Saiba como é o trabalho de um 'artista da pequena dimensão'

Mineiro radicado em Blumenau, Daniel Herthel faz obras que medem 50cm x 50cm e procura transformar até peças por encomenda em trabalhos pessoais

Mariana Peixoto 27/01/2021 04:00
Daniel Herthel/divulgação
Tábula rasa é um dos trabalhos de Daniel Herthel, que usa recursos digitais e de pigmentação, além da técnica tradicional da marchetaria (foto: Daniel Herthel/divulgação )
“Olá. Meu nome é Daniel Herthel. Tenho dificuldade de separar artes, ciências e design. Em mim o que segura é o espaço de trabalho e um desejo grande de aprender e ensinar tudo sem segredos.” 

Essa é uma das postagens da conta do Instagram (@herthel) do artista de Barbacena, formado pela Escola de Belas-Artes da UFMG, com casa em Belo Horizonte, mas há um ano vivendo em Blumenau junto da mulher, que é catarinense.

Embora Daniel Herthel, de 35 anos, seja artista visual por formação, hoje ele se considera mais um designer. Trabalhando principalmente com madeira em sua oficina (não ateliê), ele vem construindo uma trajetória de certa forma à margem do circuito convencional das artes. 

Já há alguns anos vem intensificando um trabalho com marchetaria. Grosso modo, a técnica milenar consiste em ornamentar superfícies planas por meio da aplicação de materiais como madeira, metal, pedra, marfim.

Herthel aprendeu sozinho a técnica, que ele utiliza não da forma tradicional. “Faço modificações não só utilizando o universo da produção digital, mas na forma de acabamento, produzindo nuances de cor a partir do estudo de pigmentações”, ele diz. Também utiliza outros materiais além da madeira, como tecidos.

Com 13 anos de carreira, já participou de exposições coletivas, integrou os projetos Rumos Itaú e Bolsa Pampulha. Tem trabalho exposto atualmente na mostra Gráfico grafia, no Museu Histórico Abílio Barreto, com curadoria de Marconi Drummond e Carlos M. Teixeira. No entanto, nunca fez uma individual. A razão é simples: todos os trabalhos que cria são vendidos rapidamente, não ficando nenhum para seu acervo pessoal.
Daniel Herthel/divulgação
Trabalho produzido para a sala Carlos Alberto Pinto Fonseca, do estúdio New Doors, em Belo Horizonte (foto: Daniel Herthel/divulgação)

SOLITÁRIO

É um trabalho solitário, pois Herthel executa todo o processo sem a ajuda de ninguém. Da confecção da obra à venda, realizada por meio de site próprio, que ele deixa ativo apenas quando há peças disponíveis para venda, com preços entre R$ 500 e R$ 10 mil. Houve uma ocasião em que a loja virtual fechou depois de algumas horas, pois as obras esgotaram nesse tempo. 

“Neste momento, em Blumenau, quero criar uma série para ficar comigo e daí eu poder pleitear uma exposição”, diz ele, que pretende ficar no Sul do país até o fim deste ano. Uma das razões que o fez mudar-se temporariamente de BH foi que sua oficina na capital mineira estava pequena demais.

É ainda por meio de sua conta no Instagram que Herthel mostra a feitura de cada obra. Durante três meses, no final de 2020, divulgou diariamente uma grande empreitada, a criação do trabalho Nonada, um jogo de xadrez. O título é uma referência óbvia a Grande sertão: Veredas (1956), a obra máxima de Guimarães Rosa

“Inicialmente, o jogo chamaria Samsara, uma alusão ao eterno ciclo budista. Todas as escolhas formais no desenho do jogo remetem ao círculo. Mas pensei sobre o que seria uma versão mais próxima das minhas origens culturais que falariam sobre esse tema”, ele conta, daí chegando à palavra que dá início à saga de Riobaldo Tatarana.

Foi um trabalho exaustivo, Herthel assume. A criação do jogo de xadrez rendeu cerca de 1 mil vídeos curtos, que foram postados, dia após dia, na rede social (ainda hoje é possível acompanhar o processo do trabalho, desde o momento em que ele pegou a madeira bruta, até o acabamento final das peças do jogo). 
Daniel Herthel/divulgação
O jogo de xadrez Nonada, com um padrão de desenho que remete invariavelmente à forma circular (foto: Daniel Herthel/divulgação)

ATELIÊ ABERTO 
“Esse processo do registro foi uma espécie de ateliê aberto. O trabalho, que nasceu de uma encomenda, acabou se tornando uma obra pessoal”, comenta. Ele considera todos os trabalhos em marchetaria como quadros. “Sou um artista da pequena dimensão, também porque a oficina que tenho é pequena.” De uma maneira geral, os trabalhos medem 50cm x 50cm.

Tudo nasce do desenho, feito a mão no papel. “Depois transfiro para o computador, pois preciso transformá-lo em um desenho vetorial. Aí a coisa vira matemática, pois o encaixe tem que ser extremamente preciso entre as lâminas (de madeira).” Uma vez finalizada essa parte, tem início o processo, que se assemelha a um quebra-cabeças. 

Herthel decidiu trabalhar com marchetaria muito em decorrência da dificuldade em encontrar madeiras maciças. Como suas obras são em pequenos formatos, ele não utiliza grandes quantidades de madeira. “Na marchetaria não existe desperdício. Uso aparas da indústria moveleira. Compro não só em BH, mas em São Paulo, Curitiba, cidades que têm uma indústria moveleira grande e onde consigo sempre variedade de madeiras e de texturas. Uso sempre as rebarbas.” O corte, a laser, permite sempre encaixe e padrões perfeitos.
Daniel Herthel/divulgação
Usando 'as rebarbas' da indústria moveleira, o artista produz peças como Penal (foto: Daniel Herthel/divulgação)

Na universidade, Herthel se formou em escultura. “Sempre tive um interesse por máquinas, por escultura cinética.” Ainda estudante na Belas-Artes, entrou para um estágio no Grupo Giramundo. “O Álvaro (Apocalypse, fundador do grupo de teatro de bonecos; 1937-2003) tinha acabado de falecer e comecei a trabalhar com eles a técnica de animação em stop motion (técnica tradicional, também chamada fotograma a fotograma, em que um movimento contínuo é simulado por meio da disposição sequencial de fotografias diferentes de um mesmo objeto).”

A partir desse trabalho, Herthel criou, em parceria com Maria Leite, o curta de animação Casa de máquinas (2007), realizado em stop motion. “Esse curta é bastante representativo, pois trabalhei com uma estrutura feita inteiramente em madeira, em que manipulei a mão (os objetos) para construir o movimento das cenas.”
 

Hoje ele tem dificuldade em responder como se situa no território artístico. “Eu me considero um designer, pois o processo que me faz executar uma ideia parte muito de princípios técnicos. Deixei de me ver como artista e passei a pensar mais como um cidadão do século 21, pois às vezes faço um desenho simples no papel, mas às vezes enveredo para o meio eletrônico. Fico pensando em qual é esse lugar, pois não tenho portfólio, mas tenho uma produção artística, poética, e vivo dela”, afirma.

THOMAS ARTUZZI/DIVULGAÇÃO
O artista visual Daniel Herthel (foto: THOMAS ARTUZZI/DIVULGAÇÃO )

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