Mineiro Agnaldo Timóteo formou linha de frente da 'música cafona'

Execrado durante muito tempo, hoje o gênero é reconhecido como expressão autêntica da cultura popular do país

Ângela Faria 03/04/2021 16:00
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(foto: Instagram/Reprodução )
“No Brasil, ninguém canta mais do que eu. Sou um cantor na mais absoluta concepção da palavra". Esse era Agnaldo Timóteo, que jamais titubeou ao se comparar a Frank Sinatra. Ao lado de Nelson Ned, Wando, Odair José, Altemar Dutra e Waldick Soriano, entre outros, o mineiro formou a linha de frente da chamada “música cafona” brasileira a partir dos anos 1960/1970. 


Execrado durante muito tempo, hoje o gênero é reconhecido como expressão autêntica da cultura popular do país. 

A discografia de Agnaldo Timóteo ultrapassa 50 álbuns. O cantor mineiro vendeu, por baixo, 30 milhões de cópias. Entre 1965 e 1985 – auge da MPB de Chico, Elis, Gil e Caetano –, bateu ponto 13 vezes nas listas dos 50 discos mais vendidos do ano.

Em 2013, em entrevista ao Estado de Minas, o “vozeirão” fez uma declaração de amor ao ofício: “Estou bem na fita e não paro de trabalhar. As pessoas se surpreendem comigo no palco. Sei usar a minha voz muito bem e cuido dela. Não bebo, não fumo, não cheiro. Sou um bom exemplo e sou o meu maior admirador.” 

De acordo com ele, seu talento prevaleceu diante dos altos e baixos da profissão. “Tenho colegas que foram mortos em vida. E eu sobrevivi. Cometi erros e acertos, nunca tive muito apoio da mídia. A imprensa fabrica e destrói. Elege os queridinhos e pronto. O João Gilberto, mesmo, vive do nome que fez há 50 anos. Depois disso, não fez mais nada. Não canta, não sorri, não fala, não dá entrevista, mas as pessoas pagam uma fortuna paravê-lo. E a mídia o venera, o valoriza. Mas o público nunca me abandonou, desabafou Agnaldo ao EM. O “pai da bossa-nova” morreu seis anos depois desta entrevista.

Na praça 


Em meio à crise da indústria fonográfica, o cantor mineiro não se intimidou quando as plataformas digitais dizimaram o chamado disco físico. Septuagenário, “ocupou” praças públicas para distribuir, pessoalmente, o álbum “Obrigado, Cauby”. 

Em 2012, montou sua barraca na Praça do Relógio, em Duque de Caxias (RJ), e vendeu cerca de 600 CDs. Em 2010, já havia feito o mesmo em São Paulo, Sorocaba, Ribeirão Preto e Taubaté. Preço da mercadoria: R$ 10.
“Vou para a rua autografar meus CDs, vendê-los em praça pública e dar uma aula para as gravadoras. Vou mostrar que é fácil vender discos desde que haja promoção, desde que queiram (...) Ponho a mesa em uma praça onde tenha pedestres, com som que não incomode, para ir mostrando os pedacinhos das músicas. Autografando e tirando foto. Sempre querem uma fotografia”, contou ele ao site Último Segundo, em 2014.

Peão


Nascido em Caratinga, em 16 de outubro de 1936, ainda garoto Agnaldo se exibia na rádio da cidade natal. Aos 16 anos, ele se mudou para Governador Valadares, foi torneiro mecânico e trabalhou em retíficas em Belo Horizonte. Nos anos 1960, trocou Minas pelo Rio de Janeiro e se tornou motorista de Ângela Maria. 
Fã da estrela, o rapaz não se cansava de ouvir “Adeus, querido”, sucesso da diva. A conselho dela, instalou-se na Cidade Maravilhosa.

