Eric Clapton e Madeleine Peyroux lançam álbuns em que fazem reverência à música country

O guitarrista vem de projeto jazzístico com Wynton Marsalis e a cantora se inspira em Ray Charles

por Álvaro Fraga 30/03/2013 11:57
LUCAS JACKSON/REUTERS
O guitarrista inglês Eric Clapton homenageia o ritmo tradicional americano, mas com toques de reggae e blues (foto: LUCAS JACKSON/REUTERS)
O intervalo de apenas 10 dias entre o lançamento de um disco e outro não é a única semelhança entre os novos álbuns do guitarrista inglês Eric Clapton (Old sock) e da cantora norte-americana Madeleine Peyroux (The blue room). Há uma proximidade muito grande de propostas artísticas, visão musical e até mesmo escolha de repertório. Não por acaso, a canção country 'Born to lose', gravada, entre outros, por Ray Charles, Johnny Cash e Dean Martin, está presente nos dois discos.

'Old sock
' dá continuidade ao resgate da história dos principais ritmos da música norte-americana a que Eric Clapton se propõe há algum tempo. A incursão anterior nessa seara foi em 2011, quando o “Deus” da guitarra se uniu ao trompetista Wynton Marsalis para gravar 'Wynton Marsalis & Eric Clapto'n play the blues, reunindo clássicos do blues desde os meados da década de 1920.

Desta vez, Clapton não se prende ao blues, vai do reggae ao jazz e, a exemplo de Madeleine Peyroux, revela sua paixão pelo country. Das 12 faixas de Old sock, duas são genuinamente country e outras ganharam citações que remetem a este estilo. Sinal de que o ritmo do velho Sul dos EUA, com letras tristes e melancólicas, tem lugar especial entre as predileções do guitarrista inglês.

RAFA RIVAS/AFP
A cantora Madeleine Peyriux mostra orgulho em atuar como crooner de clássicos do cancioneiro americano (foto: RAFA RIVAS/AFP)


A faixa de abertura, 'Further on down the road', já gravada anteriormente por Eric Clapton, ganha uma pegada reggae, mas, mesmo no clima jamaicano, uma gaita traz as pitadas de country que permeiam o CD. O cantor e guitarrista de blues Taj Mahal é o convidado de Clapton. Angel, que vem a seguir, tem como destaque a guitarra de outro mosqueteiro que acompanha Clapton há anos: JJ Cale.

A terceira faixa, 'The folks who live on the hill', é fruto da garimpagem sonora de Clapton. A canção, de 1937, foi composta por Jerome Kern e Oscar Hammerstein II e gravada, entre outros, por Peggy Lee, Bing Crosby e Frank Sinatra. É romântica, com a suavidade e a delicadeza destacadas pelo arranjo, com direito a guitarra havaiana e violão country.

Na sequência, Gotta get over, uma inédita de Clapton, conta com a presença da cantora de funk e soul music Chaka Khan, que dá a carga exata de eletricidade e energia ao arranjo. A vitalidade se repete em Till your well runs dry, de Peter Tosh, a mais dançante do disco. Reggae puro na veia. 'All of me', um dos maiores standards da história do jazz, peça obrigatória do repertório de Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Sara Vaughn, Louis Armstrong e Frank Sinatra, tem como convidado de luxo nos vocais nada menos que Paul McCartney. E, mesmo em uma canção já gravada à exaustão, Clapton e Paul oferecem uma versão aconchegante e original.

Ouvir o músico inglês interpretando Born to lose, que nos anos 1940 e 1950 chegou a ser chamada de “a canção do vaqueiro”, pode dar aos desavisados a impressão de que ele, na verdade, nasceu nas pradarias do Oeste dos EUA e não fez outra coisa na vida além de cantar e tocar música country. O arranjo é totalmente fiel ao gênero, com direito a guitarras, violões e violinos chorosos.

Essa sensação fica ainda mais forte em Good night, Irene, canção de Leadbelly, um dos ícones do blues rural dos EUA, figura mítica graças à sensibilidade musical, ao talento e à vida desregrada, com longas passagens por presídios por causa de mortes e tentativas de homicídios. Clapton optou por um arranjo simples, mais uma vez realçado pelos violinos e guitarras country.

As demais faixas, Your one and only man, sucesso de Otis Redding, Still Got the blues, de Gary Moore, Every little thing, outra inédita de Clapton, e o clássico Our love is here to stay, composta em 1938 pelos irmãos Ira e George Gershwin, mantêm o vigor do 20º álbum de estúdio do artista inglês.

Paixão escancarada

Se em Old sock Eric Clapton incursionou pelo universo country, mas abriu espaço para outros gêneros, The blue room, de Madeleine Peyroux, é uma declaração de amor da cantora ao ritmo que fez parte dos primeiros anos de sua vida, quando ela morava no estado da Geórgia, no Sul dos EUA.

O disco é o oitavo da carreira de Madeleine, que abriu mão dos trabalhos autorais dos dois álbuns anteriores, Bares bones (2009) e Standing on the rooftop (2011), e retomou a trilha de inspirada crooner de clássicos. A inspiração para The blue room veio do álbum duplo Modern sounds in country and western music, gravado por Ray Charles em 1962.

