Iconili faz de tudo para não se render ao coronavírus

Integrantes da banda instrumental mineira se desdobram para enfrentar o cancelamento dos shows

Fernanda Gomes* 01/06/2020 07:29
Flávio Charchar/divulgação
Iconili, a 'minibig band de afrobeat psicodélico à mineira', coletivo de jovens instrumentistas criado em BH, tem de se reinventar nestes dias de pandemia (foto: Flávio Charchar/divulgação)
 
Reestruturar a presença da banda no universo on-line, investir no relacionamento com os fãs nas plataformas digitais e estreitar o contato com outros músicos de Belo Horizonte. Essas são as metas do Iconili neste período de isolamento social. O trabalho vem dando resultado: em menos de dois meses, os ouvintes mensais do grupo no Spotify saltaram de 10 mil para 26 mil. Porém, o cancelamento da agenda de shows impõe enorme desafio aos integrantes do Iconili, nome de destaque da cena instrumental do país.

O guitarrista Gustavo Cunha tem se desdobrado para enfrentar as dificuldades trazidas pela pandemia. “Já trabalhava em casa, então essa questão tem rolado. Mas o cenário social, político e econômico me 'desaba' um pouco”, diz Gustavo, que divide a “barra” com a mulher, Flávia Ro- drigues. “Se estivesse sozinho, já tinha destrambelhado de vez”, admite ele, que aproveita o confinamento para cuidar da casa, ouvir música e produzir cachimbos artesanais em parceria com Flávia.

Impossibilitado de fazer shows, o músico transformou os cachimbos artesanais em fonte de renda. “Nosso cachimbo chega na casa das pessoas e leva uma energia boa. O dinheiro chega aqui e nos ajuda”, diz Gustavo. Os produtos são disponibilizados no perfil de Flávia no Instagram (@flaviadsrodrigues).

“Ouvir um som, tomar uma cerveja, ler as notícias, ficar desesperado e trabalhar”, brinca Gustavo, ao comentar a nova rotina imposta pelo coronavírus. Ele também se dedica a um novo hobby: colecionar e montar pedais fuzz, conhecidos por gerar a sonoridade que faz a diferença no rock e no metal.

Diariamente, Gustavo reserva um tempo para buscar preciosidades em sites de vendas on-line. “Comecei a comprar rádios e gravadores de rolo antigos. Tô descobrindo a eletrônica como um hobby. Todos os dias fico nos sites pechinchando e comparando”, revela.

SERENATA


O baterista Fernando Feijão Monteiro, outro integrante do Iconili, aproveita o período de confinamento para se dedicar a projetos pessoais, como a Serenata on-line. Ele grava canções por encomenda em parceria com o grupo de samba Juventude Bronzeada, que ajudou a fundar.

“É um dos desdobramentos da quarentena. Somos músicos e boa parte de nossa renda vem das performances. De repente, estamos impedidos de trabalhar”, lamenta o baterista.

A  seresta virtual começou por causa de um amigo de Fernando, que queria homenagear a mulher com uma canção pelos dois anos de casamento. “Vimos ali uma nova porta e começamos a divulgar”, conta o bate- rista. As canções podem ser encomendadas por meio do perfil do grupo no Instagram (@juventudebronzeada).

“Tenho o privilégio de morar com a minha companheira em uma casa onde bate sol. Então, fisicamente falando, estou muito bem, tenho estrutura muito boa para ficar em casa. Mas é desafiador conseguir me manter sem a minha principal fonte de renda”, pondera. Fernando enfrenta a quarentena ao lado da mulher, Marcela Pieri.

“É difícil seguir uma rotina, mas tento estabelecê-la nas pequenas coisas: acordar, tomar café, fazer atividade física e praticar no estúdio. A quarentena me colocou nesse processo de gravar em casa”, ressalta.

O baterista ingressou no grupo em 2018. “Desde 2010, quando comecei a tocar profissionalmente em BH,  já admirava o Iconili. É muito legal fazer parte desse projeto. Passei de fã para integrante”, diz, comemorando o sucesso da banda no Spotify. Na opinião dele, isso se deve ao fato de o repertório ser instrumental, sem a barreira da língua.

A banda mineira vem conquistando fãs no Brasil e no exterior. De acordo com o Spotify, a maior parte dos ouvintes está em São Paulo, Londres, Belo Horizonte, Paris e Santiago do Chile – nesta ordem. Os 26 mil seguidores na plataforma trouxeram alegria nestes tempos difíceis, afirma Gustavo Cunha.

Alemanha “Até arrepio! A gente realmente não imaginava que alcançaria tanto. Outro dia, recebemos o vídeo de um cara na Alemanha dançando a nossa música. Realmente, música não tem fronteiras nem limite de tempo”, comemora o guitarrista.

Gustavo, André Orandi e Rafael Mandacaru criaram o Iconili em 2007. No início, a ideia era formar um trio experimental para “fazer um som” no apartamento de Gustavo. “Aos poucos, a gente foi vendo que faltavam metais e bateria. Aí, fomos procurar no 'sembandas.com'”, brinca Gustavo. Atualmente, o grupo reúne Chaya Vazquez, Josi Lopes, Rafa Nunes e Willian Rosa, além de Orandi, Gustavo, Feijão e Mandacaru. Geralmente, a trupe sempre recebe reforços de convidados, como ocorreu em um show realizado com Paulo Santos (ex-Uakti) e outros músicos, recentemente.

“O Iconili tem uma música única, ela não é padronizada”, diz Fernando Feijão. A sonoridade do grupo mineiro mescla rock instrumental e psicodélico, ritmos afro-brasileiros e jazz. Para o baterista, a melhor definição do trabalho do grupo veio da produtora cultural Gigi Favacho: minibig band de afrobeat psicodélico à mineira.

“É um jeito bem-humorado de dizer que o Iconili mistura muitas referências. Também é uma brincadeira, pois são poucas pessoas, mas parece que tem um batalhão no palco”, explica Gigi.
Por ora, os ensaios presenciais estão suspensos por causa da pandemia. Mas o trabalho a distância continua. O projeto Quintais Elétricos convidou DJs de BH para remixar faixas do álbum Quintais, lançado pelo Iconili em 2019. “Fizemos o primeiro remix e foi superlegal. Quando estávamos fazendo o segundo, veio o coronavírus”, lamenta Gustavo Cunha.

O remix de estreia, assinado pelo DJ Opala, foi lançado em janeiro, durante uma festa cheia de gente. Os próximos chegarão ao público em julho, no formato on-line.

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

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