Declarações polêmicas põem famosos na berlinda globalizada das redes sociais

Alvos de haters, Morrissey, Erykah Badu, Bruno Gagliasso e Roseanne Barr têm reputação abalada

por 09/07/2018 08:00

Julio Cesar Aguillar/AFP
Julio Cesar Aguillar/AFP (foto: Julio Cesar Aguillar/AFP)
“Tenho acompanhado um novo partido chamado For Britain. É a primeira vez na vida que vou votar em um partido político. Finalmente, tenho esperança”, declarou o cantor e compositor Morrissey. Criado em 2017, o For Britain é um pequeno partido de extrema-direita do Reino Unido – sua figura de frente é a ativista anti-islã Anne Marie Waters.

“Sou humanista. Vejo o bem em todo mundo. Vi algo bom em Hitler”, disse a cantora norte-americana Erykah Badu em entrevista ao site Vulture. Durante a conversa, ela ainda disse “amar Bill Cosby e o que ele fez pelo mundo”. Sobre as dezenas de acusações de estupro que pairam sobre o veterano ator, Badu comentou entender que ele está doente “e pessoas doentes fazem coisas más”.

“A Irmandade Muçulmana e o Planeta dos Macacos tiveram um bebê. E ele é VJ ”, tuitou a comediante Roseanne Barr. VJ é Valerie Jarrett, ex-assessora de Barack Obama, negra e nascida no Irã, de pais americanos.

Polêmicas geradas em decorrência de declarações (ou tuítes) controversos são, nos dias de hoje, o arroz com feijão de sites e redes sociais – a reverberação, antes local, ganha com o mundo digital uma dimensão globalizada. Não há boas notícias, infelizmente.

O Brasil acompanhou, na última semana, ofensas e acusações em torno desse tema. O tuíte “Mbapeé conseguiria fazer uns arrastão top na praia”, feito pelo youtuber Júlio Cocielo – de 25 anos, 16,8 milhões de inscritos em seu canal e autoproclamado “um ninguém em algum lugar tentando ser qualquer coisa” –, detonou um pequeno tsunami na internet que teve repercussões inesperadas (leia nesta página).

Como toda ação gera uma reação, a resposta para tais declarações não tardaram a chegar. Morrissey cancelou todos os shows europeus de seu mais recente álbum, Low in high school (2017) – com canções que falam de Brexit, sexo oral e Israel. A justificativa foram “problemas logísticos”.

FESTA Mas ontem, por exemplo, quando ele faria um show em Manchester, Inglaterra, cidade dos Smiths, ocorreu a festa One nation under a groove. No Facebook, o evento foi apresentado como “uma festa gratuita originalmente criada para coincidir com a próxima visita de Morrissey a Manchester, em resposta às opiniões divisivas dele e seu apoio à extrema-direita.”

O compositor britânico só vai retomar a turnê em 23 de novembro, na Cidade do México – tem shows marcados para 30 de novembro, no Rio de Janeiro, e 2 de dezembro, em São Paulo. Levantamento do site Consequence of Sound revela que desde 2012 Morrissey já cancelou 134 apresentações. O cantor continua firme em suas posições. “As pessoas têm uma necessidade urgente de expressar o seu... bem, não é desaprovação, é ódio”, afirmou Morrisey sobre as publicações contrárias a ele nas redes sociais.

Erykah Badu também manteve o que disse. Questionada pelo jornal The Guardian a respeito da fala sobre Hitler e Bill Cosby, a cantora declarou não se arrepender de nada. “As pessoas são muito sensíveis no clima atual. É muito compreensível.”

O ruidoso tuíte racista de Roseanne Barr lhe valeu, em maio, o cancelamento da série Roseanne – a mais assistida da TV americana na temporada 2017/2018 pelo público adulto (entre 18 e 49 anos). A veterana comediante voltou à tona recentemente, depois que a rede ABC confirmou que a série será exibida. Com o mesmo elenco, novo nome (The Conners) e sem a presença dela.