Das 11 faixas de The blue room, cinco são do repertório do disco de 1962. E nas seis restantes a referência ao ritmo extremamente popular no interior dos EUA é constante. Isso fica claro já na canção que abre o disco, Take these chains, gravada por Hank Williams, o grande nome da música country dos EUA, morto precocemente aos 30 anos, em 1953.

Na sequência, Bye, bye love, um dos maiores sucessos de Ray Charles, ganha versão mais comedida e, ao mesmo tempo, plena de minúcias. Como poucos nomes da música contemporânea, Madeleine consegue achar espaço nos arranjos para um sem-número de instrumentos, o que traz uma surpresa a cada nota.

A exemplo de Clapton, Peyroux é exímia garimpeira de preciosidades musicais, como prova em Changing all those changes, composta por Sonny Curtis em 1958 e gravada, entre outros, por Buddy Holly e The Crickets. A leitura é fiel à proposta de privilegiar a country music, mas sem a costumeira melancolia. O resultado é um arranjo alegre e acolhedor.

Em compensação, nas três canções que se seguem, a dor e a tristeza são cantadas em toda a sua essência, a começar por Born to lose, cuja letra fala de vida desperdiçada e amores perdidos. Madeleine optou por um arranjo mais clássico e moderno, no qual piano e instrumentos de sopro se incumbem da carga emocional de tristeza.

Guilty, que ganhou fama nas vozes de Randy Newman e Bonnie Raitt, tem introdução orquestral imponente para, na sequência, Peyroux desfiar a letra que narra problemas com bebidas, drogas e, logicamente, um amor perdido. Mais country, impossível. E, para fechar a tríade de canções melancólicas, Bird on the wire, de Leonard Cohen, um bardo da desesperança, também fala de excessos etílicos, sofrimentos e solidão. O arranjo é de longe o mais belo do álbum.

Um pouco de alegria vem com I can’t stop loving you, colhida do disco de Ray Charles. O solo de órgão é mais que uma referência a Ray. É uma homenagem, pois esse era um dos instrumentos favoritos do músico. Violinos reforçam a ambientação rural da canção.

Gentle on my mind, gravada por gente do quilate de Elvis Presley, Frank Sinatra e Glen Campbell, é a canção que mais destoa do perfil do álbum, com uma leitura mais clean e com poucas citações ao estilo, por assim dizer, caipira. De volta à obra de Ray Charles, Madeleine Peyroux recorre a cordas e orquestra na releitura de You don’t know me. Um solo de sax é o ponto alto da introspecção a que se propõe a versão.

Outro mergulho no lado mais escuro da alma humana vem de Desperados under the eaves, composição de Warren Zevon, líder dos Everly Brothers por muitos anos e um consumidor confesso de doses nada homeopáticas de bebidas e entorpecentes. I love you so much it hurts, outra canção que ganhou fama na interpretação de Ray Charles, fecha o álbum.

Eric Clapton


Completando 68 anos hoje (nasceu em Surrey, Inglaterra, em 30 de março de 1945), o guitarrista, vocalista e compositor Eric Clapton é um dos maiores ícones da contracultura da década de 1960, ao lado dos Beatles, Stones, Bob Dylan, Janis Joplin e Jimi Hendrix. Suas primeiras incursões na música datam de 1963. Nestes 50 anos de carreira integrou grupos como o John Mayall’s Blues Breakers, Yardbirds, Cream, Blind Faith e Derek and the Dominos.

Apaixonado pelo blues, foi um dos responsáveis pela influência direta desse gênero no rock produzido na Inglaterra na década de 1960. Músico exímio, reverenciado como o “Deus” branco da guitarra, traçou uma carreira solo marcada pela reinvenção constante, o que faz dele um artista atual, cada vez mais contemporâneo. Nem mesmo o mergulho nas drogas, durante longa fase da vida, foi capaz de ofuscar o talento de Clapton. Entre seus maiores sucessos estão Layla, I shot the sheriff, Before you accuse me, Cocaine e Crossroads.

Madeleine Peyroux

De artista de rua em Paris a uma das cantoras mais cultuadas dos anos 2000. A trajetória da norte-americana Madeleine Peyroux é bastante peculiar, o que contribuiu para a criação da aura cult que a cerca. Avessa a modismos, a intérprete e compositora construiu a carreira sustentada por uma voz que beira a perfeição, algumas pitadas de mistério e um repertório sofisticado, que vai de compositores contemporâneos a clássicos do jazz, blues, rock, country e folk.

Como poucos, Madeleine navega de Robert Johnson a Leonard Cohen sem perder a elegância, a criatividade e a originalidade. Na falta de uma melhor definição, a crítica a rotulou como cantora de jazz, mas ela transcende essa limitação. Tem oito álbuns gravados, em seis dos quais interpreta canções como Smile, de Charles Chaplin, You're gonna make me lonesome when you go, de Bob Dylan, e La vie en rose.

Country music

Um dos gêneros musicais mais populares dos Estados Unidos, especialmente no Sul do país, a country music surgiu da fusão dos ritmos trazidos por imigrantes europeus que se espalharam pelo Oeste nos séculos 18 e 19 com influências da música gospel e da vertente mais rural do blues. Passou a ser mais largamente difundida na década de 1920, com o advento dos primeiros discos e gramofones. Entre os grandes ídolos do estilo, podem

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