Belga e autor do hit BH é o Texas, MC Papo se divide na torcida

Nascido na Bélgica e criado entre o país europeu e BH, cantor também se divide entre o funk, rap e reggaeton

por Pedro Galvão 05/07/2018 22:03

BETO NOVAES/EM/D.A.PRESS
(foto: BETO NOVAES/EM/D.A.PRESS)

Celebrada por muitos comentaristas esportivos, a atual geração de futebolistas belgas tem como uma de suas principais características a multietnia. Entre os jogadores que enfrentarão o Brasil nesta sexta-feira (6), em Kazan, pelas quartas de final da Copa do Mundo, estão filhos de congoleses, espanhóis e marroquinos, mas todos nascidos na Bélgica. Se jogasse futebol, Alexandre Materna, de 28 anos, poderia ser mais um deles, mas foi nas rimas que esse filho de pai belga e mãe mineira encontrou o seu espaço.

Quem escuta MC Papo descrevendo aspectos tão particulares da Região Metropolitana de BH, chamada por ele de “Texas” em um de seus raps mais famosos, nem imagina que a nacionalidade em seu passaporte é a mesma dos nossos adversários de hoje na Rússia. Papo, apelido que ganhou na infância, nasceu em Bruxelas, mas retornou ao Brasil dois anos depois, e cresceu na Zona Norte de Belo Horizonte, no Bairro Copacabana.

Aos 11, o MC voltou à capital belga, onde viveu até os 15. O período em que morou em um bairro de imigrantes do Congo e de outras partes da África foi decisivo para sua elástica formação musical. “Quando fui para lá, eu ouvia mais o nosso funk daqui e entrei em contato especialmente com o rap em francês, que era o som oficial dessa galera. Isso teve muita influência no meu jeito de fazer as músicas e escrever as letras”, diz Papo.

Embora tenha se criado no funk e mergulhado no rap, a música que o projetou veio de outro estilo que ele também absorveu em seu país de nascimento. “Quando voltei da Bélgica, na adolescência, foi para valer. Fui gravar, cantei em muito baile funk, até ter a ideia louca de gravar um reggaeton. Pensei que dava para escrever igual eu fazia as letras dos raps e com uma batida do funk. Aí saiu Piriguete quando eu tinha 16 anos. Como não tinha smartphone nem 3G, demorava mais para as coisas acontecerem. Mas bombou no Pará, depois em Goiás, virou hit e foi parar até na Globo”, lembra o cantor, que conheceu o ritmo por meio do clipe de Reggaeton latino, do porto-riquenho Don Omar.

“Lá em Bruxelas, no bairro em que eu vivia, tinha essa coisa de cada um querer representar sua cultura. Esse vídeo mostrava danças típicas, o Pelé fazendo gol, os boxeadores cubanos, os heróis de cada país latino, as bandeiras. Eu me vi representado e quis experimentar fazer isso, que entendi como o funk do Caribe”, explica.

PIONEIRO Papo reivindica ter o pioneirismo no Brasil do ritmo, hoje já gravado por Anitta e difundido pelas vozes de artistas latinos como Enrique Iglesias e Carlos Vives. “Para mim, foi triste isso, porque comecei aos 13 anos. Piriguete foi o primeiro reggaeton que gravei. Ela bombou. Achei que o ritmo ia estourar, mas demorou outros 13 anos para a coisa acontecer. Então continuei fazendo funk, rap e outros estilos, até porque não consigo fazer uma coisa só. Do mesmo jeito que sou daqui (Brasil) e de lá (Bélgica), não consigo ser só do rap, do reggaeton ou do funk. Tenho dupla nacionalidade e triplo ritmo”, define o artista, dizendo que é cobrado pelos fãs de cada estilo por novidades em cada um deles.

Não é para menos. Depois de Piriguete, o “belgo-mineiro” emplacou outros sucessos entre esses públicos específicos. Um deles foi o rap Texas, de 2013. No refrão, ele diz “BH é o Texas/ Neves e Betim: Texas/ Santa Luzia? Texas! / Contagem é o motherfucking Texas”. Nos versos, ele descreve peculiaridades da cultura das periferias e também outros pontos comuns aos mineiros, como “Mineiro é desconfiado/ vocês sabem bem/ É logo ali, vai vendo / Mineiro diz que tá chegando e sai de casa correndo”.



Embora pareça uma simples ironia, Papo explica que há um significado maior na comparação entre Minas e o estado norte-americano. “Acho que falei uma coisa que é verdade. Minas Gerais é o Texas brasileiro por carregar esse estigma de caipira, às vezes menosprezado culturalmente, mas é um estado importante e que influencia muito o resto do país. Eu via muitos rappers do Texas, como Paul Wall e Mike Jones, despontarem na cena dos EUA, antes dominada pelo eixo Nova York-Los Angeles. E pensei que, aqui no Brasil, um dia, BH poderia ser igual a Houston, criando tendências no rap ou no funk. Acabou que, de certa forma, isso vem acontecendo, com nomes daqui fazendo sucesso nacionalmente, como o Djonga e a Clara Lima.”

BELLORY HILLS
Independente desde o começo de sua atividade musical, MC Papo já lançou três álbuns, além de vários singles e mixtapes, sempre transitando entre funk, rap, reggaeton e as misturas entre eles. No momento, ele diz que está “como um surfista esperando a próxima onda”, mas garante ter um hit engatilhado para o próximo carnaval. “Vão sair algumas antes, mas minha grande aposta é Bellory Hills, uma música sobre esse novo carnaval de BH, que vem impressionando todo mundo. Escolhi esse nome para ter um gancho com Texas e porque achei uma sonoridade legal nessa expressão que ouço muito o pessoal falar para se referir a BH. Eu inclusive falo Bellory Houston”, conta o compositor, que define a música “quase como um Texas 2”, mas especificamente sobre o carnaval, com melodia de funk dançante e letra de rap.

Se na música MC Papo se divide, quando a bola rolar em Kazan ele não tem dúvidas: a torcida é pelo Brasil. A situação não é inédita para ele. Na Copa de 2002, ele estava na Bélgica quando as duas seleções se enfrentaram nas oitavas de final, com vitória brasileira. “A gente no Brasil é meio doente com futebol, né? Não fazia sentido para mim a escola não nos liberar para ver o jogo. Nem fazia sentido para eles eu pedir isso. Mas vi o jogo no refeitório da escola, torcendo pelo Brasil junto com um único colega brasileiro. Todos os outros alunos torcendo pela Bélgica”, relembra o rapper, que diz se preocupar com futebol apenas nas Copas.

Contudo, uma eventual vitória belga não o entristece. “Sou sempre Brasil, mas acharia legal também a Bélgica ganhar, já que nunca ganhou Copa nenhuma. Sei que meus amigos todos ficariam felizes por lá e seria uma festa inesquecível. Na periferia de origem estrangeira, como eles falam, mesmo cada um sendo de um lugar, todos se sentem iguais por ser diferentes. Esse time da Bélgica, com vários jogadores descendentes de imigrantes, mostra que, mesmo não tendo esse sentimento de pertencimento ou patriotismo, eles podem ter orgulho da seleção jogando”, afirma.

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