Tom Zé encerra em BH o 2º Inverno das Artes com o show 'Eu cantando para os meus'

Compositor baiano diz que, em Minas Gerais, se sente à vontade para cantar canções mais sofisticadas. Prestes a completar 80 anos, lançará disco ainda este ano

por Eduardo Tristão Girão 01/08/2016 09:00
André Conti/Divulgação
(foto: André Conti/Divulgação)
Tom Zé canta hoje à noite em Belo Horizonte. Se o ícone tropicalista, prestes a completar 80 anos, acha ruim se apresentar numa segunda-feira? “Ao contrário! É uma excitação, seja lá que dia for. Quando vamos a Minas, é uma novena de sucessivos orgasmos sagrados no coração. Aí tem a história do Brasil e as cadeias de montanhas são os dentes dos deuses neolíticos. Ou os úberes das musas. Segunda está ótimo”, esclarece. Com ele, não há resposta que seja simples.


O artista subirá com sua banda ao palco do Grande Teatro do Palácio das Artes como atração da segunda edição do projeto Inverno das Artes. O espetáculo em questão se chama Eu cantando para os meus e tem algumas composições de seu disco mais recente, Vira lata na Via Láctea (como Geração Y e Mamon). Entretanto, como Tom Zé é Tom Zé (inquieto, criativo, provocador, improvisador), isso é o máximo que se consegue prever sobre a apresentação.


“Podemos cantar coisas mais sofisticadas em Minas. Em São Paulo, evito algumas figuras de linguagem. Algumas músicas minhas têm figuras de linguagem e as pessoas não compreendem, acham que estou falando a verdade. O publico mineiro reage diferente, decifra isso. Me lembro de cantar coisas como Classe operária e ver amigos comunistas fazendo bico para mim, dizendo que não concordavam com o que dizia”, ri o baiano de Irará, radicado na capital paulista.


Ainda sobre Minas Gerais e os mineiros, Tom Zé declara que sua admiração pela música local ultrapassa o Clube da Esquina. Os primeiros dois nomes que lembra são os dos cantores e compositores Fernanda Takai e Gustavito. Sobre esse último, acrescenta: “Não é mole esse moleque”. Ainda lembra que, quando Marco Antônio Guimarães, criador do grupo Uakti, foi estudar música na Bahia, “herdou tudo” dele: “Violoncelo, professor, sala de estudo e até meu quarto na pensão. Faz anos que a gente não se fala. Vou tentar telefonar para ele”.


Mês passado, o baiano se apresentou em Amarante, no interior de Portugal. “Foi uma festa, uma alegria”, conta. Ele diz já não ter muita paciência para “atravessar o Atlântico”, mas reconhece que terá de arrumar uma maneira de tê-la. “Este ano, acho que terei de fazer mais shows fora do Brasil. O dinheiro aqui está enxuto e tenho de tentar outras coisas. Não sou rico, mas vivo com tranquilidade. Preciso de dinheiro para trabalhar, pagar os músicos.”

GERAÇÃO Y

O artista não esconde suas preocupações sobre o panorama político brasileiro, mas prefere falar nas esperanças que tem e uma dela é a chamada geração Y, formada pelos nascidos entre 1978 e 1990. “A sabedoria oriental fala em eras que se sucedem. Agora, a direita toma a frente na Europa, a Inglaterra se separa e o Brasil vai seguindo esse caminho. Quando a coisa fica muito tensa por um lado, ocorre a reversão do meio superaquecido, como diz Marshall McLuhan. Que a geração Y traga para a política essa orientação”, diz.


Para ele, está tudo ao contrário e, no caso da política, aceita que uma teórica sucessão de governo no Brasil seria aceitável. “Principalmente depois do que o PT fez o que fez. Me lembro de chegar na Alemanha, logo depois de o Lula ter sido eleito pela primeira vez, e tratarem a gente como se fizesse parte de uma elite planetária, como parte daquele fato político. O professor Paulo Freire diz que quando o operário age como o opressor, ao tomar o poder, é porque foi o único exemplo que ele viu. Disse isso em 1962, se não me engano”, continua.


Recentemente, o artista escreveu uma carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (questionando-os) e usou sua página no Facebook para divulgá-la. “Estou com o pé atrás. O que eles têm dito é assustador. Que o Sul e o Sudeste não queiram mais ser governados pelo PT eu entendo, mas que apareçam governantes. Nossa esperança é a geração Y e, com ela, voltou-se a falar de ética. Quando falo em política, falo desses meninos. Ninguém vai impedir que, em cinco anos, eles estejam em cargos públicos”, reforça.

ESCOLINHA
Seu próximo disco, a ser lançado este ano, terá como nome nada menos que Canções eróticas de ninar. Com a palavra, Tom Zé: “É todo dançável e se refere ao fato de que o povo, o folclore, compreendendo que não tínhamos instrução sexual antigamente, fazia uma espécie de escolinha. Falava-se com figuras de linguagem sobre coisas muito maliciosas e, assim, íamos entendendo tudo o que é ligado ao sexo. Havia a intuição de que a gente não deveria chegar à idade adulta sem saber determinadas coisas”.


Nas letras do novo álbum, que tem capa assinada por Elifas Andreato, ele conta sobre várias experiências que viveu nesse sentido e garante fazer tudo com respeito. “Nessa escolinha, os empregados de onde a gente morava falavam com as meninas e os meninos, enquanto os pais da gente viravam a cara. Não é possível que não soubessem, pois pegavam rabos de conversa. Aos 16 anos, eu já tinha tido minha primeira namorada, já tinha ido ao puteiro”, detalha.


E por que só agora, perto dos 80 anos, ele resolveu falar sobre o assunto, dedicando um disco inteiro para isso? “Só aos 80 anos tive força para falar desse tema, que é oração e pecado, precisa de cuidado para ser tratado. Poderia ter falado antes, mas talvez eu não estivesse preparado. É um tema complicado. Imagine que o disco era para ter ficado pronto ano passado”, responde. Entre as faixas, algumas de nomes, no mínimo, curiosos, como No tempo que havia moça feia.

 

Eu cantando para os meus
Show de Tom Zé. Hoje, às 21h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia entrada); R$ 50 (plateia superior) e R$ 25 (meia, plateia superior). Informações: (31) 3236-7400.

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