Chico Neves não se dobra à crise e aposta no futuro com o Estúdio 304 Selo

Produtor amplia o alcance de seu 'QG' criativo, instalado junto à natureza em Macacos, e cria projetos com Júlia Branco, Diego Bagagal, Kamikaze e Vovô Bebê

Estado de Minas 22/08/2021 08:00
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Chico Neves no Estúdio 304 Selo, em Macacos, em Nova Lima, "quartel-general" da música e laboratório de novas ideias (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Com a chegada da pandemia, o que se viu na cena cultural, de modo geral, foi o movimento de retração. O produtor musical Chico Neves, conhecido por trabalhos com Los Hermanos, Lenine, O Rappa e Paralamas do Sucesso, entre muitos outros, resolveu expandir, na contramão da crise.

Depois de longa temporada no Rio de Janeiro, o mineiro voltou à terra natal em 2013. Há cerca de cinco anos ele mantém o Estúdio 304 na região de Macacos, em Nova Lima. Ali, gravou trabalhos de artistas de Minas e de outros estados. Durante o avanço da COVID-19, Chico Neves ampliou o raio de ação do estúdio, que agora funciona também como selo, cuidando diretamente dos lançamentos e se desdobrando em várias ações. "É uma porta nova, que está abrindo milhões de possibilidades para o futuro", diz.

Desde que assumiu a nova feição - e o novo nome, Estúdio 304 Selo -, o quartel-general de Chico Neves, plantado em meio à natureza, já chancelou álbuns de Herbert Vianna (HV sessions - Volume 1), Rafael Martini (Vórtice), Tamara Franklin (Fugio), Lucas Santtana (a edição de 20 anos de Eletro Ben Dodô) e Quito Ribeiro (Uma coisa só).

Neste momento, está às voltas com trabalhos do carioca Vovô Bebê, o segundo álbum solo de Júlia Branco, que começa a ser gravado no final de setembro, e o disco de estreia de Diego Bagagal - nome conhecido da cena teatral mineira, que encenou espetáculos baseados nas personagens Salomé e Cleópatra, atuou como curador do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (FIT-BH) e, desde 2017, mora em Portugal.

Chico pretende lançar o material de arquivo da lendária Kamikaze. Pioneira da cena heavy metal de Belo Horizonte e muito conhecida nesse círculo pela música Machado de guerra a banda, com mais de 30 anos de história, voltou aos palcos em 2016.

"A gente tem parceria com a Alta Fonte, que faz a distribuição digital de todos os artistas do selo. Isso foi estruturado, durante a pandemia, com amigos que se agregaram pelo desejo de fazer coisas em comum. O que nos move é a vontade de produzir juntos, essa coisa do selo abriu muitas portas. O que está motivando a gente é a possibilidade de agregar o estúdio às minhas produções. E não só a elas, pois estamos abertos a artistas com trabalhos com os quais nos identificamos”, destaca Chico, citando as pessoas que compõem a equipe: Rafael Degelo, Lívia Avelar, Inês Rabelo, Patrícia Bastos, Júlia Branco e sua mulher, Márcia Bonomi, CEO do Estúdio 304 Selo, além de Tião da Cruz (da produtora audiovisual Caçamba Digital).

SHOWS

Lançamentos vindouros se vinculam ao projeto que Chico começou a desenvolver antes da pandemia, retomado agora com mais abrangência. Trata-se do Estúdio 304 convida, que promovia uma série de shows intimistas com artistas com os quais o produtor vinha trabalhando, como Sara Não Tem Nome e Júlia Branco, de quem gravou o álbum solo de estreia.

"Estávamos com vários projetos, teríamos também o show do Vovô Bebê, que acabou cancelado por causa da chegada da pandemia. O Estúdio 304 convida está voltando, em parceria com o Espaço 104, na Praça da Estação. Agora temos um estúdio compacto lá dentro do 104, onde vamos fazer eventos, inicialmente sem público, e em parceria também com a Caçamba Digital, responsável pelos registros audiovisuais", informa Neves.

As ações do Convida serão lançadas pelo selo, que as disponibilizará em seu canal no YouTube. "Estou muito motivado, porque esse projeto permite à gente fazer muita coisa legal de cultura. Não necessariamente só de música, mas algo mais amplo", explica.

