Obra-prima de Prince, álbum Sign O'the times é relançado

Coletânea traz 45 músicas inéditas, resgatadas dos arquivos do cantor, morto em 2016, e outros bônus, num total de oito horas de gravações

Pedro Galvão Frederico Gandra* 18/10/2020 04:00
France Presse
Um dos maiores astros da música, Prince morreu em 2016, aos 57 anos (foto: France Presse)

A bombástica notícia da morte do cantor Prince, aos 57 anos, em abril de 2016, chocou o mundo, enlutou fãs e admiradores do astro do pop oitentista, mas não representou um ponto final na extensa e celebrada obra do cantor.

A novidade da vez é o relançamento do badalado álbum Sign O' the times, com 45 músicas inéditas, resgatadas dos arquivos do artista, e outros bônus, num total de oito horas de gravações, disponíveis nas plataformas digitais desde o fim de setembro, e ainda em box com oito CDs e DVDs. O lançamento se junta a outros materiais, incluindo gravações póstumas anteriores e novos capítulos revelados de sua biografia, que inclusive estava sendo escrita por ele antes de morrer.

Apontado pela crítica como a obra-prima de Prince, por agregar suas múltiplas facetas sonoras, Sign O' the times segue o caminho de Purple rain, originalmente lançado em 1984, e 1999, que saiu em 1982. Os dois também ganharam "vida nova" nos últimos quatro anos, depois que o cantor se foi, vítima de uma overdose acidental de comprimidos.

Essa imortalidade de sua obra se deve a um rico arquivo chamado The Vault (o cofre), onde criações ainda inéditas da estrela são preservadas. O precioso repositório é fruto da estrutura residencial megalomaníaca em que Prince vivia em Minneapolis, nos EUA. Na propriedade, chamada Paisley Park, ela dispunha de estúdios e até um palco. O Super Deluxe inclusive inclui em seu DVD uma apresentação dele por lá.

Além disso, o modo de vida caótico ao qual se submetia resultava em atropelos nos processos produtivos e muito do que era feito por ele acabou sem nunca sair de seus domínios. Em setembro, a BBC publicou um artigo que esmiuçou o relançamento de Sign O' the times.

Segundo a publicação, assinada por Mark Savage, o disco original, que já era grande para os padrões da época, com dois LPs e 16 músicas, é fruto de "um processo de registro desorganizado, quase caótico", com um Prince "em chamas criativamente, às vezes completando duas ou três canções em um dia". Além disso, o cantor tinha ficado noivo e se separado de sua musa criativa, Susannah Melvoin, e ainda rompido com sua banda de apoio, The Revolution.

O texto aponta que a turbulência vivida por Prince resultou em "uma enorme demonstração de criatividade" no período de 1985 a 1987, quando muito do que era feito era "ou gravado, ou guardado ou jogado fora". Dessa forma, classifica Sign O' the times como "um monstro Frankenstein", e contextualiza o disco resgatando depoimentos de pessoas próximas, envolvidas no processo, inclusive do próprio Prince, que disse a uma rádio, em 1986: "Eu trabalho muito. Estou tentando fazer várias coisas rapidamente para que possa parar de trabalhar por um tempo. Todo mundo tem medo que eu vá morrer".

O músico ainda dizia que "ouvia coisas no sono". "Dou uma volta, vou ao banheiro e tento escovar os dentes e, de repente, a escova começa a vibrar. Isso é um groove, sabe? Você tem que ir com isso, e isso significa largar a escova de dentes e ir para o estúdio ou pegar um baixo, rápido! Minhas melhores coisas saíram assim", declarou em outra entrevista antiga citada.

Em 1985, ele declarou na MTV que "uma coisa que gostaria de dizer é que não moro em uma prisão. Não construí nenhum muro à minha volta e sou como qualquer outra pessoa. Eu preciso de amor e água. Eu realmente não me considero um superstar. Eu moro em uma cidade pequena e sempre irei morar. Eu posso andar por aí e ser eu".

O precioso cofre de Prince foi levado de Minneapolis para Los Angeles, onde rende belos frutos para a Warner Records, responsável pelo lançamento do Sign O' the times Super Deluxe. As novidades reveladas ao público incluem faixas que estariam no disco cancelado Dream factory, outra música chamada Love and sex (outra com esse mesmo título foi lançada anteriormente) e o registro ao vivo de um show na Holanda. Capaz de lançar mais novidades depois de sua morte do que muitos artistas ainda em vida no mesmo período, fica a pergunta sobre qual o limite dessa inquietante criatividade.
Robyn Beck/AFP
Com o símbolo de Prince no cenário, Usher fez performance em homenagem ao cantor e compositor, no Grammy deste ano, em janeiro (foto: Robyn Beck/AFP)


BIOGRAFIA 

O livro The beautiful ones (288 páginas, editora Spiegel & Grau), publicado há um ano e ainda sem tradução para o português, ajuda a explicar. Escrito por Dan Piepenbring, ele também pode ser enquadrado no pacote de lançamentos póstumos de Prince, já que o artista é coautor da biografia. Piepenbring, hoje com 34 anos, foi escolhido por Prince para organizar suas memórias e concluir aquilo que o astro havia começado a escrever, poucos meses antes da repentina morte. "Acho que, pela primeira vez, ele estava ciente do seu legado, ciente que tinha poder de influenciar a narrativa ao seu redor. E talvez estivesse mais consciente de sua mortalidade", disse o biógrafo e jornalista à BBC, na ocasião do lançamento.

