Ausência de Anitta no Rock in Rio gera discussão sobre critérios de organização dos festivais

Promotores do evento comentam aspectos necessários para garantir uma edição bem-sucedida

Pedro Galvão Francelle Marzano 24/09/2017 08:42
Gomez
(foto: Gomez)
Na noite deste domingo (24/9), o Rock In Rio encerra sua sétima edição na capital fluminense, com atrações como Red Hot Chilli Peppers, Offspring, Thirty Seconds From Mars e Sepultura. A variedade é grande, e não só no que diz respeito ao rock. A cada edição, a seleção vai se tornando mais eclética, com grandes figuras da pop music. Mas não tão eclética para incluir a mais comentada cantora brasileira da atualidade: Anitta. E a ausência da funkeira acabou gerando uma discussão sobre os critérios de organização dos festivais.

Anitta disse que pretende criar o seu próprio evento – “democrático e sem preconceito com ritmos, indo do funk ao rock, passando por samba e pop, tudo no mesmo palco”. Roberto Medina, o fundador do Rock In Rio, por sua vez, afirmou que, “para criar o maior festival de música do mundo, é preciso conciliar rigor e criatividade”, acrescentando que o festival “é um espaço em que pessoas de diferentes religiões e raças convivem em harmonia”.

O Estado de Minas ouviu organizadores de outros festivais dedicados à música sobre o quê, afinal, garante o sucesso de uma edição. Carlos Marçal é o idealizador do Breve, que escalou 13 atrações musicais nacionais e locais para passar pelo mesmo palco no Mirante Beagá, no bairro Olhos d’Água, ontem. A seleção incluía Novos Baianos, Emicida, Karol Conka e Baiana System. Não necessariamente o mesmo ritmo, mas todos ligados por um critério.

“Quando criamos o Breve, a ideia era um festival de música para falar de música. E ela é democrática. Por isso temos desde os Novos Baianos até artistas do presente, para trazer novidades para o público. Nosso objetivo era reunir bandas com trabalhos independentes, que não estão presas a gravadoras e que alcançaram projeção por seus próprios trabalhos”, afirma Marçal.

Ele aponta que, além desses critérios predefinidos, as preferências do público também são levadas em conta. “Avaliamos os gostos da nossa região. Todas as nossas atrações têm um apelo de público em BH. Marçal defende a pluralidade nos festivais e discorda de Roberto Medina no episódio envolvendo Anitta no Rock In Rio. Para ele, se o público do festival pede, é porque o artista tem lugar.

“O que é a música boa? Não sou eu que decido. São as pessoas. Anitta tem projeção internacional. Ela é forte não só na parte de levar multidões, mas é uma garota-propaganda de diversas marcas. Ela é música boa para muitas pessoas. E a música é democrática, é preciso respeitar o gosto do outro. Se eu tiver essa demanda um dia no Breve, não vejo problema nenhum em atender”, diz ele, defendendo a ideia de que, “quando um artista cresce muito, ele supera o segmento musical”.

Se no Rock In Rio Anitta não coube com seu rebolado, entre os sertanejos ela teve vez. No Festeja, um dos maiores festivais dedicados ao gênero mais popular do país na atualidade, realizado no Mineirão no último dia 9, a funkeira foi uma das atrações, entre outras como Marília Mendonça, Zé Neto & Cristiano, Maiara & Maraísa, além do cantor de axé Tomate.

Tem sido uma prática comum a alguns festivais inicialmente voltados para o sertanejo incluir outros estilos em suas programações. O VillaMix Festival, criado em 2011 pela produtora AudioMix, foi um deles. Segundo o diretor de produção do festival, Alselmo Troncoso, a mudança na grade foi uma forma de alcançar maior número de pessoas, além de equilibrar custo e benefício para tornar o evento rentável.

“A música é muito dinâmica, e a gente tenta acompanhar esse movimento. No início, o VillaMix era só sertanejo, mas aí o forró do Nordeste entrou na cena musical com muita força. Depois vieram o eletrônico e o pop. O que era para ser um evento só do elenco da AudioMix virou um fenômeno, e a gente começou a convidar artistas de outros escritórios. Com isso, conseguimos agregar estilos bem diversificados na programação e fazer com que o VillaMix fosse conhecido como um dos maiores festivais de música do Brasil”, afirma.

