Lulu Santos assume o papel de fã e homenageia Rita Lee em novo disco

Recém-chegado às lojas e plataformas digitais, 'Baby Baby!' reúne 12 releituras de canções da rainha do rock nacional

por Cecília Emiliana 24/10/2017 08:00
LEO AVERSA/DIVULGAÇÃO
(foto: LEO AVERSA/DIVULGAÇÃO)


Disco voador é a faixa que abre Baby Baby!, novo disco de Lulu Santos com canções de Rita Lee, recém-chegado às lojas e plataformas digitais. É também uma boa expressão para definir a passagem da cantora pela vida do hitmaker. Antes de conhecê-la, no fim da década de 1960, Lulu era um garoto em processo de descoberta do rock, fã dos Beatles e dos Rolling Stones. Até que Rita – então membro dos Mutantes – pairou sobre a trajetória do músico, derramando sobre ele o toque psicodélico que temperaria suas batidas para sempre.

“Rita Lee apareceu para mim em 1967; eu tinha 14 para 15 anos. Logo me vi completamente abduzido por ela. Ela é minha nave-mãe, sabe? Sou quem eu sou por causa dos Beatles, Rolling Stones, Caetano, Gil e Rita Lee”, afirma.

Aos 64 anos, 33 de carreira, Lulu Santos soma pelo menos cinco décadas de amizade com a diva do rock nacional, prestes a completar 70. Seu novo álbum, contudo, não é um registro dessa intimidade. “Foi um trabalho feito totalmente da perspectiva do fã. Mitificado mesmo. Reflete o efeito que a obra de artista da Rita teve em mim, não conta uma história do ponto de vista de quem a conhece pessoalmente”, avisa o cantor.

Quem o ouve falar sobre o processo de criação, no entanto, logo percebe que se trata de um projeto que, por certo, só mesmo um amigo de meio século poderia motivá-lo a tocar. Pelo menos neste momento de sua carreira. No início de 2017, Lulu Santos fechou a agenda para um ano sabático, após exaustiva rotina de compromissos cumpridos em 2016. Viajou para o exterior e foi curtir o descanso com o livro Rita Lee: uma autobiografia (2016) debaixo do braço. Uma semana depois do embarque, tomado pelas memórias afetivas que a publicação lhe despertou, ele interrompia a pausa para prestar a homenagem à amiga e “ídola”.

“No livro, Rita detalha, muito precisamente, como ela fez cada uma das canções que compôs. É o caso, por exemplo, de Fuga n° 2, ainda da época dos Mutantes, que ela não assina sozinha, mas, como tantas outras, foi feita só por ela. Na obra, ela explica que havia uma decisão coletiva de creditar a autoria das músicas para o grupo. Aquilo foi muito esclarecedor para mim, singularizou a Rita na minha cabeça. Porque a canção tem já um jeito próprio dela, mais finalizado, um pouco diferente daquela coisa experimental em aberto, meio imatura dos Mutantes. E isso bate muito com a minha história como artista. Em 1967, quando essa música foi lançada, eu tinha 14 anos, e passava pela mesma coisa, estava ali encontrando minha voz, minha linguagem, minha maneira de expressar. Era o mesmo momento que eu estava passando quando ouvia os Mutantes”, compara Lulu

GUARDA-ROUPA A escolha do repertório não envolveu grandes pesquisas ou processos elaborados. Lulu diz que selecionou as músicas como quem abre o guarda-roupa de outra pessoa e se diverte experimentando as peças. “Peguei aquilo que me coube primeiro. O que achei que era mais do meu tamanho. O que fiz foi uma enumeração afetiva das coisas de que eu me lembrava mais.” O set-list mistura tanto sucessos de Rita quanto peças menos conhecidas de seu repertório.

Influenciada pelo fenômeno Despacito, Baila comigo, sucesso do álbum Rita Lee (1980), ganhou um reforço de latinidade na melodia. Desculpe o auê (Bombom, 1983), assimilou o bolero havaiano de conhecidas composições de Lulu, caso de Como uma onda e De repente, Califórnia. Trabalhada em parceria com o cantor e compositor capixaba Silva, Ovelha negra (Fruto proibido, 1975) ganhou um toque de reggae e tambores do Olodum. Agora só falta você (do mesmo disco) foi mergulhada no batidão do funk carioca. Já Alô, alô, Marciano (Rita em Bossa’n’Roll, 1991; gravada originalmente por Elis Regina, em 1980) caiu na psicodelia eletrônica.

