Estilista aborda a xenofobia em desfile na gringa

Reconhecido por abrir o debate político em coleções de moda, mineiro Ronaldo Fraga participa da BIENALSUR - mostra sediada em 16 países, com a apresentação de criações inspiradas na riqueza cultural dos sul-americanos

por Laura Valente 02/11/2017 14:26
Ronaldo Fraga/reprodução
(foto: Ronaldo Fraga/reprodução)
  
Pensar o mundo por meio da moda e de outras expressões artísticas é o mote da  Bienal Internacional de Arte Contemporânea (BIENALSUR), iniciativa da universidade pública Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), na Argentina. O evento, que ocorre simultâneamente em 16 países, reúne mais de 100 exposições de arte urbana, performances, mostras de vídeos e desfiles de moda. Sim, segundo a paltaforma, a criação fashion pode ser abordada como meio de expressão de arte contemporânea, fazer pensar a realidade e ser apreendida pelo viés da transversalidade. Estilista que sempre acreditou na ideia de fomentar o debate político, cultural e social por meio da moda, o mineiro Ronaldo Fraga é um dos participantes desta edição. 
            Hoje, em Buenos Aires, o criador famoso por imprimir aos desfiles que realiza na São Paulo Fashion Week temas como refugiados, transexualidada, diversidade e até por “puxar a orelha” do presidente Michel Temer em camiseta protesto contra o decreto que extinguia uma reserva mineral na Amazônia, ele apresenta criações contra a xenofobia.  Na mostra, nomeada Gênesis - Cultura sem Fronteiras, Fraga promete versar sobre as raízes dos imigrantes e povos originários da América do Sul. Segundo ele, a coleção é inspirada em ampla pesquisa antropológica dos saberes dos povos daqui e dos que chegaram ao continente. Esse caldeirão de origens – no momento em que cresce a xenofobia, o medo e a rejeição ao outro – será traduzido em desfile de 30 peças, que depois farão parte de uma exposição que pretende percorrer várias cidades. “Um dia, lá atrás, italianos, portugueses, africanos e japoneses desembarcaram aqui. Nossa cultura de hoje foi forjada por essa mistura, e está sempre em constante mexida, mutação”, afirmou ele.
Ronaldo Fraga/reprodução
(foto: Ronaldo Fraga/reprodução)
Fraga cita ainda que empreende investigações sem a preocupação com a abordagem étnica, mas, sim, com um olhar para o tempo, para questões que influenciarão o mundo inteiro, definirão a nossa e outras épocas. “A história que me move na moda é lançar luz sobre temas os quais, geralmente, as pessoas jogam o manto da invisibilidade. Porque há elementos de conceito, prática x teoria, porque a moda como documento goza do poder de lançar luz sobre terreno árido. As coleções sobre os refugiados e sobre a transexualidade, por exemplo, me deram alívio pois, independentemente da roupa, que passa, a abordagem e a discussão ficam. Nos próximos anos ainda estaremos discutindo esses temas. Acho que é isso. São tempos de intolerância, sim, mas sempre vai existir uma força contrária, uma resistência”.

            Agenda 

Ronaldo Fraga/reprodução
(foto: Ronaldo Fraga/reprodução)
 

           Com início em setembro, a programação da BIENALSUR segue até dezembro com a proposição de romper fronteiras por meio da arte, num diálogo cultural instantâneo entre a América do Sul e o resto do mundo. O ponto de partida – Km 0 – é Buenos Aires, Argentina; o mais distante, Tóquio, Km 18.370. A conexão, que se dará até dezembro, data final das exposições, ocorre entre artistas, curadores e o público, que participa ao mesmo tempo de diferentes eventos em todas as 84 sedes da bienal. 
             No Brasil, já estão em cartaz exposições no Memorial da América Latina, na capital paulista, no Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (SP) e no Campus da Universidade Federal do Rio Grande Sul, em Porto Alegre. A Universidade Federal de Santa Maria (RS) recebeu Factors 4.0 – O Festival de Arte, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, exposições na Central do Brasil e na Fundação Getúlio Vargas serão inauguradas em novembro. Em paralelo, a arte de brasileiros como Eduardo Srur, Regina Silveira, Shirley Paes Leme, Ivan Grilo, Vik Muniz, José Bechara, Cildo Meireles, Hélio Oiticica e Anna Bella Geiger, entre outros, fazem parte desse intercâmbio cultural, com mostras na Argentina e no Peru. Saiba mais no site: www.bienalsur.org/. 
             Nas semanas de moda internacionais de lançamentos para a primavera-verão’2017, a grife Acne Studios também se inspirou na questão dos refugiados, tema que domina as conversas na Europa. Para abordar a crise, o estilista sueco Jonny Johansson explorou ricas tradições têxteis de países afetados pelo problema, motivos geométricos comuns em nações árabes, cafetãs de patchwork de lenços usados por tribos nômades do Sahara, além de calças de canga recortadas e bordadas com motivos paisley. Como se vê, moda também é política.