Tesouro da cultura popular, viola será declarada patrimônio cultural de Minas Gerais

Instrumento será reconhecido pelo elo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

por Pedro Galvão 12/06/2018 22:03

Finalmente, a viola se juntará ao queijo do Serro, à Comunidade dos Arturos de Contagem, à Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte e às folias de Minas, das quais sempre foi aliada. Na quinta-feira (14), o instrumento será reconhecido como patrimônio cultural do estado. A ação é resultado do dossiê produzido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), que será apresentado ao Conselho Estadual de Patrimônio Cultural durante reunião em BH.

Lellis/E.M/D.A Press
(foto: Lellis/E.M/D.A Press)

Depois das formalidades, a viola será a estrela principal da celebração, nas mãos dos instrumentistas Chico Lobo, Pereira da Viola, Wilson Dias e Letícia Leal.

Peça fundamental da cultura interiorana, a viola mineira projetou Tião Carreiro (1934-1993) e Renato Andrade (1932-2005), referências nesse instrumento. Sua importância em várias regiões – não só pela melodia, mas pela tradição de sua construção – guiou o estudo que levou quase um ano para ficar pronto, coordenado pelo Iepha, com participação de violeiros de diversas partes do estado. O resultado – Saberes, linguagens e expressões musicais da viola em Minas Gerais – será apresentado amanhã. Aprovado, possibilitará ações para promover e preservar práticas ligadas ao instrumento.

“A partir deste reconhecimento, vamos identificar violeiros, luthiers e artesãos para elaborar um plano de salvaguarda a ser executado pelo governo futuramente. São ações para preservar esse patrimônio cultural. Na prática, isso pode significar mais editais para shows de viola, incentivo para a compra de instrumentos, cursos e oficinas de luthier, tudo de acordo com a demanda de cada região graças à identificação junto a esses coletivos de violeiros”, explica Michele Arroyo, presidente do Iepha. Cerca de 1,3 mil violeiros e mais de 90 construtores participaram do processo de pesquisa.

PAIXÃO O violeiro Chico Lobo diz que essa decisão institucional é motivo de alegria. “Reconhecer o seu tocar, o seu saber e o seu viver é reconhecer essa cultura pela qual me apaixonei ainda criança e quis levar para minha vida profissional. É com a viola que crio meus filhos. São anos batalhando em programas de rádio e TV, indo a Portugal estudar as origens dela. É muito importante entender a presença da viola na formação da música brasileira, sobretudo mineira”, afirma Chico, de 54 anos, que começou a tocar aos 12, em São João del-Rei.

Lobo defende a necessidade de promover a cultura popular. “Começamos a recuperar o terreno perdido para a música de entretenimento, como o sertanejo universitário. Temos de entender que a viola não é para a multidão, não é música de indústria, mas tem um nicho importante. Em Minas, noto a reação a essa globalização em festivais buscando a música de identificação, que passa a ser um ótimo mercado para nós. A viola sempre cumpriu uma função na cultura do interior, nas folias, festas de mutirão. Tem funcionalidade tanto na cultura popular quanto na contemporaneidade, pois está no chorinho, no rock, no jazz. A juventude está conhecendo a viola”, pondera.

Se há preocupação em preservar tradições, outra demanda é romper barreiras. “É preciso desmistificar o lugar da viola com o fogãozinho de lenha, uma cachacinha ou café com pão de queijo”, defende o instrumentista Pereira da Viola. “Eu, Wilson Dias e Chico Lobo, a exemplo do Renato Andrade, nos dedicamos a uma linguagem artística musical que transcende este universo bucólico, em que ela está relegada ao tempo que já passou. Trazemos o instrumento para uma perspectiva mais contemporânea, respeitando a tradição histórica. Já quebramos muitos preconceitos, mas acredito que, com esse reconhecimento agora, esse processo continua avançando explica Pereira.

MACHISMO

Amanhã, Chico Lobo, Pereira da Viola e Wilson Dias estarão no palco montado no Memorial Minas Gerais Vale para celebrar a conquista, assim como Letícia Leal, de 32 anos. Para ela, a luta contra o preconceito é dupla. Além da promoção do instrumento, essa mineira batalha para provar que as mulheres têm vez nesse meio historicamente dominado pelos homens.

“É um privilégio e uma honra trilhar esse caminho. É difícil, mas hoje está um pouco mais tranquilo. Passei por situações que toda mulher enfrenta em áreas dominadas por homens. Há uma desconfiança, ouvimos o ‘ela até toca, né?’ e ‘só está ali porque é bonita’. Mas hoje está melhor. Quanto mais mulheres subirem ao palco, mais mulheres vão criar essa coragem. Tenho muitas alunas, uma vai ajudando a outra”, conta Letícia.

A violeira diz que o instrumento oferece muitas possibilidades além do imaginário rural. “Temos uma viola caipira muito forte, que leva para o aspecto mais regional, da roça. Temos também a corrente de instrumentistas que a levam por outros caminhos. Há preconceito, tem gente que acha que viola só serve para tocar um tipo de música, como se não fosse um instrumento universal. Mas ela é universal”, argumenta.

Prova disso, afirma Letícia, estará na reunião de amanhã, que terá como convidada a Orquestra Oficina de Estudo Viola de Betim. “Cada um ali tem uma particularidade. Vamos ter a viola tradicional, regional. A orquestra trabalha a de raiz, do Tião Carreiro. E vou com a viola mais moderna para tocar um choro e uma música minha, mais autoral”, conclui Letícia.

VIOLAS DE MINAS
Quinta-feira (14), às 19h. Memorial Minas Gerais Vale. Praça da Liberdade, 640, Funcionários. Com Chico Lobo, Pereira da Viola, Wilson Dias, Letícia Leal e Orquestra Oficina de Estudo Viola de Betim. Às 16h, será realizada reunião em que a viola será declarada patrimônio cultural de MG. Entrada franca. Informações: (31) 3235-2800.

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