A era disco está de volta nestes tempos de pandemia

A brasileira Iza, as britânicas Dua Lipa e Jessie Ware e a americana Miley Cyrus lançam trabalhos marcados pela nostalgia, com estética setentista e voltados para as pistas de dança

Guilherme Augusto 25/08/2020 07:40
Daniel Primo/divulgação
Bruno Martini e Iza no clipe do single Bend the knee, que adotou a estética vintage (foto: Daniel Primo/divulgação)

Quando lançou o álbum Confessions on the dancefloor, em 2005, Madonna resgatou a disco music dos anos 1970 e a transformou num eletrodance aclamado por público e crítica. Lançado após o engajado American life (2003), o trabalho apresentava uma nova faceta da cantora e propunha sonoridade dançante que há muito não aparecia na música pop.

Quinze anos depois, é possível dizer que esse movimento se repete, ainda que de forma pulverizada. Depois da safra de cantoras que bebem na fonte do hip-hop e do R&B – vide Ariana Grande, Billie Eilish e Lizzo –, o pop de 2020 parece recuperar o fôlego para, de novo, cair na pista de dança.

O mais recente exemplar dessa tendência é o single Bend the knee, gravado pela cantora Iza em parceria com o rapper Timbaland para o disco do DJ e produtor musical paulistano Bruno Martini. Disponibilizada nas principais plataformas de streaming na sexta-feira (21), a música constrói-se em torno do groove das linhas de baixo e de sons eletrônicos polidos.

“Fiquei muito feliz quando o Bruno me mostrou a música e me convidou para fazer parte disso”, comemora Iza. “Ele já tinha gravado com o Timbaland, nos Estados Unidos, e disse que queria minha voz na canção. Bruno é um artista incrível. Além disso, tem o Timbaland, que admiro demais e foi uma grande referência musical para mim.”

Essa é a terceira parceria da cantora carioca com artistas dos Estados Unidos. Em novembro do ano passado, ela lançou o single Evapora, parceria com o grupo de música eletrônica Major Lazer e a cantora Ciara. Em maio, Iza gravou com o rapper Maejor a música Let me be the one.

Apesar disso, ela diz não considerar essas parcerias como investimento no mercado internacional. “Penso mais no movimento em conjunto. Uma carreira lá fora precisa de muito mais coisas, um agente, um representante, toda a estrutura que tenho aqui no Brasil preciso ter lá fora também. Vejo mais como uma oportunidade de fazer música com artistas incríveis, que admiro muito. São possibilidades que a música me dá e gosto de agarrar”, diz.

No mesmo dia em que o áudio chegou às plataformas digitais, Bend the knee ganhou videoclipe gravado em estúdio, no Rio de Janeiro, “com toda a segurança possível”, segundo a cantora. “Fizemos testes antes de iniciar a gravação e o Timbaland gravou a parte dele nos Estados Unidos, em casa.”

LUA

No clipe, Bruno Martini interpreta o primeiro homem enviado à Lua. Quando chega lá, depara-se com uma deusa, representada por Iza, que o expulsa do território já conquistado. Enquanto isso, Timbaland é o âncora de TV que noticia o acontecimento.

Já anunciado pela música, o clima vintage é reiterado pelas cenas do vídeo, que mostram Iza imersa na estética setentista marcada por roupas e penteados extravagantes. O programa fictício que Timbaland apresenta, inclusive, se chama Disco news.

Isolada em casa, no Rio de Janeiro, Iza conta que tem aproveitado os dias em casa para compor, gravar, desenhar e assistir a séries na TV. Seu disco de estreia, Dona de mim, saiu em 2018, mas ela desconversa sobre um novo álbum de estúdio. E promete novos singles até o final do ano.

“Em dezembro do ano passado, já tinha decidido que tiraria uns meses de férias para me dedicar à família e à novas músicas. Então, tudo isso acabou coincidindo com a pandemia”, explica.