Com uma pretensão ainda maior, de ser reconhecido internacionalmente, o festival entrou para o Guiness Book, o livro dos recordes, pelo segundo ano, como o maior palco do mundo, superando a própria marca de 2015. A edição de julho passado em Goiânia reuniu mais de 120 mil pessoas e aproximadamente 30 atrações de diferentes ritmos, como a diva norte-americana do pop Demi Lovato e o colombiano Maluma, conhecido pelos hits do reggaeton, além dos sertanejos Jorge & Mateus, o fenômeno do forró Wesley Safadão e o DJ Alok.

Para Troncoso, o segredo do sucesso está na combinação de criatividade, rigor e respeito. “São três pontos cruciais para que o evento não saia do contorno. A criatividade é necessária desde a escolha do local até a grade de artistas, mesclando vários gêneros para atrair o maior número de pessoas possível, equilibrando o saldo entre público e renda”, lembra. Troncoso diz ainda que respeito e rigor – com artistas e com o público – são diferenciais. “Quando o festival vai ganhando forma, a gente define a ordem de apresentação desses artistas, os horários e é preciso respeitar isso tudo. É uma via de mão dupla”, comenta. Em 2016, Anitta teve sua apresentação cancelada na edição de Goiânia. A organização alega que a cantora descumpriu o horário combinado, chegando atrasada, enquanto ela afirma ter enfrentado um atraso de voo e culpa a produção por não ter reorganizado a agenda.

TIRADENTES Distante da megaestrutura e das multidões da Cidade do Rock erguida no Parque Olímpico, a tranquila Tiradentes se despede hoje do Festival Artes Vertentes. Com um formato totalmente diferente do Rock In Rio, o evento busca a diversidade através da mistura de linguagens artísticas. Desde o último dia 14, a cidade histórica abrigou espetáculos de música, cinema, dança, teatro e literatura. O que norteou a curadoria nesta sexta edição do Artes Vertentes foi provocar uma reflexão sobre as crenças.

“Acho que o grande papel de um festival de artes, seja de uma linguagem específica ou integradas, é provocar uma reflexão sobre temas pertinentes na nossa sociedade. Se um festival deixa de ter esse aspecto instigador, ele passa a ser só entretenimento, o que já é redundante na nossa sociedade”, afirma Luiz Gustavo Carvalho, diretor artístico do Artes Vertentes, que é viabilizado graças à Lei Rouanet e ao aporte de uma associação de amigos do festival, que arrecada fundos também para um projeto pedagógico de oficinas artísticas em Tiradentes.

Responsável pelas escalações e criação da programação de cada edição, Luiz Gustavo defende escolhas rigorosas. “É necessário, como curador, ter um rigor muito grande para escolher as atrações por sua excelência artística. E é extremamente enriquecedor quando um tema é abordado na música e depois encontra sua correspondência nas artes visuais, um contraste no cinema e ver como todas essas linguagens têm um diálogo. Essa, na verdade, é a minha escolha quando procuro os artistas para cada edição.”

O encerramento do Artes Vertentes, hoje, vai ter cinema (com a exibição de Fogo no mar, de Gianfranco Rosi), dança (Wabi sabi, de Dorothy Lenne), música (recital duplo de piano com Luiz Gustavo Carvalho e Jakob Katsnelson) e leitura de poemas por Adélia Prado.

PÚBLICO-ALVO Marcelo Costa, trompetista responsável por organizar o Festival Internacional I Love Jazz, que encerra hoje na Praça do Papa sua nona edição – e costuma receber um público de cerca de 10 mil pessoas – avalia que o sucesso de um festival está diretamente ligado à organização e à definição de seu público-alvo. “Quando você faz um festival pela primeira vez, tem que pensar na longevidade dele e no tipo de público que quer alcançar. As pessoas precisam saber exatamente o que vão encontrar ali. Não dá para ter surpresas e a cada ano ser uma coisa diferente”, afirma.

O músico conta que o festival tem conseguido manter o seu formato ao longo dos anos, o que é um dos elementos de garantia do sucesso. “Nosso festival é bem focado no jazz tradicional, swing, dos anos 20, 30.  Então, todo mundo sabe o que vai encontrar aqui quando chega para participar, porque, apesar de trazermos bandas diferentes todos os anos, de diversas regiões do país ou do mundo, o estilo é sempre o mesmo.”

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