Artistas da música abraçam a Twitch para ficar mais perto dos fãs

Plataforma dedicada aos games cresce na preferência de cantoras, cantores e bandas como substituta para os shows ao vivo durante a pandemia

Pedro Galvão 13/01/2021 04:00
Reprodução Twitch
A mineira Bruna Brandão, a DJ Jambruna, integra o coletivo de mulheres que criou na Twitch o projeto UH! Manas TV (foto: Reprodução Twitch)
Spotify, Deezer, TIDAL, iTunes... desde o surgimento do MP3, o público precisa se acostumar a uma coleção cada vez maior de termos que refletem a variedade de possibilidades para consumo de música na era digital. 

Depois da difusão do streaming e com a popularização de transmissões musicais ao vivo pela internet, especialmente durante a pandemia da COVID-19, foi a vez de a Twitch se tornar a opção favorita de muitos artistas para se conectar com o público em diferentes tipos de apresentação em tempo real.

Criada em 2011, a rede social ampliou seu alcance a partir de 2014, quando foi comprada pela Amazon por US$ 970 milhões. O foco sempre foi a transmissão de vídeos pessoais ao vivo, o que se tornou uma opção particularmente interessante para milhões de entusiastas dos videogames pelo mundo. 

A rede se tornou a principal plataforma de streaming para os gamers, atingindo a marca de 3,8 milhões de streamers (usuários que realizam transmissões) no começo de 2020. Hoje, o número passa dos 9 milhões, segundo dados da empresa norte-americana especializada em dados Satista. 

O crescimento de usuários ativos veio precisamente nos meses de pandemia, quando boa parte da população mundial se confinou em casa. Além dos jogos eletrônicos, a música ganhou espaço especial nesse período, com a adesão de DJs e até de grandes artistas, sobretudo no Brasil. Nesta semana, a cantora baiana Pitty estreou a temporada 2021 com novas atrações em seu canal na Twitch.
 
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Marcelo D2 produziu o álbum Assim tocam os meus tambores a partir de interações com os fãs na plataforma (foto: Reprodução Twitch)

PROGRAMAS

A roqueira oferecerá ao público sete “programas” musicais diferentes – alguns quinzenais, outros semanais –, e um que irá ao ar às segundas, quartas e sextas. A ideia é mesclar apresentações em que ela toca e canta com conteúdos mais interativos, nos quais atuará como VJ e DJ. 

A proposta começou ainda em 2020, durante a pandemia. Na época, Pitty explicou a decisão em entrevista ao Estado de Minas. “Sempre gostei de tecnologia e, com a pandemia, eu parada no auge da turnê de Matriz, pensei em como escoar a produção. Vi muitos amigos migrando para o Twitch por causa das ferramentas que ele oferece devido aos games. Desde abril ou maio estou lá e vi como você cria uma comunidade, sua própria audiência. É mais do que uma rede social para postar. Criei uma web TV com meu próprio leiaute. Hoje, tenho uma equipe para criar cada programa. Estou funcionando como um canal, só que na web, com foco em cultura”, disse, em agosto passado.

Na ocasião, Pitty tinha 35,6 mil seguidores. O número quase dobrou em cinco meses; hoje são 68 mil. Apesar do crescimento, ainda é um número bem menor do que no YouTube, onde conta com 664 mil inscritos em seu canal oficial, cuja proposta é mais voltada para divulgação de videoclipes

Na Twitch, qualquer um pode assistir aos conteúdos, gratuitamente. Porém, para ver transmissões realizadas anteriormente é preciso se inscrever e pagar uma taxa mensal de R$ 18,39. Os atrativos já conquistaram outros grandes nomes da música nacional, e a plataforma fez investimentos na área. Um deles foi criar o diretório específico para música. 

Além de Pitty, Criolo, Pabllo Vittar e Marcelo D2 foram alguns dos que abriram um canal na rede em 2020. D2 até lançou em setembro passado o álbum Assim tocam os meus tambores, todo feito a partir de suas transmissões interativas na Twitch. 

O disco tem participações do público e de outros artistas, como Russo Pasapusso, Baco Exu do Blues e Juçara Marçal.  “Você sabe como fazer um álbum via live streaming? Nem eu. Então vamos aprender juntos”, anunciava ele em vídeo divulgado ainda no princípio do processo. O produto final está disponível para ser ouvido nas outras plataformas digitais, mas essa documentação audiovisual do processo é restrita aos inscritos do canal de D2 na Twitch.

Para artistas de grande base de fãs e trajetória consagrada nas diferentes vertentes da música pop, a Twitch tem sido uma forma de mostrar bastidores dos trabalhos musicais e oferecer outros conteúdos ao público. 

