Caetano Veloso e Gilberto Gil reverenciam a canção brasileira em turnê

Dupla chegou ao Brasil esta semana; nova parceria fala dos palestinos e do Brasil escravocrata

por Mariana Peixoto 22/08/2015 00:13

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Camila Cara/Divulgação
(foto: Camila Cara/Divulgação)
São Paulo – E tudo se fez canção. É ilusório pensar que o formato um tanto enxuto de Dois amigos, um século de música, show que celebra os 50 anos de carreira de Caetano Veloso e Gilberto Gil, é reducionista.

Pois ao apostar na voz, no violão e nos silêncios – ao contrário do formato costumeiro, com vários instrumentistas, além da verborragia que a dupla costuma levar para o palco –, o brilho fica na música. Estão intactas as canções do repertório da turnê – que, depois de passar pela Europa e por Israel, iniciou, quinta-feira, sua temporada brasileira. Cada uma fala por si.

Lotado, o Citibank Hall paulistano assistiu, durante 110 minutos, a Caetano e Gil executarem repertório muito semelhante ao apresentado nas 19 datas internacionais – a temporada teve início em 25 de junho, em Amsterdã, na Holanda. No primeiro show brasileiro foram 29 músicas, com dois bis.

Até 17 de outubro, a turnê prossegue pelo Brasil, Argentina e Uruguai com outras 14 datas. Em Belo Horizonte, os shows, com ingressos esgotados, estão marcados para 26 e 27 de setembro, no Chevrolet Hall. Há entradas disponíveis para as apresentações em Curitiba (26 deste mês) e Porto Alegre (28). Para a nova data em São Paulo (8 de outubro), a venda começa na segunda-feira.

Na estreia, houve mudanças aqui e ali. A mais representativa foi a inclusão de uma inédita: o samba As camélias do Quilombo do Leblon, que os dois terminaram na madrugada do show paulistano. A letra traça um paralelo entre o Brasil escravocrata – o quilombo na Zona Sul carioca protegido pela princesa Isabel, que recebia em troca camélias, tornadas símbolo da abolição – e a vida na Palestina, que os baianos conheceram no mês passado.

Em 28 de julho, foi realizado um show em Tel Aviv. Assim que a apresentação foi anunciada, os dois receberam insistentes pedidos para que desistissem da empreitada. O movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel (BDS), que luta pelo fim da ocupação dos territórios palestinos, encampou a iniciativa, que ganhou peso com a adesão de Roger Waters, ex-baixista e vocalista do Pink Floyd, e do arcebispo e Nobel da Paz Desmond Tutu.

Nada demoveu a dupla de cantar em Israel. No entanto, Caetano e Gil visitaram a região palestina. Citam em As camélias do Quilombo do Leblon a região de Hebrom, na Cisjordânia: “Rimos com as doces meninas sem sair do tom”. E falam da vinda de camélias da “segunda abolição”.

Sabiamente, os dois executaram a novíssima canção no início do show, logo depois de É de manhã, que Caetano comentou ser a música mais antiga do repertório da noite (foi gravada por Bethânia em 1965, no compacto que tinha Carcará como lado A).

Esse diálogo se fez presente em boa parte do show. Ainda na parte inicial da apresentação, Caetano executou Tropicália (“Eu organizo o movimento/Eu oriento o carnaval”). Ganhou, como resposta de Gil, Marginália 2, parceria com Torquato Neto (“Eu, brasileiro, confesso/Minha culpa, meu pecado”).

Depois, Caetano tomou a frente com uma sequência solo que arrebatou o público: Sampa, Terra, Nine out of ten e Odeio você, esta da safra dos anos 2000. Gil devolveu mais tarde, com Drão, Não tenho medo da morte (só com voz e batuque ao violão, que pediu silêncio total da plateia no momento mais intenso da apresentação), Expresso 2222 e Toda menina baiana.

Entre as versões, há duas em espanhol: Tonada de luna llena, do venezuelano Símon Díaz, gravada por Caetano para A flor do meu segredo, filme de Pedro Almodóvar, e Tres palabras, do cubano Osvaldo Farrés, já registrada por Gil. Há ainda a italiana Come prima, sucesso na voz de Tony Dallara.

Se nos shows internacionais o palco era limpo, com fundo escuro, aqui ele ganhou um colorido. Assinado por Hélio Eichbauer, o cenário é um painel cheio de símbolos geométricos – um deles traz a estrela de Davi, outra referência à polêmica passagem por Israel. Na frente, duas cordas apresentam as bandeiras dos 26 estados, do Distrito Federal e do Brasil.

Caetano é mais solto, deixa o banquinho mais de uma vez, vai até a plateia. No entanto, Gil é quem levanta mais gritos do público e, mesmo sem a voz de outrora, consegue, também por seu virtuosismo ao violão, arrebatar em Andar com fé e Super-homem (A canção).

No bis previsto, Gil atacou de Domingo no parque, enquanto Caetano defendeu A luz de Tieta. Terminado o show, as luzes do Citibank Hall teimaram em não acender. Os dois amigos voltaram. Caetano foi de Leãozinho, Gil de Bob Marley, com a deliciosa Three little birds. Simples, bonito, direto. Como as boas canções costumam ser.


AO VIVO NA TV

O Multishow transmite hoje, a partir das 22h30, o show Dois amigos, um século de música diretamente do Citibank Hall, em São Paulo.

Linha do tempo

1964
Nascidos em 1942, com um pouco mais de um mês de diferença (Gil é de 26 de junho, Caetano de 7 de agosto), os dois se esbarram no início da década de 1960, na Rua Chile, em Salvador. Em 1964, montam o show Nós, com Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé.

1967
Na terceira edição do Festival de Música Popular Brasileira, ficam entre os cinco finalistas. Gil consegue o segundo lugar com Domingo no parque, e Caetano (foto) o quarto com Alegria, alegria. As duas canções marcaram o início do Tropicalismo, movimento de que os baianos foram protagonistas.

1969
Presos pela ditadura militar, Caetano e Gil partem para exílio em Londres, onde vivem até 1972. Na época, eram casados com as irmãs Gadelha. Caetano com Dedé e Gil com Sandra.

1976
Com Gal e Bethânia, criam o show Doces bárbaros (foto), que ganhou edição comemorativa em 2002

1981
Ídolo de Gil e Caetano, João Gilberto grava com eles (e também Maria Bethânia) o álbum Brasil

1993
Lançam o disco Tropicália 2, que comemora os 25 anos do álbum Tropicália ou Panis et circenses. No ano seguinte, saem em turnê com Tropicália duo.

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