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Estado de Minas

Grafites feitos por mulheres oferecem novos olhares sobre Belo Horizonte

Morro Arte Mural (MAMU), intervenção de arte urbana no Alto Vera Cruz, colore e transforma a paisagem do bairro. Ação teve apoio dos moradores e contou com artistas locais e convidados de São Paulo e Curitiba


08/07/2018 08:00 - atualizado 08/07/2018 11:04

Fotos Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press(foto: Fotos Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)
Fotos Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press (foto: Fotos Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)

Se um exercício de transposição do tempo fosse possível, Belo Horizonte deveria ser reapresentada a Aarão Reis, engenheiro e urbanista que a projetou. A cidade não é mais aquela menina do início do século 20, graças às intervenções artísticas propostas por mulheres. A capital tem rosto do século 21, delineado por inúmeras ações de ocupação do espaço público.

Três dos mais recentes projetos de arte urbana idealizados por artistas e produtoras são o Território Arte Urbana (TAU), proposto por Gisele Milagres e Maria Carolina Campos, da Mercê; Morro Arte Mural (MAMU), por Juliana Flores e Janaína Macruz, da Pública, e Circuito Urbano de Arte (Cura), por Juliana, Janaína e Priscila Amoni. Telas Urbanas, ação pioneira, também teve mulheres em papel de destaque.

Batizada oficialmente de Belo Horizonte em 1901, por quatro anos foi chamada de Cidade de Minas. A primeira denominação do povoado, no entanto, foi Curral Del Rei. Ao longo desses 120 anos de existência, os três nomes dados à capital mineira sentenciaram o que ela se tornou.

De curral, que designa cercado onde se recolhem bois, passou à atual alcunha, que evoca tanto a beleza (Belo), como a não existência de limites (Horizonte). Não há mais boiada. Não seguir os desígnios de cidade entre contornos, de certo, é o que move a ideia dos três projetos.

O crescimento da cidade projetada por Aarão Reis fez com que o Rio Arrudas se transformasse em um problema urbanístico para a cidade. Certamente, se preservado fosse, seria uma das belas paisagens da cidade. No entanto, essa função de cartão-postal, na atualidade, cabe ao Alto Vera Cruz.

É impossível não mirar e ver o Morro Arte Mural (MAMU). Foram pintadas 43 casas, formando um macromural que dá face para a Avenida dos Andradas.

O trabalho nasce com o mérito de projetar a capital no cenário da arte urbana internacional: o primeiro macromural da cidade é o quarto maior da América Latina, como destaca a grafiteira Wanatta, de 24 anos, moradora da comunidade que esteve na produção do projeto.

Céu aberto


Os projetos de arte urbana, em Belo Horizonte, levam para o centro artistas que estavam nas margens e colocam em diálogo artistas de perfis e trajetórias diferentes. No Alto Vera Cruz, o paulista Zeh Palito e o curitibano Rimon Guimarães, do coletivo Cosmic Boys, juntaram-se aos artistas locais Marlon, Abay, Camila Baldon, Drin, Peter e Luca para fazer a obra a céu aberto.

“É o desenho da planta favela, que deu origem ao nome das comunidades. As folhas sobem num movimento sutil, chegando ao sol, no topo do morro”, diz Wanatta.

Uma das idealizadoras do projeto, Jana Macruz explica que o Alto Vera Cruz foi a comunidade escolhida para receber o projeto por ser uma das cenas mais fortes do grafite na capital, com nomes como Wanatta e Negro F.

“Negro F é meu pai no grafite. A primeira vez que vi uma lata de spray tinha 7 anos de idade”, conta Wanatta. Ela é um dos talentos artísticos que ganha projeção na cidade. Em seu perfil do Instagram em que mostra seus trabalhos, conta com mais de 12 mil seguidores. Embora pareça nome artístico, Wanatta é de batismo, dado pela mãe dela, Maria Gorete, que faleceu há oito anos.

“É um nome que vem de tronco linguístico do iorubá, o suaíli. Significa viscosidade. Só depois entendi. Minha mãe foi genial. A tinta é viscosa, resiliente. Meu nome é um resgate.”

