou ainda ao lançar luzes sobre o niilismo metafísico e o niilismo ético que surgem como enigma ao declinar da modernidade, Lima Vaz estabeleceu uma relação necessária não apenas entre ética e metafísica, mas também entre metafísica e ética”.

Metafísica e ética, embora parta de uma questão de extrema atualidade – a sensação de vazio do homem contemporâneo –, articula de maneira detida e erudita temas que fazem parte da reflexão de Lima Vaz acerca da pessoa humana, da ética e da metafísica, a partir da obra de pensadores como Platão, Tomás de Aquino e Hegel, além de temas teológicos referentes ao absoluto e a Deus como condição última de intelegibilidade da existência e norma do agir humano.

A conclusão de Cláudia de Oliveira, depois de refeito o percurso do filósofo mineiro e de suas principais referência filosóficas, é que não é possível separar a experiência do ser (ontológica) da experiência do agir (ética), já que somos constituídos por nossas ações. Uma conclusão que apela para a noção de totalidade e unicidade da existência. O que começa como um diagnóstico de crise se revela como uma senda para o sentido da vida.

Informação e conhecimento O livro A arte de formar-se, de João Batista Libânio, é uma espécie de manual de sobrevivência na selva da informação. Numa sociedade que se vangloria de ser chamada de “sociedade do conhecimento”, muito se perde pela aposta no acúmulo de informação, pela superficialidade do dado, pelo prazer de manipular centenas de fontes. Para Libânio, a tarefa é exatamente ensinar a pensar em meio a tanta informação. Mais que isso, substituir a técnica da formação pela arte de formar-se.

Escrito em linguagem direta, recheado de exemplos e citações bem escolhidas, o livro propõe um caminho rigoroso, mas também prazeroso, para quem busca o conhecimento. Organizado em pequenas seções, com temas para reflexão e diálogo, A arte de formar-se  é dividido em oito capítulos, cada um deles atento a um pilar que sustenta o edifício do conhecimento: aprender a conhecer e a pensar; aprender a fazer; aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros; aprender a ser; aprender a discernir a vontade de Deus; aprender a amar; aprender a ser lúcido: exercício de pensar; e aprender a cuidar da Terra. Os três últimos capítulos são inéditos e ampliam a sexta edição da obra.

O estilo do autor, sempre marcado pela preocupação didática e pela clareza dos conceitos, faz de cada capítulo uma lição introdutória ao tema, a partir de saberes que vêm da filosofia, da arte e das ciências. Assim, ao tratar do aprendizado do amor, no capítulo seis, Libânio analisa historicamente as várias dimensões do amor (eros, philia e ágape), com exemplos do mito, da religião, da arte e da filosofia. O mesmo cuidado em ampliar as fontes e esclarecer a linguagem é percebido nos outros capítulos do livro, o que permite que seja utilizado como instrumento de autoformação.

Amparado em muitos pensadores laicos, como Paulo Freire e Edgar Morin, e ainda na tradição da filosofia católica, de Inácio à Teologia da Libertação, João Batista Libânio propõe um programa de formação pessoal que é ao mesmo tempo ligado ao saber e à ação. Trata-se não apenas de ampliar as possibilidade de conhecimento, mas também de compromisso ético com mundo e com os problemas de nosso tempo. Para quem – e são muitos – sente vontade de estudar para fazer frente à superficialidade do que é vendido hoje como saber, A arte de formar-se pode ser um instrumento valioso para o início da jornada.



Metafísica e ética –  A filosofia da pessoa em Lima Vaz como resposta ao niilismo contemporâneo
De Cláudia Maria Rocha Oliveira
Editora Loyola, 296 páginas

A arte de formar-se
De João Batista Libânio
Editora Loyola, 296 páginas

Lançamento hoje, às 11h, na Quixote Livraria, Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi

MAIS SOBRE PENSAR