Palhaços aprendem a gravar vídeos para fazer 'visitas' a hospitais

Profissionais do Instituto Hahaha tentam contornar dificuldades técnicas e se aperfeiçoar para manter o contato com pacientes mesmo durante a vigência do distanciamento social

Fernanda Gomes* 29/04/2020 08:04
Fabiano Lana/Divulgação
Com vídeos divulgados em suas redes sociais e um recém-criado canal no YouTube, o Hahaha procurou adotar o método de ''teleconsultas'' para substituir sua presença em hospitais (foto: Fabiano Lana/Divulgação)

Como levar o riso para dentro dos hospitais sem ir até lá? Essa pergunta inquietou os membros do Instituto Hahaha, desde que a pandemia do novo coronavírus começou e as medidas de distanciamento social foram consideradas imprescindíveis para deter a disseminação do vírus. Depois de muito “quebrar a cabeça”, o grupo de palhaços que atuam em instituições hospitalares viu nas redes sociais uma solução possível. E decidiu tentar.

“O espaço hospitalar é muito sério e adulto, e os palhaços ajudam as crianças a se lembrarem de que são crianças. A arte é regeneradora e complementar no tratamento, ajudando-as a passar por ele com mais facilidade”, afirma Eliseu Custódio, gestor do Instituto Hahaha e responsável por dar vida ao palhaço Dr. Custódio.

Assim que surgiu a pandemia, o grupo percebeu que não poderia continuar com as atividades presenciais. “Nós seríamos vetores, porque circulamos muito pelo hospital. Então percebemos que não haveria como, precisávamos sair de cena. Aceitamos o contexto e não paramos de trabalhar”, diz Eliseu.

Para continuar levando as palhaçadas para dentro dos quartos hospitalares, o grupo criou o Plantão Hahaha, por meio do qual são feitas “teleconsultas da alegria” com as crianças. “Antigamente, tínhamos horários fixos. Agora estamos atendendo de acordo com a demanda, respeitando o dia a dia de cada hospital”, diz ele.

Além das teleconsultas, o grupo lançou o Canal Hahaha no YouTube. Nele são postados, duas vezes por semana, vídeos com duração de dois a três minutos, nos quais os palhaços da equipe fazem brincadeiras e contam piadas. Os vídeos são também compartilhados em grupos de WhatApp das mães de crianças hospitalizadas e nas redes sociais do instituto.

Fabiano Lana/Divulgação
Criado há 12 anos, o Instituto conta hoje com 23 profissionais envolvidos no projeto de apoiar crianças em tratamento (foto: Fabiano Lana/Divulgação)

REALIDADE

“A gente vai lidando com a realidade que tem. O que não podemos, de maneira nenhuma, é sobrecarregar os profissionais de saúde”, ressalta Eliseu. Mas ele diz que os próprios profissionais da saúde cobram os vídeos, já que, devido ao surto de COVID-19, as saídas das crianças dos quartos foram reduzidas, e elas precisam de conteúdos para se distrair.

O grupo atua no Hospital das Clínicas da UFMG, Santa Casa, Hospital da Baleia, Hospital Infantil João Paulo II, Hospital João XXIII, Hospital Paulo de Tarso e Instituto Geriátrico Afonso Pena (Igap). Em cada um deles, os profissionais se esforçam para que os pacientes tenham acesso aos conteúdos, seja por tablets, televisores ou celulares particulares emprestados pela equipe da unidade.

“É um jeito de estar perto, mesmo estando longe. A gente fingindo que é médico e tentando consultar. O palhaço entra nesse jogo de tentar acertar e sempre errar. E o erro é o sucesso”, comenta Eliseu.

O gestor do projeto admite que não está sendo fácil para a equipe se adequar à produção dos vídeos. “Cada palhaço na sua casa, com seu cachorro, gato, na cozinha, mostrando os objetos. Mas estamos assumindo com alegria, inovação e aprendendo. Uns são mais ágeis, outros têm mais dificuldades. Vamos ajudando um ao outro.”

O mais importante é que o resultado do esforço, ainda que tenha precariedades, seja visto. “Se tem público, o palhaço se mostra. Ele quer ser amado, está buscando o olhar por trás da câmera, escutando, amando. O palhaço é doido para encontrar”, diz Eliseu. Segundo ele, a equipe tem recebido muitos elogios das crianças, dos profissionais da saúde e das instituições que patrocinam o projeto.

Criado em 2012, o Instituto Hahaha é composto por 23 pessoas, entre artistas, médicos, profissionais da administração e da comunicação. “É um trabalho profissional, não amador”, afirma Eliseu, ao ressaltar os treinamentos feitos pela equipe.

“Não tem uma receita: a criança é quem manda. A gente vai conquistando e criando vínculos. Não podemos sair e deixar o quarto na mesma energia, a nossa função é transformar o ambiente.”

Fabiano Lana/Divulgação
No "Plantão Hahaha", os "doutores" tentam acertar o diagnóstico nas consultas, mas erram sempre, fiéis ao espírito da palhaçaria (foto: Fabiano Lana/Divulgação)

Com saudades,  crianças gravam 
mensagens para os palhaços


Para algumas das crianças atendidas pelo Instituto Hahaha, as visitas dos palhaços não são apenas um modo de aliviar a tensão do ambiente, mas também o único contato que têm com o mundo fora do hospital.

“Desde que ela foi internada, não pode ir para casa. É muito difícil os familiares virem, e o pai só pode vir de vez em quando. Nesse contato com o Instituto, ela vem evoluindo muito rapidamente. Com eles, ela conversa e brinca”, afirma Adriana dos Santos, sobre a filha Emanuelly, de 5 anos.

Emanuelly tem miopatia intestinal visceral e está há dois anos internada no Hospital das Clínicas. Adriana explica que as visitas não apenas divertem a filha, mas ajudam no tratamento e no crescimento da criança. “Ela é muito inteligente, mas não pode ir para a escolinha. Com eles (os palhaços) ela evolui muito. Ela conhece e sabe o nome de cada um deles”, diz a mãe.

“Essa pandemia atrapalhou bastante, porque eles não podem vir. Mas ela se comunica com eles (os palhaços) pela internet e pelo WhatsApp. Eles mandam vídeos para ela, e ela manda vídeos para eles e grava áudios. É muito bom eles manterem esse contando com ela. Eu fico muito feliz com isso.” A família de Adriana mora em Ponte Nova, o que dificulta as visitas de parentes. Para as duas, o hospital é como uma segunda casa.

DOR

Segundo o pediatra Sérgio Diniz Guerra, do Hospital da Baleia, o trabalho do Instituto nos hospitais faz com que a relação entre as crianças e a equipe de saúde melhore. Além de fazer com que os pequenos se alimentem melhor, em alguns casos, ajudam para que precisem de menos remédios para dor.

No Hospital da Baleia, Sérgio, que também é aprendiz de palhaço, foi o responsável por ajudar os pacientes a entender como funciona o "Plantão Hahaha" e as consultas on-line que o Instituto vem promovendo nesse período da pandemia. “Fiz alguns vídeos com as crianças falando que estávamos com saudades do Hahaha. E as famílias não só permitiram, mas pediram que eu os publicasse, conta o pediatra.

Os vídeos gravados por ele foram publicados no Instagram (@sergiodinizguerra) e enviados ao Instituto. A partir daí, os pais das crianças tomaram a frente e passaram e se comunicar diretamente com os palhaços. “Como o Instituto vinha duas vezes por semana, as crianças e adolescentes criaram vínculos e sentem falta. O atendimento on-line ameniza muito isso”, avalia.

*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes

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