Os artistas que assinam o mural são de São Paulo e Curitiba, mas o projeto só nasceu graças aos moradores que abraçaram a ideia. “Toda a metodologia é participativa. Quem escolheu o lugar das pinturas foram os moradores grafiteiros. A equipe foi indicada por eles”, diz Janaína. Dos seis assistentes de pintura, cinco são oriundos da comunidade.

Santa Tereza Vira Tela


Mais novo dos projetos de arte urbana em curso em BH, o TAU selecionou 15 artistas: Itamara Ribeiro, Clara Valente, Karina Felipe, Tatiana Cavinato, Priscila Amoni, Fernando Fonseca, Cris Rodrigues, Zadô Luz, Guilherme PAM, Alexandre Rato, La Niña, Iron, Camila Lacerda, Binho Barreto e Denise dos Santos.

Entre os próximos dias 24 e 28 os artistas criarão intervenções nas fachadas de 10 estabelecimentos do Bairro Santa Tereza, na Região Leste, e pintarão mural no metrô do bairro. A diversidade nas linguagens artísticas contraria a ideia de que a arte urbana se encerra no grafite.

Em vez de focar numa linguagem, o TAU dialoga com várias: instalação, escultura, lambe-lambe, pintura, grafite e muralismo. Uma das selecionadas, a artista fluminense Itamara Ribeiro transfere, por exemplo, o bordado, em geral feito em ambientes privados por mulheres, para o espaço público.

Ela cobrirá de bordados uma fachada de quase três metros. “Trabalhava com dimensões menores. É a primeira vez que vou pegar uma empreitada tão grande”, conta. Itamara não perde o trocadilho: “Para quem trabalha com fio, é um grande desafio”.

Guilherme PAM criará uma árvore construída de sucatas para, simbolicamente, ser colocada no local onde uma espécie foi cortada. “É uma alegoria de algo que não é mais. A arte urbana é um movimento forte de resistência”, afirma.

Zadô Luz trabalha com retratos de pessoas negras em plotagens de 2 metros de altura, com o propósito de questionar formas e padrões de beleza impostos.

Bicicleta


Seis artistas farão intervenções de muralismo, grafite e lambe-lambe no muro do metrô. Cada um deles terá uma área de 5m por 2,5m. La Niña, que em sua pesquisa artística foca no registro de ciclistas urbanos que usam a bicicleta como meio de transporte, é uma delas.

“Fico feliz em ver a arte urbana ser valorizada. A arte de rua tem uma pegada crítica, dialoga com questões de grupos minorizados, como feminismo. Os ciclistas também fazem parte de minoria”, diz.

Denise dos Santos leva para o mural fotografias de jovens residentes nas comunidades remanescentes dos quilombos de Rodrigues e Marinhos: “gigantografias”. Faz para o TAU recorte do trabalho focado nas temáticas da mulher, da juventude e da negritude.

“Para mim, intervenção urbana é isso: trazer um olhar individual ou coletivo para um espaço diverso e usufruir disso como uma plataforma de diálogo e política.”

Moradora de Santa Tereza há 22 anos, a artista plástica Camila Lacerda fará pintura em um dos becos da Vila Dias, comunidade que integra o bairro, mas que, muitas vezes, fica segregada. “É uma maneira de integrar a Vila Dias com o restante do bairro”,

Gisele Milagres aposta na democratização possibilitada pelo gesto de levar a arte para a rua. “O público entra na obra. Santa Tereza é um bairro vivo, que mantém relação bacana com arte”, destaca. Para ela, a cena de arte urbana se ampliou pela ação dos artistas e pelo movimento do poder público no sentido de criar políticas para fomentar essa produção.

Isso, como ela lembra, implica entender a noção de patrimônio público – que é o caso de Santa Tereza – como algo a ser conservado, mas sem perder a possibilidade de diálogo com as produções contemporâneas.

Onde ver


MAMU
Macromural no Alto Vera Cruz, Região Leste de Belo Horizonte

TAU – Território Arte Urbana
Bairro Santa Tereza, BH (Praça Duque de Caxias, Ruas Mármore, Dores do Indaiá,
Divinópolis, Silvianópolis e Praça Joaquim Ferreira da Luz. Execução das obras: de 24/7 a 28/7. Mostra aberta ao público: de 28/7 a 19/8.

CURA
Murais na região central feitos por Acidum Project, Davi de Melo Santos (DMS), Marina Capdevilla, Milu Correch, Priscila Amoni e Thiago Mazza


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