Chef tinge receitas para instigar sentidos sensoriais

Descendente de italianos, profissional de BH transforma a cor dos alimentos para investir na apresentação de pratos que enchem os olhos e ainda surpreendem o paladar; aprenda receita da sobremesa panacota

por Celina Aquino 17/10/2017 11:09

Ronald Nascimento/divulgação
Spaguetti nero (foto: Ronald Nascimento/divulgação)

Se você tem dúvida de que se come com os olhos, tem que conhecer o trabalho de Thiago Chiericatti. O jovem surpreende com pratos que já conquistam pelo visual. Até mesmo um bife acebolado pode chegar à mesa com uma apresentação instigante. Longe de só se preocupar com a montagem, ele não perde de vista o sabor, que também precisa ser atrativo. “É uma combinação perfeita entre visão e paladar”, garante o chef do Su Casa Bistrô, que mistura conceitos clássicos com contemporâneos em receitas autorais que aproximam a gastronomia da arte.

Tingir a comida é uma das estratégias de Chiericatti para ousar na apresentação e ainda surpreender o paladar. A inspiração vem da confeitaria francesa, que recorre a pigmentos (popularmente conhecidos como tintas comestíveis) para colorir pasta americana, usada como cobertura de bolos. O chef passou quase dois anos fazendo testes para levar a técnica até a sua cozinha, com o cuidado de garantir que não houvesse alteração de textura, sabor ou cheiro dos alimentos. “Só tenho que esperar 24h para servir o prato, para não ter risco nenhum de manchar a boca ou o dente”, informa.

Normalmente, o chef trabalha com uma mistura de pigmentos naturais e não naturais. Ou seja, quando ele quer o roxo, utiliza repolho com uma gota de tinta para deixar a cor mais intensa. Verduras como espinafre ajudam na construção da tonalidade verde e a beterraba resulta em um rosa interessante. E assim Chiericatti vai brincando com as cores e tentando confundir os clientes.

Ronald Nascimento/divulgação
Bruschetta mineira (foto: Ronald Nascimento/divulgação)

Salmão ao limão, por exemplo é um prato tradicional da Itália que está no cardápio do Su Casa Bistrô, servido com legumes da época, mas uma espuma azul surge como elemento surpresa. “A pessoa sabe que tem limão, mas não consegue identificar rapidamente onde está.” Chiericatti prepara uma espuma com o ingrediente e depois a tinge com o pigmento azulado. Da mesma forma, o cliente se surpreende ao provar a calda de frutas vermelhas que acompanha a clássica panacota. Na verdade, é uma pasta de doce de leite mineiro colorida de vermelho com uma tinta comestível.

Em algumas receitas, o purê de batata ganha uma coloração bem amarela. A intenção é dar a entender que a pessoa vai comer um purê de batata-baroa e, logo na primeira garfada, vem a surpresa. Outra possibilidade é tingir massas com repolho roxo para remeter ao famoso espaguete negro, servido com camarões flambados na manteiga de sálvia, que tradicionalmente muda de cor com tinta de lula.

FUMAÇA Não são apenas os pigmentos que incrementam a apresentação dos pratos. Chiericatti utiliza gelo seco abaixo da louça em que serve um ceviche mineiro, com tilápia, camarão, salmão, pimenta biquinho, limão galego e ora-pro-nóbis. A fumaça cria uma atmosfera curiosa e prende o olhar.

O chef acredita que é possível elaborar montagens atrativas mesmo sem mudar as cores do alimentos ou incluir outros elementos. Por isso, ele surpreende até mesmo com o seu prato de bife acebolado. De forma harmônica, a farofa de ovo e o creme de alho fazem a composição. Aliás, o truque é colocar poucos elementos no prato. “Coloco uma quantidade menor de creme para ter apresentação mais clean e vai uma porção separada para a mesa.” Chiericatti usa a mesma lógica no chorizo com redução catuaba e creme de alho-poró e no carré de cordeiro com funghi trifolati (junção de três cogumelos, shitake, shimeji e cogumelo paris) e creme de abóbora.

 

Raízes italianas

Ronald Nascimento/divulgação
Salmone al limone (foto: Ronald Nascimento/divulgação)
 

Salmone al limone, panna cotta, spagueti nero, funghi trifolati. Os pratos de Chiericatti deixam clara a sua inclinação para a cozinha da Itália. Neto de italianos, ele decidiu viver na Europa logo que atingiu a maioridade. Começou como lavador de banheiros no Roma Café, depois passou para lavador de copos, ajudou no bar (quando ensinou a fazer caipirinha) e garçom antes de entrar oficialmente para a cozinha. “Trabalhei como lavador de pratos, auxiliar de cozinha, fui responsável pelo setor de massas e molhos e, em oito anos e meio, me tornei chef. Com isso, conheci a gastronomia italiana de perto”, conta o jovem, que estudou na Italian Genius Academy, em Roma.

De volta a Belo Horizonte, Chiericatti continuou a trabalhar com a gastronomia italiana na cozinha de pizzarias e restaurantes e também como consultor. Mais tarde, reformulou o cardápio do Topo do Mundo, em Brumadinho, e começou a desenvolver pratos autorais que o tornaram conhecido. Há seis meses, ele se juntou a dois sócios para inaugurar o Su Casa Bistrô, onde pode mostrar mais do seu trabalho de art food.

Ronald Nascimento/divulgação
Bife acebolado (foto: Ronald Nascimento/divulgação)

Sempre pesquisando o trabalho de estrangeiros, já que no Brasil essa área é pouco explorada, o chef faz testes quase todos os dias. No momento, está desenvolvendo um prato quase monocromático, com melancia grelhada, camarões e espuma de limão tingida de vermelha. O sonho de Chiericatti é, daqui a um pouco, trabalhar apenas com art food, desde que seja se fácil acesso, pois acredita que a comida deve ter preço justo. “espero daqui um ano ter cardápio 100% autoral, focado no art food, mas a mudança de pigmentação de alimentos ainda assusta, então sei que tenho que ir aos poucos.” Planos, inclusive, de oferecer todos os dias um menu degustação, utilizando ingredientes que estão disponíveis no dia.

Atualmente, para não se distanciar de suas raízes, o chef oferece receitas tradicionais da gastronomia italiana. Entre elas, o Fettuccine Cosa Nostra, com frango, bacon e molho bechamel, o risoto de funghi trifolati com alho-poró. 

 

Panna Cotta 

Ronald Nascimento/divulgação
Panacota com calda vermelha de doce de leite (foto: Ronald Nascimento/divulgação)

Ingredientes: 500ml de creme de leite fresco; 90g de açúcar; 3 folhas de gelatina (sem sabor); 1 colher de chá de extrato de baunilha (que pode ser substituído por essência de baunilha); 200g de frutas vermelhas (morango, framboesa e cereja) ou de qualquer outra fruta; 50g de açúcar; 1 colher (sopa) de vinho do Porto (para dar um toque especial)


Modo de fazer: Coloque em uma panela o creme de leite junto com o extrato de baunilha e o açúcar. Aqueça, sem deixar ferver, e acrescente a gelatina já hidratada em água. Coloque a mistura em forminhas e leve à geladeira por cerca de 4 horas. Na hora de servir, retire da geladeira, aqueça as forminhas em água quente e desenforme. Cubra com a calda de sua preferência. Para a calda de frutas vermelhas, aqueça todos os ingredientes juntos, até formar uma calda ligeiramente espessa. Passe por uma peneira e deixe esfriar. Se quiser uma calda mais rústica, não precisa coar.

 

 

MAIS SOBRE GASTRONOMIA