Entre as menos tocadas, Mamãe natureza (de Atrás do porto tem uma cidade, 1974) e a recente Paradise Brazil, do CD Reza, lançado pela roqueira em 2013. Nota-se, durante todo o álbum de 12 faixas, que Lulu reduziu consideravelmente a presença dos acordes de guitarra que marcam sua obra de modo geral. “O rock’n roll entrou de forma moderada, quando foi necessário. Por exemplo, em Desculpe o auê, porque, no final, tem um vocal, uma brincadeira que a Rita faz com a voz num tom muito agudo, que eu não conseguiria reproduzir com a minha. Daí eu o construí com um solo de guitarra. Sou guitarrista, mas sem compromisso com o rock and roll”, diz.

Baby, Baby! ganhou a aprovação da homenageada, que enviou a Lulu Santos uma mensagem de áudio no WhatsApp. “Somos amigos, mas, ultimamente, não temos tido muito contato direto. Tratei mais das coisas do repertório com o filho dela, Beto Lee. Depois de ver as demos, ela me mandou um recadinho supercarinhoso, dizendo que adorou. Fiquei superfeliz e estamos vivendo esse carinho até hoje”, conta Lulu.

Atualmente avessa a contatos com a imprensa, Rita Lee não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem. Em sua página do Facebook, no entanto, há vários posts com elogios rasgados ao trabalho em sua homenagem: “Delícia ouvir Lulu Santos me cantando... Adorei Mania de você numa levada à la Santana... Mamãe natureza renasce muito mais rock do que jamais foi... Baila comigo caliente y salerosa... Disco voador (onde Lulu foi descolar essa?) um mimo... Desculpe o auê, Paradise Brazil, Ovelha negra, Agora só falta você, Caso sério, entre outras pérolas que ele fez a gentileza de me presentear, todas com aquela pegada pop luxo que só Lulu tem... Minha vontade é pegar esse menino no colo e encher de beijinhos e carinhos sem ter fim. Gracias muchissimas, mi amor”, postou a cantora na rede social.

Baby, Baby!
>> Artista: Lulu Santos (com canções de Rita Lee)
>> Gravadora: Universal Music
>> Preço sugerido: R$ 21,90

FAIXA A FAIXA
Por Fellipe Torres

Disco voador (de Babilônia, 1978)

Assumidamente uma das favoritas de Lulu, ganhou contornos bem dançantes. Foi a primeira canção escolhida por ele para gravar.

Baila comigo (de Rita Lee, 1980)

À música de forte latinidade, Lulu acrescentou uma marcante linha de guitarra, começando na introdução e se repetindo por toda a faixa.

Mamãe natureza (de Atrás do porto tem uma cidade, 1974)
Gravada com violão e solo de gaita, a faixa é descrita pelo cantor como uma combinação de The Beatles e Rolling Stones.

Desculpe o auê (de Bombom, 1983)
A releitura tem uma atmosfera havaiana que remete a hits de Lulu, como De repente, Califórnia e Como uma onda no mar.

Ovelha negra (de Fruto proibido, 1975)
Com produção de Silva, foi gravada no ukelele e ganhou cara de reggae. Lulu aproveitou e inseriu batida à moda do Olodum.

Fuga Nº 2 (de Mutantes, 1969)

A canção remete ao primeiro contato de Lulu com Rita. Foi composta por ela, embora tenha sido assinada conjuntamente por Os Mutantes.

Agora só falta você (de Fruto proibido, 1975)
Um dos mais populares hits do repertório de Rita Lee se transformou em um pancadão de funk carioca com ares de música eletrônica.

Alô, alô, Marciano (de Rita em Bossa’n’Roll, 1991; gravada originalmente por Elis Regina, em 1980)
Outra faixa com forte presença da música eletrônica, com direito a efeitos emulados pela voz do próprio Lulu Santos.

Mania de você (de Rita Lee, 1979)
Aqui, Lulu apostou em uma “falsa bossa nova”, fazendo referência a uma conhecida música dos anos 1970, Why can’t we live together, de Timmy Thomas

Nem luxo, nem lixo (de Rita Lee, 1980)
A nova versão tem o instrumentista Pretinho da Serrinha munido de conga, guiro, shaker, combinando o som com violão, baixo e piano

Paradise Brasil (de Reza, 2012)
Coproduzida por DJ Memê, tem participação do grupo curitibano Livink, além de um clima de samba eletrônico, com direito a cuíca, apito e tamborim

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