Angela Lago lança livro com traduções de poemas escritos em francês pelo poeta alemão Rainer Maria Rilke

por Walter Sebastião 20/04/2013 00:13
Acervo Angela Lago
Angela Lago faz da tradução de seus poetas uma busca de equilíbrio e musicalidade (foto: Acervo Angela Lago)
Poesia para incentivar o gosto pelo conhecimento de línguas estrangeiras e até do português antigo. É essa a proposta de coleção 'Livros iluminados' (Editora Scipione), volumes bilíngues, que vem sendo desenvolvida pela escritora e ilustradora mineira Angela Lago. O volume mais recente é 'Esboços e fragmentos', coletânea de textos escritos em francês pelo alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Já foram publicados 'Um livro de horas', com poemas da norte-americana Emily Dickinson (1830-1886) e 'O monge e o passarinho', conto de Manoel Bernardes (1644-1710). “É seleção de poemas que, acredito, o jovem vai ler com prazer”, observa a autora, afagando público a quem dedicou a vida inteira.

Movendo a sedução por tradução de poesia está mais um elemento: “O desejo de música”, avisa Angela Lago. Os textos de Rilke, exemplifica, são de autor que, já idoso, depois de só escrever em alemão, se deliciava com o francês. “Ouvir os texto de Emily Dickinson em inglês – e hoje, com o YouTube, isso é fácil – é ouvir música”, garante. “Adentrei em terreno maravilhoso, de pura para beleza”, afirma. “Tradução é um pouco brincadeira. É sempre um quebra-cabeça. Você passa horas procurando forma de traduzir o pensamento e manter a melodia”, explica Angela Lago. O gosto pela tradução, recorda, veio da adolescência, também como remédio contra dislexia e problemas para aprender línguas.

A tradução de Rilke foi acompanhada por amigos. “Colocava a primeira versão no Facebook e todo mundo dava palpite. Fiquei atordoada em observar como um poema pode ter várias entradas. Tantas que tive de deixar os textos por algum tempo na gaveta para mais tarde voltar a eles com a minha maneira, aproveitando as sugestões recebidas”, conta. “Rilke e Emily Dickinson me trouxeram desejo de devoção à beleza, em substituição a devoção a Deus, que nunca tive”, observa. Ao lado de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa, são autores que tiveram influência na formação literária da escritora. “São autores dos quais a gente precisa, cada um para um dia ou situação”, garante.

“Os textos de Emily Dickinson, para mim, sempre foram orações. Em vez de rezar, leio os poemas e tenho, na hora, o consolo da beleza”, continua Angela. Por este motivo, as ilustrações do volume aludem a iluminuras de livro de horas, manual medieval que relaciona orações, dias e horários. Rilke, “o escritor que me fez buscar professor de francês”, ganhou imagens abstratas, construídas a partir de fotos de muros. Poesia não é estranha à obra de Angela Lago. Começou a vida literária publicando poemas no 'Suplemento Literário de Minas Gerais'. Aos poucos, os textos, influenciados também pela poesia concreta, foram ganhando formas e se tornando “desenhos com palavras”.

Barroco

'O monge e o passarinho', de Manoel Bernardes, como explica Angela Lago, é narrativa “escrita em linguagem tão preciosa” que remete à poesia. “Fiz ilustrações enquadrando os textos, com poucas linhas, de forma bem clara, para que os jovens leitores possam saborear cada palavra. É introdução ao português do barroco”, avisa. A escritora tem feito ainda traduções avulsas de William Blake (leia tradução inédita abaixo), Edna. St. Vincent Millan e Elizabeth Bishop. Da última, conta, traduz um poema cada dois anos. Não libera o texto, porque acha que ainda não está bom. E provoca: “O texto de Elizabeth Bishop chama-se The art e começa assim: ‘Não é difícil aprender a arte de perder’”.

The fly
De William Blake (1757-1827)


Mosquito,
teu faniquito de verão
foi varrido sem conflito
por minha mão.
Não sou por certo
um mosquitito assim?
E tu, inseto,
igualito a mim?
Pois danço, canto
e bebo— enquanto
a tal mão cega
não me pega.
O pensamento
é respiração.
Se me ausento,
extinção.
Então sou eu,
Mosca de sorte,
no apogeu
ou na morte.

Tradução de Angela Lago


Três perguntas para...

Angela Lago
escritora, tradutora e ilustradora

O que é poesia para você?
Que pergunta, hem? Poesia… difícil de definir, de ler, de escrever, de tudo. Há sempre uma multiplicidade de sentidos que você tem de descobrir e tentar preservar se for traduzir… Para mim é uma experiência de aproximação da beleza tão vigorosa que substitui a experiência mística. Entrar em estado de poesia faz parte da vida humana, que seria pobre sem ela.

A que você atribui o fato de todas as pessoas, em algum momento, escreverem poemas?
O desejo de beleza, de tocar o indizível, o além de si mesmo. Imagino que se no cérebro tiver um lugar especial para a poesia, ele deve coincidir ou ser vizinho com o parte reservada para o mito.

O que é tradução para você?
Cada idioma é um mundo cercado. Tem sua própria estrutura e palavras intraduzíveis, pois a sonoridade de uma palavra também lhe confere sentido. Então é preciso abrir frestas com seu idioma, para ultrapassar esse lugar murado. Você tem que criar trilhas para uma aproximação que nunca acontecerá inteiramente.

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