A história de Chico Neves com o Estúdio 304 começa em 1998, com a gravação do álbum Lado B lado A, da banda O Rappa. Em 1977, ele saiu de Belo Horizonte, aos 17 anos, para posteriormente desenvolver trabalhos nas gravadoras EMI, com André Midani, Odeon e Warner; com Liminha, no estúdio Nas Nuvens; e no Estúdio 302, que fundado por ele com o compositor Ronaldo Bastos em um apartamento (de número 302) no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

Depois de um tempo trabalhando com Bastos, o mineiro alugou o apartamento 304, no mesmo prédio e no mesmo andar, e lá instalou o Estúdio 304, que funcionou naquele endereço até 2013.

"Criei o 304 para poder existir. Não me identificava mais com aquela coisa de mercado, de indústria, não queria fazer concessões. Então, criei esse espaço para poder existir com meus sonhos, minhas utopias. Meu orgulho é ter aberto algo em que não há nada me limitando, onde posso dividir sonhos com as pessoas que me convidam, onde tudo é permitido. Às vezes é difícil. Você paga um preço para poder existir dessa forma, livre de gravadoras e de pessoas de fora limitando seus desejos", diz.

TAXÍMETRO

A volta para Minas deu continuidade a essa história e veio reforçar a independência de Chico. "O fato de estar em Macacos, no meio da natureza, sem cobranças, possibilita que a gente troque, no sentido de transformar em realidade as inspirações. Não tem taxímetro rodando. Não é a coisa comercial, se fosse, eu estaria trabalhando com trilhas, com publicidade. Sou muito ligado à arte, àquele caldeirão que vai formando coisas e, de repente, quando você vê, a obra surgiu de uma forma inusitada, que não foi pensada", destaca. s parcerias com o Espaço 104 e a Caçamba Digital chegam para fortalecer os sonhos do produtor. O fato de dar ao estúdio a dimensão de selo permite a Neves tirar vários projetos do plano das ideias e colocá-los em prática.

"Quero que muita coisa aconteça. Não precisa ser só com artistas do selo, mas gente cujos trabalhos me interessam e quero ajudar a acontecer. Além disso, tenho muito material arquivado de trabalhos que fiz, como a trilha do filme Deus é brasileiro, do Cacá Diegues, com Naná Vasconcelos, Heraldo do Monte e vários músicos. Tem a trilha do Eu, tu, eles, que produzi com o (Gilberto) Gil no 304: há registros de muitas coisas que não entraram, coisas experimentais. Sonho em pegar todo o material do meu HD e ir lançando pelo selo. São tantas possibilidades... O futuro está em aberto", ressalta.

GIL

A partir da experiência com os pontos de cultura, criados durante a gestão de Gilberto Gil como ministro da Cultura, o produtor pretende compartilhar o conhecimento adquirido ao longo de muitos anos de ofício.

"Meu estúdio meio que serviu de exemplo para os pontos de cultura. O Hermano Vianna (antropólogo, irmão de Herbert Vianna), que contribuiu para a formatação do projeto, levou o Gil lá para mostrar que não precisa de uma coisa muito grande, com muita estrutura, para funcionar. Os pontos de cultura poderiam ser algo pequeno. Dei aulas num ponto de cultura em Vargem Grande, no Rio, ajudei a montar o estúdio, ia uma vez por semana para mostrar o básico do básico. Aquilo era uma coisa incrível para aquelas pessoas", conta o produtor. "Gostaria de dividir minhas experiências, promover cursos, workshops. Tenho muita vontade de fazer isso."

Chico Neves planeja passar conhecimento e criar multiplicadores, pessoas que levem ações culturais para as respectivas comunidades. "Com o estúdio sendo selo, uma coisa expandida, a gente abre a possibilidade de fazer essas coisas todas. São pequenos movimentos que a gente lança, tendo o canal do YouTube, o Instagram. É uma porta de entrada para todas as mídias sociais", conclui.

De Macacos para o mundo
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Vem aí o segundo disco solo da cantora Júlia Branco (foto: Samuel Mendes/Divulgação)
Hélio Braga/Divulgação
Sara Não tem Nome foi ao "Estúdio 304 convida" (foto: Hélio Braga/Divulgação)
Idea/Divulgação
Vovô Bebê: trabalho autoral em gestação (foto: Idea/Divulgação)
Neide Oliveira/Divulgação
"Fugio", álbum de Tamara Franklin, saiu do estúdio em Macacos (foto: Neide Oliveira/Divulgação)



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