Representantes da classe artística temem fusão das secretarias de Cultura e Turismo

Artistas consideram a junção das áreas com perda de status para o setor cultural

por Márcia Maria Cruz 21/01/2019 07:10
Son Salvador
(foto: Son Salvador)
A decisão do novo governo de Minas Gerais de fundir as secretarias de Estado da Cultura e do Turismo é vista com ressalvas pelos profissionais das artes. A décima segunda pasta foi anunciada na quinta-feira (17) pelo governador Romeu Zema (Novo) e faz parte da proposta de reforma administrativa que será enviada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Inicialmente, o governo previa que a pasta fosse incorporada pela Secretaria de Educação e artistas e produtores temiam que fosse extinta.

Quando o governador anunciou que o vice-governador Paulo Brant ocuparia a pasta, os artistas respiraram aliviados. Por já ter sido secretário de Cultura, Brant foi aprovado pelo setor artístico quando a nomeação foi publicada no Diário Oficial, em 2 de janeiro. Desde então, Brant ocupa a função interinamente, já que a fusão deverá ser acompanhada da indicação de outro nome para a pasta. A expectativa é que sejam confirmados os rumores a respeito da nomeação do jornalista e empresário Marcelo Matte como secretário.

Hoje, às 19h, na Casa do Jornalista, será realizado encontro dos representantes do Fórum Permanente de Cultura, composto por 4 mil agentes culturais, que deverá se posicionar sobre a fusão. Os profissionais do setor compreendem que, de fato, a crise econômica e financeira do estado requer enxugamento da máquina pública. No entanto, apontam que turismo e cultura são setores que, embora conversem entre si, têm lógicas e especificidades que podem não receber a atenção devida diante da junção.

“Entendo a fusão como necessidade momentânea, decorrente da crise econômica e financeira de Minas Gerais. Embora cultura e turismo integram uma mesma cadeia econômica, sobretudo no setor dos serviços, elas têm agentes e entidades diferentes”, afirma Mauro Werkema, que participou da equipe que fundou a Secretaria de Estado da Cultura, em 1983, no governo de Tancredo Neves. O primeiro a assumir o cargo de secretário estadual de Cultura foi José Aparecido de Oliveira (1929-2007) que, mais tarde, chefiaria o Ministério da Cultura.

Com experiência no campo da gestão pública da cultura – foi presidente da Fundação Clóvis Salgado, da Belotur e da Fundação Municipal de Cultura –, Werkema destaca as diferenças entre as duas áreas: o setor turístico é composto por empresários, hoteleiros, transportadores e donos de restaurantes, enquanto na cultura há profissionais com outras expertises, embora se caracterizem por criar redes de atividades complexas, espraiadas por todo o estado. ““Em Minas Gerais, existem muitos atrativos turísticos de natureza cultural, como as cidades históricas. A área da cultura, por outro lado, é composta por promotores culturais, que, evidentemente, também conta com empresários, mas são condutas e negócios distintos.”

Para Werkema, a convivência entre as áreas é natural e complementar. “A fusão é viável. Mas é claro que, para isso, é preciso fazer mudanças burocráticas e administrativas”, afirma. A fusão representa um desafio de gestão para o futuro secretário. “É preciso definir bem as diferenças burocráticas, as responsabilidades gerenciais e as compatibilidades, mas entendo como necessidade de momento, que pode ser realizada dentro de um plano de gestão, que compartilha responsabilidade e metas”, aponta Werkema.

A acomodação das duas áreas em uma única pasta pode resultar em perda de status para o setor cultural como avaliam os artistas. O ator e diretor Marcelo Bones e o presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), Rômulo Duque, temem que isso possa representar retrocessos em termos de implementação de políticas públicas. “Fica claro que este é um tipo de economia que não resulta em ganhos para o cidadão e para a sociedade. As estruturas de gestão da cultura são específicas e sofisticadas. Colocá-las com outras temáticas da administração pública somente enfraquece o papel fundamental que a cultura tem no desenvolvimento de uma sociedade”, afirma Marcelo Bones.

Para o diretor, a perda de espaço da cultura não é prerrogativa apenas de Minas e vem ocorrendo nacionalmente. “Estamos assistindo nos últimos anos a um desmonte das políticas públicas para a cultura em todo o país. Assistimos agora, em nosso estado, o fim da autonomia específica da Secretaria de Cultura e, em nosso país, o fim do Ministério da Cultura. Tempos tristes!”, completa.

Um grupo de artistas e profissionais do campo da cultura se encontrou, no dia 14, na Casa dos Jornalistas, com o coronel Carlos Henrique Guedes, representante do governador para a interlocução com o setor. O diretor teatral e produtor cultural Rômulo Duque foi um dos participantes e ele se surpreendeu com o anúncio da fusão. “Naquele encontro, ele trouxe a informação que não haveria fusão. O anúncio nos decepcionou muito. Se de fato se concretizar, teremos que lidar com essa questão até o momento que se possa reverter esse quadro. A fusão não reflete a importância da cultura do estado. A cultura precisa ter secretaria única e independente, uma representação forte para que não se misturem as políticas públicas”, afirma Duque.

A partir da reunião do Fórum Permanente de Cultura, prevista para hoje, os artistas devem apresentar posição sobre a fusão. “Na reunião que fizemos com o governo, segunda passada, a informação era de que a cultura seria ‘fortalecida, modernizada e empoderada’. Em nenhum momento houve qualquer indicativo de que a área poderia ter papel de coadjuvante, em lugar do protagonismo que merece”, afirma Israel do Vale, integrante do fórum e ex-presidente da Rede Minas.

CAMINHOS Israel pondera que o nome a ocupar a pasta é fundamental na definição dos caminhos. “Qual o perfil de quem vai assumir a pasta? Seria um profissional de turismo com interesse e visão no papel potencial da cultura como indutora do turismo ou um profissional da área cultural com visão ampliada e capaz de conectar o turismo como vitrine para as indústrias criativas, fortalecer o artesanato e as manifestações da cultura popular?”, questiona. Para Marcelo Bones, no momento, a questão não é quem ocupará a pasta, mas sim a importância que será dada ao setor.

Embora sem confirmação, o nome do jornalista Marcelo Matte tem recebido aprovação do setor artístico. “Marcelo é um homem experiente, jornalista e empresário de bom diálogo e bom equilíbrio. Vem de fora. É gaúcho, mas se identificou muito com Minas Gerais nas quase duas décadas em que vive aqui e estou confiante que podemos viver um tempo bom em função da emergência financeira e econômica que passa Minas Gerais”, disse Werkema.

Rômulo Duque também vê com bons olhos a indicação. “Marcelo Matte sempre foi um grande apoiador do Sinparc e da Campanha de Popularização Teatro e Dança. É muito competente, tem experiência na administração privada. Ele conhece Minas e o setor cultural. É um nome com quem é fácil de se relacionar”, conclui. A assessoria de imprensa do governo informou ao Estado de Minas que o nome de Matte ainda não foi oficialmente apresentado.

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