Compositor, ensaísta, poeta e professor, Zé Miguel Wisnik assume o ofício de cantor

Aluno aplicado de Ná Ozzetti e Jussara Silveira, ele agora se dedica a suas "canções intransferíveis"

por Ailton Magioli 18/07/2011 11:29
Na Lata/divulgação
(foto: Na Lata/divulgação)
Quando o mundo acabar, ainda vão se ouvir ecos de alguma canção. A previsão – nada apocalíptica – é do compositor paulistano Zé Miguel Wisnik, de 62 anos. Depois de gravadas por Ná Ozzetti, Jussara Silveira, Mônica Salmaso, Elza Soares e Gal Costa, suas canções agora ganham a voz do próprio dono.

“Preciso do momento de viver sem elas, de ter autonomia de voo para poder passar por todas as escalas da canção”, reivindica Zé Miguel, que está lançando o álbum duplo Indivisível. O primeiro disco reúne 13 faixas – Indivisível, Feito pra acabar, O primeiro fole, Fio de areia, Tristeza do Zé, Nossa canção, Os ilhéus, Ilusão real, Canção necessária, Dois em um, Mortal loucura, Cacilda e Se meu mundo cair –, repertório que reflete a convivência do autor com o violonista e arranjador Arthur Nestrovski, seu parceiro no projeto de aulas-show, sucesso em todo o país. 

O segundo CD traz mais 12 – Serenata, Tenho dó das estrelas, Eu vi, A serpente, Eva e Adão – Presente, Embebedado, Errei com você, Sem fundos, Anoitecer, Acalanto, Tempo sem tempo e Sócrates brasileiro –, produto da intensa convivência do compositor com o piano. Das 25, 17 são inéditas em disco.

Professor aposentado (atualmente, as aulas se limitam a cursos de pós-graduação), Zé Miguel se divide entre os ofícios de escritor, ensaísta, conferencista e músico. Já maduro, finalmente assume-se cantor. “A princípio, era uma coisa desconfortável”, confessa, revelando que se dedicou com afinco a todas as atividades que desenvolveu. “Um bom exemplo é o piano, que estudei por 13 anos. Já cantar, fiz sem preparação”, diz. “Trata-se, na verdade, de algo por que só o compositor passa: as canções intransferíveis. Acho que devo cantar para tornar a atividade mais prazerosa e confortável”. 

A canção é a forma que ele encontrou para unir todos os seus ofícios. O piano foi a base da relação com a música. “Estudei piano clássico a partir dos 7 anos. Solista de orquestra, preparei-me para ser concertista”. Com Indivisível, ele retoma esse vínculo, desenvolvido principalmente no disco Pérolas aos poucos. Na trajetória de Zé Miguel, que agora chega ao quarto álbum solo, intérpretes como Ná Ozzetti tiveram grande importância. “Não só pela proximidade e cumplicidade. Ná foi a chave para que mostrasse minha música”, orgulha-se ele. Depois veio Jussara Silveira, a “mineira-baiana” que o compositor considera outra grande parceira. Com Mônica Salmaso ele fez shows e gravações. 

“Fico só observando. Sou professor e bom aluno. Tento extrair o máximo de aprendizado com as cantoras”, diz. Depois de produzir disco de Elza Soares, Zé Miguel acaba de fazer show ao lado dela na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Para a surpresa de muita gente, o compositor, escritor e ensaísta canta do começo ao fim de Indivisível. Produzido por Alê Siqueira, o álbum duplo, dedicado ao violão e ao piano, traz participações de Chico Buarque, Luiz Tatit, Marcelo Jeneci, Jorge Mautner, Alice Ruiz, Guinga e Arthur Nestrovski.

No disco também estão versões musicadas para poemas de Antonio Cícero (“Os ilhéus”), Gregório de Matos (“Mortal loucura”, da trilha de Onqotô, espetáculo do Grupo Corpo, parceria com Caetano Veloso), Fernando Pessoa (“Tenho dó das estrelas”) e Carlos Drummond de Andrade (“Anoitecer”). Com Chico Buarque ele assina Embebedado, canção lançada por Gal Costa no CD Hoje. 
 
MULTIARTISTA 
 
DISCOS
• José Miguel Wisnik (2000)
• São Paulo Rio (2002)
• Pérolas aos poucos (2003)
• Ponte aérea (2004)
• Indivisível (2011)

LIVROS
• O coro dos contrários – A música em torno da Semana de 22 (1977) 
• Os sentidos da paixão – O olhar e ética (1987). Vários autores
• O nacional e o popular na cultura brasileira (1992)
• O som e o sentido (1999)
• Sem receita – Ensaios e canções (2004)
• Livro de partituras (2004). Vários autores
• Veneno remédio: o futebol e o Brasil (2008)
• Machado maxixe: o caso Pestana (2008) 
 
Ecos da Galícia 
 
Prova inconteste da perenidade do formato, sete canções do trovador galego Martim Codax, que viveu no século 13, foram adaptadas à reconhecida musicalidade brasileira na trilha sonora de Sem mim, espetáculo que o Grupo Corpo estreia em 4 de agosto, em São Paulo.
 
Produto da parceria de Zé Miguel Wisnik com o galego Carlos Nuñes, na trilha estarão as vozes famosas de Chico Buarque, Milton Nascimento, Mônica Salmaso, Ná Ozzetti, Jussara Silveira, Rita Ribeiro e da portuguesa Dulce Pontes.
“Será um maravilhoso desfile de vozes”, garante Zé Miguel, que conheceu Carlos Nuñes em Curitiba, depois de o artista procurá-lo num evento para apresentar o projeto do disco Alborada do Brasil. Lançado ano passado, o álbum aborda a relação da música galega com a MPB. “Na ocasião, Carlos tinha projeto de uma faixa – que acabou não fazendo – reunindo as sete cantigas de amigo de Martim Codax”, conta Wisnik.
 
A nova trilha será lançada em disco na temporada de estreia de Sem mim. O disco terá faixas instrumentais gravadas por Nuñes tocando gaitas e flautas, além do irmão dele, Xurxo, na percussão. O brasileiro destaca, ainda, a presença do grupo Pandereteiras da Galícia.
 
Sem mim será a quarta trilha de Zé Miguel Wisnik para o Grupo Corpo, depois de Nazareth (1995), Parabelo (1997, com Tom Zé) e Onqotô (2005, com Caetano Veloso). “Cada uma delas é uma nova ideia, um novo desafio, um novo material”, conclui. 

MAIS SOBRE MUSICA