Em seu último livro, 'Elefante', Bartolomeu Campos de Queirós mergulha no mundo dos sonhos em busca do sentido do amor

Para autor, crianças e adultos partilham o mistério de viver e amar

por João Paulo 16/03/2013 00:13
Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 15/1/99
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 15/1/99)
Os originais de 'Elefante' foram enviados por Bartolomeu Campos de Queirós à Editora Cosac Naify poucos dias antes da morte do escritor, em 16 de janeiro do ano passado. Por isso o livro parece carregar o peso de obra ao mesmo tempo definitiva e póstuma, uma espécie de testamento em vida. O que Bartolomeu sempre teve de seu, para dispor como uma dádiva, foi a capacidade de encantar e fazer pensar por meio das palavras. Neste sentido, 'Elefante' é parte desse projeto. Mas, como tudo que Bartô criou, a obra não se resume às definições convencionais: o pequeno livro é uma joia brilhante de sentido, que mescla sonho e realidade para ir, de certa forma, além das circunstâncias da vida e da morte.

O último livro publicado em vida por Bartolomeu Campos de Queirós foi o curto romance 'Vermelho amargo'. De feitura distinta de sua obra, pelo peso da maturidade e melancolia, o livro transmutava o projeto autobiográfico do autor, já ensaiado em outros textos, num trabalho denso, poético, cerrado em metáforas que parecem se dissolver para afirmar a realidade das coisas mesmas. 'Vermelho amargo' criou ainda, para um autor considerado equivocadamente como especialista em livros infantojuvenis, uma tensão com o restante da obra, abrindo um flanco novo de plena realização literária. Com 'Elefante', ainda que sem o peso memorialístico tão explícito, esse propósito ganha nova angulação.

A princípio, trata-se de livro destinado ao público jovem, pela singeleza do texto, pelo uso das ilustrações como discurso complementar às palavras, pela exigência de fantasia do leitor para acompanhar uma história composta de momentos maravilhosos. As ilustrações de Bruno Novelli (que assina como 9LI) captam o clima da história e criam uma fluidez que interage como sentido corrente, aquoso e volátil da narrativa, com uso de elementos surreais e modernos, marcados pela manipulação de imagens – como se fossem momentos estáticos de um processo de animação –, pela seleção contida de cores e uso de perspectivas mais lineares.

O narrador conta um sonho. Mais que isso, procura trazer o leitor para o processo onírico que gera o enredo, com se o tomasse pela mão no mergulho de uma história que ele mesmo parece não entender muito bem. É essa atmosfera de estranhamento que vê surgir, da palma da mão do narrador, um pequeno elefante, que chega sem pedir permissão. E adentra com alta carga poética: “Chegou pequenininho como se fosse o filho da insignificância. Seu andar perdido, pisando dúvidas, parecia transportar o passado em suas costas. Não se desfez da carga do passado. Ele sabia que o futuro é só matéria de fantasia”.

A narrativa prossegue como um diálogo entre o sonhador e a criatura, com indicações sobre sua origem, seu propósito, sua genealogia (“Sou filho do sonho e neto do sonho”). A lógica do sonho passa a dominar o enredo, com momentos em que o próprio sonhador, como acontece com todos nós, desconfia que está sonhando e não quer perder o domínio de uma situação que pode revelar coisas importantes. “Prendi a respiração para não sufocar tamanha delicadeza”, alerta o narrador. Há sonhos dentro do sonho. O elefantinho é, dessa forma, signo de força e delicadeza, que pode se dispersar e deixar a história sem seu fim. Ao brotar da palma da mão, o pequeno animal parece deixar claro que tem o poder de alterar as linhas do destino desenhadas no corpo e lidas pelos ciganos e outros adivinhos.

Travessia O que se segue, na convivência do sonhador e seu personagem, é um caminho de iniciação em torno de descobertas essenciais, sendo a mais definitiva delas o amor. Há, como em toda aventura, périplos, perigos e símbolos. Travessia de mares e luas, caminhos exigentes e mistérios. Há ainda o medo de crescer e o risco de se perder. Mas Elefante é uma história de buscas, ainda que deixe entrever, entre outras sombras da jornada, que “o amor tem seus mudos sofrimentos”. O narrador, já cansado, persegue não seu sonho, mas o de seu pequeno elefante.

Bartolomeu Campos de Queirós já se encaminhava para outros sonhos quando compôs seu derradeiro poema em prosa. Chega um momento em que não somos mais senhores do destino, mas aprendemos com o tempo a nos entregar a seus mistérios e não desejar nada em troca. E assim Bartô encerra seu derradeiro livro, como quem se despede e convida: “Há dias que não quero deixar a cama. A vontade é de puxar os lençóis, mergulhar na espuma branca dos panos e adentrar em mais oceanos”.

Segredo da simplicidade

Bartolomeu Campos de Queirós nasceu em 1944, em Pará de Minas, e passou a infância em Papagaios. Com formação em educação e artes, sempre buscou unir os dois universos, separados artificialmente em nosso tempo. Participou de vários projetos nacionais de incentivo à leitura, sendo um dos grandes defensores da valorização da literatura no processo educativo. Estudou pedagogia em Paris, onde escreveu seu primeiro livro, 'O peixe e o pássaro', publicado em 1971. Foi presidente da Fundação Clóvis Salgado e integrou o Conselho Estadual de Cultura. Recebeu os mais importantes prêmios literários brasileiros e comendas internacionais da França e Cuba.

Publicou 43 livros, com traduções para o inglês, espanhol e dinamarquês. Sua obra é tema de dissertações de mestrado e teses de doutorado em várias universidades brasileiras. Integrou a Academia Mineira de Letras e morava em Belo Horizonte, no apartamento que foi da poetisa Henriqueta Lisboa. Sobre Bartô, escreveu Henriqueta: “Não é ele somente um educador que sabe distinguir, através de estudos filosóficos, pesquisas estéticas e experiência pessoal no seu campo de atividade, o valor da arte no processo educativo. Ele é também um poeta – aquele que mergulha nas águas profundas da preexistência e da inocência, o que aporta à ilha onde todas as cousas se tornam maravilhosamente possíveis; o que acabou descobrindo o segredo da simplicidade”.

Entre seus livros se destacam 'Ciganos', 'Indez', 'Ler, escrever e fazer contas de cabeça', 'Por parte de pai' e 'O olho de vidro do meu avô'. Bartolomeu Campos de Queirós morreu em 16 de janeiro de 2012.

ELEFANTE
• De Bartolomeu Campos de Queirós
• Cosac Naify, 32 páginas, R$ 35

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