Valerie Macon/AFP
Dua Lipa aposta em guitarras funkeadas e anuncia Club future nostalgia para sexta-feira (foto: Valerie Macon/AFP)

NOVA YORK

Popularizada em meados da década de 1970, a disco music bebe em estilos como o funk e a soul music. Suas raízes remontam os clubes de Nova York e sua evolução marcou a carreira de Donna Summer, Bee Gees, ABBA e Chic.

Quem comanda o resgate desse movimento em pleno 2020 é a britânica Dua Lipa, com o disco Future nostalgia, lançado em março. Ao longo de 11 faixas, ela volta ao passado trazendo à tona elementos bastante óbvios da disco music como versos pegajosos e a guitarra funkeada.

No início de 2019, Dua já anunciava que a sonoridade de seu novo álbum seria “nostálgica”. Apesar da descrição um tanto quanto vaga, o que ela quis dizer ficou muito claro no single Don't start now – popularizado no Brasil durante o BBB-20 pela cantora Manu Gavassi –, ainda no final do ano passado.

Longe de soar anacrônico, o trabalho incorpora elementos do pop atual e do synth-pop. Similaridades podem ser encontradas em trabalhos de Kylie Minogue, Madonna, Gwen Stefani e Blondie. Mas é inegável a indireta homenagem que o trabalho presta a Nile Rodgers, Arif Mardin (1932-2006) e Giorgio Moroder, pais da disco music.

O hype é tanto que o trabalho vai ganhar, na sexta-feira (28), a coletânea de remixes Club future nostalgia, com 18 faixas. Comprovando a influência, a nova versão do disco traz parcerias com Madonna (em Levitanting) e Gwen Stefani (em Hallucinate), além da rapper Missy Elliott e do grupo de k-pop Blackpink.

PASSADO

Na mesma linha do trabalho de Dua Lipa está What's your pleasure (2020), da britânica Jessie Ware. Declaradamente inspirado nas décadas de 1970 e 1980, o disco estabelece um precioso diálogo com o passado. Canções marcadas por arranjos nostálgicos, porém tratados de forma autoral, as distanciam de uma previsível reciclagem.

O trabalho também incorpora momentos de experimentação, como na faixa título. Nela, sons estridentes surgem em sintetizadores suaves influenciados pela sonoridade oitentista. Já Soul control conversa com a estética vaporwave, bastante comum no início dos anos 2010 em algumas comunidades da internet.

Jessie é, nesse sentido, a artista que mais se dedicou a atualizar o estilo, diferentemente da australiana Kylie Minogue no single Say something, que anuncia a chegada do álbum Disco – mais literal, impossível –, marcada para 6 de novembro.

Inquestionavelmente cativante, a música vai pelo caminho óbvio de associar sintetizadores a bateria eletrônica, guitarra funkeada e ao coro. Mas vindo de uma artista veterana, cuja base de fãs já está consolidada, é provável que todo o trabalho siga esse caminho.

Instagram/reprodução
Miley Cyrus, de cabelo mullet, mandou o single Midnight sky para as plataformas digitais (foto: Instagram/reprodução)

MULLET

Por sua vez, Miley Cyrus até assumiu um mullet para marcar a chegada de Midnight sky, single de seu próximo álbum de estúdio, She is Miley Cyrus, cujo lançamento foi adiado por causa da pandemia e da cirurgia nas cordas vocais que a cantora se submeteu.

A canção remete aos anos 1970 e à era disco, o que também está presente no clipe – dirigido pela própria Miley e cheio de referências à estética glamurosa da época.

A faixa parece ecoar o que a artista fez em Nothing breaks like a heart, presente no álbum Late night feelings (2019), do produtor britânico Mark Ronson. No entanto, esteticamente vai contra o que ela apresentou no EP She is coming (2019), uma das três partes de seu novo trabalho, ainda sem data de estreia.

Com a chegada do segundo semestre, a flexibilização do isolamento e a antiga normalidade se restabelecendo, artistas ainda podem mudar as regras do jogo do pop de 2020. Mas, até aqui, a teoria de que a era disco está de volta parece confirmada.

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