Criolo, por exemplo, transmite saraus e conversas com outras personalidades. Pabllo Vittar, que ingressou apenas em dezembro, quando inaugurou seu canal  PVTV, ainda tem atuação discreta, mas já fez uma live jogando alguns dos games mais populares do momento

A banda Baiana System também está por lá, com o canal MAQUINADELOUCO, que exibe produção de músicas ao vivo, entrevistas com outros artistas e sessões de guitarra baiana. 

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Detentor do maior canal brasileiro do YouTube, Kondzilla criou o programa Kondcast na Twitch (foto: Reprodução Twitch)

KONDZILLA

Os esforços da Twitch de se posicionar com protagonismo no mercado musical trouxeram até mesmo o produtor Konrad Dantas, o Kondzilla, para a plataforma. Responsável pelos principais lançamentos do funk no país, ele é dono de um dos maiores canais do mundo no YouTube (62,7 milhões de inscritos, recorde no Brasil).

Na Twitch, onde se dedica a apresentar o Kondcast, um programa de entrevistas com músicos de seu nicho, os números ainda são bem modestos, com apenas 11,7 mil seguidores. 

A plataforma tem sido também uma alternativa para DJs e produtoras independentes, prejudicados pela interrupção dos eventos presenciais por causa da pandemia. Um exemplo é a DJ e produtora mineira Bruna Brandão, a DJ Jambruna. Responsável pelo Baile da Bôta, festa temática dedicada ao tecnobrega e à música paraense realizada em Belo Horizonte, ela levou sua atividade musical para a Twitch.

“Eu vinha acompanhando as lives desde o início da pandemia. Tiveram uma ascensão e uma queda. Não dá para dizer que temos uma nova ascensão, mas há uma nova percepção do que é a live. O Twitch se mostrou ideal por não ter cara de evento, ou seja, permite uma proposta parecida com TV ou rádio, com o chat, com a mudança rápida para outros canais relacionados, com possibilidade de muitas transmissões durante a semana”, diz Bruna. 

Ela integra uma rede nacional de DJs e trabalhadoras da música chamada UH! Manas, criada durante a pandemia com o intuito de fortalecer a cena feminina, usando a Twitch como plataforma inicial.  

“Levo um pouco do Baile da Bôta, mas cada uma tem seu tema, dentro de sua pesquisa musical própria. Quando a programação de uma termina, a Twitch dá a opção de jogar quem assiste para outro canal, criando uma rede e possibilitando a mais gente conhecer o seu trabalho em todo o país”, explica Bruna. 

Ela aponta uma vantagem da Twitch em relação às outras plataformas no que diz respeito aos direitos autorais. Pela política da empresa, as transmissões ao vivo não são derrubadas caso haja reprodução da música de outro artista, diferentemente do que ocorre no Facebook ou no YouTube, por exemplo. No caso da Twitch, as sanções e notificações valem apenas para os vídeos armazenados, que são deletados caso não estejam em conformidade com as regras vigentes.  

A produtora paulista Paula Chiaretti, uma das idealizadoras da UH! Manas TV, explica que o projeto surgiu, há seis meses, pela necessidade de mais espaço para as mulheres na música, sobretudo no cenário tão adverso da pandemia. Hoje, são pelo menos 60 integrantes ativas e um total de 130 envolvidas, entre DJs e produtoras, que colocaram no ar entre nove e 12 horas de conteúdo diário ao longo desse período. Segundo Chiaretti, a escolha pela Twitch se deu pelas melhores oportunidades de transmissão ao vivo por lá.

“Já era uma tendência, muita gente estava migrando para lá e entendo a Twitch como a plataforma do ‘ao vivo’ e que vem investindo forte em música. O YouTube fica mais para o registro; o Instagram até tentou, mas não encontrou um formato legal para as lives, não apenas por problemas com direitos autorais, mas pelo modelo de apresentação. Tudo isso nos empurrou para a Twitch”, comenta. 

Embora haja possibilidade de remuneração na Twitch, por meio de doações dos fãs ou de pagamentos feitos pela própria plataforma a partir de determinado número de visualizações, em modelos parecidos com o YouTube, além da venda de assinaturas, Paula Chiaretti avalia que a maior vantagem é a possibilidade de visibilidade e formação de público. 

“Dentro da comunidade é possível para cada uma dar continuidade às pesquisas, ganhar confiança para tocar, colocando em contato gente que tem projeto musical há mais de 20 anos com outras que estão iniciando. Tudo isso traz uma força muito grande para quem atua no mercado da música, muito além das possibilidades de monetização”, diz ela.

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