“Lamento as circunstâncias que fizeram com que fosse retirada de Roseanne. Desejo o melhor a todos os envolvidos”, afirmou a atriz. Neste mês, em entrevista ao rabino Shmuley Boteach, um dos religiosos mais populares dos EUA (foi guru espiritual de Michael Jackson), Roseanne afirmou já ter recebido propostas para retornar à TV.

NÃO ÀS REDES Palco mundial de exposição de opiniões, as redes sociais geram tanto amor quanto repulsa. Um dos mais importantes escritores norte-americanos da atualidade, Jonathan Franzen – autor de Liberdade (2010), considerado um clássico do nosso tempo – vive essa dualidade há alguns anos.
Vítima constante de haters, que costumam reduzi-lo a “escritor branco de classe média”, publicou Pureza, em 2015. Em seu quinto e mais recente romance, ele faz reflexões sobre a exposição no mundo digital.

Crítico mordaz das redes sociais, Franzen vem passando por um período difícil, conforme destacou extensa e recente reportagem do The New York Times. Foi interrompida a adaptação de Pureza para a TV – em série produzida pelo canal Showtime, com Daniel Craig como protagonista e o próprio Franzen como roteirista. Seus livros, que nos EUA atingiam a casa do milhão em vendas, tiveram uma queda brusca – Pureza não ultrapassou os 250 mil exemplares.

Franzen se mantém distante de controvérsias. Afirma não ler o que falam dele. Não está em nenhuma rede social. “Você pode perder um meme e nada realmente muda. Não preciso de engajamento na internet para me tornar vulnerável. A escrita real me faz vulnerável”, afirmou.

 

FOGO CRUZADO

Depois das ofensas ao craque francês Kylian Mbapeé, o youtuber Júlio Cocielo teve tuítes antigos, também de cunho racista, expostos por internautas. Responsável pelo Canalha, o quinto canal do YouTube com maior número de assinantes no Brasil, Cocielo participou recentemente de campanhas publicitárias do Itaú, Submarino e Coca-Cola, entre outras empresas.

A repercussão negativa levou patrocinadores a cortarem laços com o youtuber. “Ele não faz mais parte de qualquer peça de comunicação”, informou o Itaú, que exibiu até o fim de junho um vídeo para a Copa com Cocielo. Em comum, as empresas que o contrataram como garoto propaganda afirmaram não tolerar qualquer tipo de discriminação.

Cocielo, como prega a cartilha, apagou os comentários considerados ofensivos e fez um mea-culpa público: “Arrependido e aprendido. Lição pra vida. Nunca mais se repetirá. Peço desculpas publicamente por ter ofendido inúmeras pessoas.”

Um dos maiores críticos de Cocielo foi Bruno Gagliasso. O ator, com presença constante em redes sociais, pediu boicote a Cocielo ao republicar um texto da jornalista Isabela Reis. “Temos que cobrar posicionamento das marcas que o patrocinam, é claro. Mas são os outros famosos que ainda o seguem e, principalmente, as pessoas comuns, anônimas, que verdadeiramente me preocupar. Apoiar uma pessoa racista é ser conivente, sim”, diz o texto.

BOIOLA Pois assim como ocorreu com Cocielo, Gagliasso também teve posts antigos recuperados por internautas. Em 2009, o ator tuitou: “Papai Noel é boiola porque vive com o saco na mão, anda com um monte de viado e sempre aparece na noite do dia 24”.

Pois a reação de Gagliasso foi muito semelhante à de Cocielo. Além de apagar post antigos, o ator veio a público pedir desculpas: “Estou aqui em 2018 respondendo com minhas ações e atitudes por quem já fui também em 2009 e mesmo antes disso. De alguma forma, todos estamos. Não é passando o pano no preconceito, mas sim passando tudo a limpo, que o mundo vai se tornar um lugar melhor”.

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