Belo Horizonte foi fundamental para a carreira de Agnaldo Timóteo, que ganhou o apelido “Cauby Mineiro”, devido às imitações perfeitas do ídolo. “Ralou” muito nas rádios de BH – Inconfidência, Itatiaia, Mineira e Guarani. Recebeu a providencial ajuda do radialista Aldair Pinto.

No Rio, o moço de Caratinga se tornou amigo de um futuro astro. Nos tempos das vacas magras, ele e Roberto Carlos, rapazinho vindo do Espírito Santo, constumavam ir a pé de Lins de Vasconcelos à Cinelândia, onde ficavam as rádios Nacional e Mayrink Veiga. 

Sem dinheiro para a condução, ambos buscavam um lugar ao sol. Em 1961, Agnaldo gravou o primeiro disco para o selo Caravelle, graças à ajuda de Angela Maria. Passou batido. Dois anos depois, lançou na Philips o compacto duplo “Tortura de amor” (com faixa-título assinada por Waldick Soriano). Nova decepção. Mas ele não se rendeu. Vendeu, pessoalmente, as 180 cópias de seu trabalho. Valeu-se do know how adquirido como feirante e engraxate...

A sorte virou em 1965, na TV Rio, quando o mineiro emprestou seu vozeirão ao defender “The house of the rising sun”, da banda inglesa The Animals, no programa de Jair de Taumaturgo. Agnaldo conquistou prêmios e jovens fãs, além de um contrato com a EMI-Odeon.
A partir dali, a carreira deslanchou. No LP “Surge um astro”, com versões de hits internacionais, estava o sucesso “Mamãe” (“La mamma”). 

Em 1967, estourou com “Meu grito”, de Roberto Carlos, no LP “Obrigado querida”. “Se eu demoro/ Mas aqui eu vou morrer/ Isso é bom/ Mas eu não vivo sem você”, diz a letra, que fez dele um dos ícones da sofrência nacional.

Roberto e Erasmo também compuseram o hit “Os brutos também amam”, faixa-título do álbum de Agnaldo lançado em 1972, voltado para os jovens. Três anos depois, a autoral “A galeria do amor” estourou em todo o país. Estrela do cancioneiro tachado de brega, a música inovou ao jogar luz sobre o universo gay. Referia-se à Galeria Alaska, famoso reduto de homossexuais de Copacabana. Agnaldo Timóteo rompia tabus em plena ditadura militar.

Gay 


Tamanha ousadia preocupou a gravadora EMI-Odeon. “Falei: 'Gente, isso é uma realidade. Você sai à noite pra passear, chega na Galeria Alaska e encontra centenas de pessoas se paquerando. Isso é um fato real. É preciso falar disso. São milhões de pessoas que vivem dessa maneira: homens com homens,mulheres com mulheres. Não se pode mais fugir dessa realidade”, comentou Agnaldo em uma de suas entrevistas.

Diretor do documentário “Eu, pecador”, lançado em 2017, Nelson Hoineff contou aos jornalistas ter convencido o cantor, astro do filme, a assumir seus romances com homens. Porém, em várias entrevistas, o mineiro evitava confirmar o homossexualismo. “Não sou assumido nem desassumido. Sou Agnaldo Timóteo”, dizia ele. 

Porém, admitiu experiências “de garoto”, quando menino, com jovens primos. 
Dizia-se a favor dos homossexuais, mas avisou, em entrevista à “Veja”: “Sou radicalmente contrário que essas pessoas agridam a sociedade com atitudes irresponsáveis, vulgares e não convencionais”. 

Referia-se a “homens se beijarem no meio da rua e mulheres se beijando”, o que considerava “uma violência contra a família brasileira”. 

Em 1976, Agnaldo mandou para as lojas o álbum “Perdido na noite”, cuja faixa-título era assinada por ele. Fez sucesso. Uma das canções era “Olhos nos olhos”, obra-prima de Chico Buarque, lançada tanto por ele, pelo autor e por Maria Bethânia. Em 2013, lançou “Minha oração”, com repertório de cunho religioso. (com agências)

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