O trabalho iniciado por Piepenbring com Prince ainda em vida teve continuidade e foi concluído em contato com familiares do artista, que colaboraram compartilhando lembranças e outras informações. O material expõe algumas curiosidades, que se somam à lista de polêmicas e excentricidades já conhecidas. É revelado, por exemplo, que Prince torcia o nariz para grandes nomes do pop atual, como Ed Sheeran e Katy Perry, segundo ele "empurrados goela abaixo" pela indústria musical. Por outro lado, era grande fã de Kung Fu Panda, a ponto de organizar sessões em sua megamansão com amigos para assistir ao desenho.

Particularidades mais íntimas também aparecem, como o primeiro beijo, que o próprio músico revelou ter acontecido brincando de casinha com uma amiga chamada Laura, ainda na infância. "Ela se parecia com a Elizabeth Taylor, só que pequena. Laura me beijou três vezes nesse dia, esses beijos… foram tudo para mim”, escreveu.

Se Prince ainda tem muitos outros arquivos secretos, musicais ou não, para serem lançados nos próximos anos, o conteúdo presente em The beautiful ones certamente foi o último a ocupar sua mente criativa. Piepenbring relata que falou pela última vez com o biografado quatro dias antes da morte dele, em abril de 2016. Na oportunidade, Prince compartilhou a intenção de encerrar turnês e se dedicar integralmente ao projeto, que acabou sendo o mais próximo de sua autobiografia e também uma espécie de obituário de sua (ainda inacabada) carreira.

MOMENTOS INESQUECÍVEIS
Flickr
(foto: Flickr )


CONTRATO MILIONÁRIO

Em 1992, assina contrato de seis dígitos (estimados US$ 100 milhões) com a Warner, superando o recorde de Madonna, mas possibilitando grande controle da gravadora sobre as músicas. Seu disco de estreia, For you (1978), no qual toca todos os instrumentos, atingiu o Top 200 da Billboard americana, revelando um prodígio na música. Nos anos seguintes, lança uma sequência de álbuns, sem alcançar grandes sucessos. A partir de 1982, com 1999, e especialmente dois anos depois, com Purple rain, entra para o hall dos grandes artistas da gravadora.

MUDANÇA DE NOME

Em 1993, inicia um embate sobre os direitos de suas músicas com a Warner, o que causou a mudança do seu nome artístico para um símbolo impronunciável. “Prince foi o nome que minha mãe me deu quando nasci. A Warner pegou o nome, transformou-o em marca e usou-o como a principal ferramenta de marketing para promover as músicas que compus”, afirmou, à época. Sua equipe enviou para todas as redações um disquete com a fonte que permitia a adoção do novo nome. Como era impronunciável, ele passou a ser denominado "O artista antes conhecido como Prince”, ou simplesmente “O artista”. Ele voltaria a aderir a Prince somente em 2000.

TATUAGEM DE PROTESTO

Em 1995, leva o embate com a Warner a um novo round, passando a tatuar a palavra Slave (escravo) no rosto, como forma de protesto. "As pessoas pensam que sou totalmente louco por escrever 'escravo' no meu rosto, mas se eu não consigo fazer o que quero, o que eu sou? Quando você impede um homem de sonhar, ele se torna um escravo", disse à Rolling Stone. Prince apareceu em diversas premiações, programas de TV e shows com a palavra estampada no rosto, e o episódio rendeu a suspensão do contrato com a gravadora. Em 1996, lança Emancipation, pela NPG e EMI, em referência clara ao fim do relacionamento com a Warner.

COLEÇÃO DE PRÊMIOS

Ao longo da carreira, foi 38 vezes indicado ao Grammy. Venceu sete gramofones, sendo três deles em 1985, logo após o lançamento de sua obra mais conhecida: Purple rain. Apesar dos triunfos, a derrota de Purple rain como o “Álbum do ano” para Lionel Richie, com Can't slow down, é considerada uma das maiores injustiças do Grammy pela Rolling Stone. Com o hit ele venceu também o Oscar e o Globo de Ouro de música original.

RIVALIDADE COM MICHAEL

Além dos embates com a indústria fonográfica, cultivou longa rivalidade com Michael Jackson. Após o lançamento do filme Purple rain (1984), que Prince caracterizava como “semi-biográfico”, o Rei do Pop deslegitimou o sucesso do longa, afirmando: “Ele (Prince) parece mau, e não gosto do jeito que ele trata as mulheres. Ele me lembra alguns de meus parentes. E não apenas isso: o cara não consegue atuar, ele não é bom”. Os dois passaram a trocar farpas via imprensa a partir daí. Mas em entrevista a Chris Rock, em 1997, Prince explicou por que negou o convite de Michael para participar do clipe de Bad e declarou sobre a rivalidade: “Ao contrário do que muita gente pensa, nunca existiu alguém que fosse meu adversário”.

(Frederico Gandra, estagiário sob a supervisão  da editora Silvana Arantes)

MAIS SOBRE MUSICA