Grupos de choro ganham espaço nos bares de BH

Em 2019, o momento é de maior democratização e renovação do estilo. Um dos novos expoentes é o Choro do Jura

por Pedro Galvão 03/06/2019 08:00

 

Natália Gomes/Divulgação
No Choro do Jura, sempre nas noites de quarta-feira, uma das novidades é a presença de mais um instrumento, o contrabaixo acústico (foto: Natália Gomes/Divulgação)

Dona do título de “a capital dos bares”, Belo Horizonte não oferece apenas boas bebidas e deliciosos petiscos em seus muitos botequins. A vida boêmia na capital tem também ritmos instigantes, e a melodia da vez é o choro. Embalado pela renovação de artistas e de público, o estilo vem conquistando novos espaços, com agenda de segunda a segunda, apresentando novas composições e resgatando a tradição da música genuinamente brasileira, que teve suas origens justamente na boemia.

A história do chorinho, como é mais popularmente identificada a vertente do samba instrumental tocada com violão, bandolim, pandeiro e flauta, vem de longa data em BH. Há mais de uma década, o Clube do Choro se reúne no Bar Vila Rica, no Padre Eustáquio. O Bar do Salomão, na Serra, também abre espaço para as rodas às segundas e quintas há pelo menos 10 anos, ficando tão concorrido nesses dias quanto nos jogos do Atlético, cuja torcida tradicionalmente se reúne por ali.

Dessa história fazem parte artistas de maior notoriedade, como o compositor Belini Andrade (1920-2017) e o grupo Flor de Abacate, uma referência em BH desde o fim dos anos 1980. Mas, em 2019, o momento é de maior democratização e renovação. Um dos novos expoentes é o Choro do Jura. O violonista André Milagres, de 30 anos, conta que o projeto começou “quase por acaso”. Desde 2011, ele integra o Assanhado Quarteto, também dedicado ao estilo, mas em formato mais experimental. Em 2018, às vésperas de uma turnê na Austrália, ele e o contrabaixista Rodrigo Magalhães se juntaram a Marcelo Pereira (flauta/sax), Rafael Zavagli (cavaquinho) e Sandra Leão (pandeiro) no bar Juramento 202 – Cervejaria Viela, em práticas mais informais, para arrecadar alguns fundos para a viagem e assim nasceu o grupo. “O pessoal gostou e resolvemos manter a roda, que é um pouco diferente por ter nascido com contrabaixo acústico, que não é tão comum. Fizemos para experimentar e aí foi ficando e foi crescendo”, conta Milagres, que toca o violão de sete cordas.

Nas apresentações, sempre às quartas, eles incluem composições próprias, músicas de outros artistas de BH e clássicos, como Pixinguinha e Jacob do Bandolim. André destaca a boa circulação dos músicos por diferentes rodas. “BH tem muitos bares e esse é o ambiente do choro. Ainda que ele possa aparecer no teatro ou em outros lugares, a essência é ali, nesse momento de compartilhar a música. Costumo brincar que é igual à cerveja de garrafa, que é dividida entre várias pessoas à mesa”, avalia Milagres, que entende a música nos bares como um subterfúgio à escassez de recursos públicos para a realização de eventos em outros locais. “É uma forma de resistência”, diz ele.

FESTIVAL A proliferação de artistas interessados no gênero fez surgir o festival Circuito do Choro, realizado no fim de abril, justamente com objetivo de celebrar a variedade de opções semanais em BH. “O festival nasceu exatamente dessa percepção. Começamos a observar e contamos quase 30 rodas de choro por semana na cidade. Tem dia que são até quatro. Começamos com uma ideia de divulgação unificada no Instagram e acabamos celebrando isso na Semana Nacional do Choro”, explica André, ressaltando ainda o bom interesse do público durante todo o ano.

Alexandre Rezende/Divulgação
O quarteto Choro Nosso é atração às quintas no Bar O muringueiro, no Bairro da Graça: participação de artista premiada (foto: Alexandre Rezende/Divulgação)


"Estamos cada dia mais fortes"

A força do choro na capital mineira não é atestada apenas pelo bom movimento nos bares. Na última edição do prêmio BDMG Instrumental, realizada em maio, o estilo teve destaque e uma das vencedoras foi a flautista Marcela Nunes, de 33 anos. Sua consagração na premiação dedicada à música autoral mostra que a nova geração conta com bom protagonismo feminino.

Graduada e mestra em música pela UFMG, Marcela começou a ter contato profissional com o choro ainda na faculdade. “É inevitável tocar flauta e não tocar um pouco de choro no Brasil. Logo que iniciei as aulas, comecei em algumas rodas”, relembra a musicista, que no mestrado se dedicou aos estudos da obra do compositor mineiro Belini Andrade. Além do trabalho próprio e autoral, ela participa de dois grupos. Um deles é o Choro Nosso, que se apresenta sempre às quintas-feiras no bar O Muringueiro, no Bairro da Graça. A formação conta ainda com Renato Muringa (bandolim e cavaquinho), Sílvio Carlos (violão de 7 cordas) e Daniel Guedes (pandeiro).

Mais recentemente, ela fundou o Choro por elas, formado por mulheres, ao lado de mais três artistas: Luísa Mitre (piano), Natália Mitre (pandeiro) e Nath Rodrigues (violino). “Nasceu como um encontro. Já tocamos juntas em outras coisas, mas nos reunimos para tocar choro justamente em um dia 8 de março e deu supercerto. Esse é um espaço que aos poucos estamos aumentando. Quando comecei a tocar, há 10 anos, eram pouquíssimas mulheres no choro, mas estamos cada dia mais fortes. Uma vê a outra tocando e se inspira”, observa Marcela.

A flautista entende como natural o momento de renovação também do público, com interesse de pessoas mais jovens pelo estilo tradicional. “Por ser da forma como ele é tocado, naturalmente ele atrai o público jovem. É um gênero musical muito vivo, aceita novas coisas, novas experimentações, e os músicos jovens buscam muito isso. Claro que tocamos os clássicos, mas há espaço para muita inovação, por isso cada vez mais gente tem escutado choro em BH”, avalia Marcela Nunes, que vê a roda de choro como um momento oportuno para se reunir em “pequenos postos de arte e se fortalecer”.


Rodas de choro semanais

» Choro do Jura: quarta-feira, 19h, na Cervejaria Viela – Juramento 202, Rua Juramento, 202, Pompeia
» Choro Amoroso: quarta-feira, 22h30, n’A Casa de Cultura – Rua Padre Marinho, 30, Santa Efigênia
» Choro Nosso: quinta-feira, 19h, n’ O Muringueiro – Rua Juacema, 416, Bairro da Graça
» Roda de Choro: quinta-feira, 19h, na Cervejaria Medeiros – Rua Tabaiares, 26, Floresta
» Roda do Padreco: sexta, 19h, no Botequim Vila Rica – Rua Vila Rica, 637, Padre Eustáquio

*Para acompanhar a programação das rodas de choro em Belo Horizonte, acesse www.instagram.com/ circuitodochorobh/. Alguns bares, como o Muringueiro e o Juramento, contam com programação fixa em um dia da semana, outros abrem espaços esporádicos para alguns grupos.

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