Pintura se transforma na manifestação artística mais instigante produzida no estado

Nova geração de artistas mineiros mescla linguagens e técnicas

por Walter Sebastião 20/02/2015 08:30

ALAN FONTES/ARQUIVO PESSOAL
'La Foule' (2012), de Alan Fontes (foto: ALAN FONTES/ARQUIVO PESSOAL )
A mais surpreendente manifestação da arte feita em Belo Horizonte, no século 21, até agora, é a pintura. A fotografia e a arte experimental continuam produzindo artistas admiráveis. Mas a novidade na cena de artes visuais são pintores que, a partir de referências as mais diversas, vêm produzindo imagens que são a cara do nosso tempo.

 

Esse fenômeno tem origem na primeira metade da década de 2000 e, desde então, só se expandiu. Alguns artistas vinculados a essa tendência começam a ganhar reconhecimento nacional. Outros comemoram estar vivendo do ofício ou atraindo o interesse de galerias do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Entre os nomes que merecem destaque pela qualidade de seu trabalho e também por abrir caminho para a nova pintura estão Alan Fontes, Leonora Weissmann, Manuel Carvalho, Rafael Zavagli e Gustavo Maia.

 

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Alan Fontes tem 34 anos. Ele inaugura, em abril, exposição no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. A mostra será apresentada também nas unidades da instituição em Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. Paralelamente a essa exposição, Fontes apresenta trabalhos na Galeria Laura Marsiaj e, ainda em 2015, terá outros compromissos em São Paulo. Agenda livre, só em 2017.

Quando Fontes iniciou sua carreira, era uma época de poucos pintores e com presença rarefeita da pintura no circuito de arte. A situação mudou. “Hoje, a pintura é vista no mesmo espaço da performance, da fotografia. Pintura não é mais a estrela absoluta do mercado, mas também não é estigmatizada como em outros tempos”, afirma.

“Minas Gerais, hoje, tem pintura melhor do que outros lugares, mas nos falta acesso aos meios que legitimam a arte”, diz o artista, referindo-se a feiras, acesso a curadores, participação em grandes mostras nacionais.

Foi precisamente por produzir nesse contexto que Fontes passou a buscar, metodicamente, mais visibilidade para o seu trabalho. Fez mostras institucionais, participou de programas de residência, procurou galerias interessadas em representá-lo. “Como pintura consome tempo, consolidar a carreira com ela é mais difícil. Sentia que precisava de uma base mais sólida para o meu trabalho.” O próximo passo que ele avista para sua carreria é conseguir “uma boa” galeria em São Paulo.

“O que fiz foi um caminho. Existem outros”, diz Fontes. “Há artistas que têm uma carreira local e estão muito bem”, acrescenta. “Para quem trabalha com pintura, o essencial é disciplina. Não há, em pintura, possibilidade de fazer cópias, como na fotografia. Portanto, não há como participar de várias mostras ao mesmo tempo”, diz, para enfatizar que consolidar a carreira na pintura exige paciência e muito trabalho.

PIONEIRA

Leonora Weissmann, de 32, foi pioneira no movimento que trouxe a pintura de volta ao circuito de arte. A linguagem visual dela influenciou vários artistas. Ao observar o contexto à sua volta, Lenora considera positiva a movimentação na área. “Faz com que me sinta menos solitária”, diz, ainda que tenha receio do modismo. “Houve momentos em que tive a sensação de estar no caminho errado, mas nada tirou a minha paixão pela pintura”, afirma, citando a época em que a pintura esteve à margem da produção contemporânea.

Paralelamente à sensação de solidão, a artista começou a sentir a satisfação de, aos poucos, ver sua obra adentrar o mercado e não só em Belo Horizonte. Numa mostra em São Paulo, há alguns anos, vendeu seis telas para um único colecionador. “Isso traz um sentimento de que o trabalho se comunica, de que havia mais gente do que imaginava que conhecia o que eu estava fazendo.”

A artista tem, no entanto, uma queixa em relação às circunstâncias do mercado para a pintura em Belo Horizonte: “Existe uma resistência em visitar exposições de artistas que vivem e trabalham na cidade. As mostras que realizamos têm público, mas restrito. Já vi exposições muito boas que mereciam mais visitantes do que receberam.” Ela lembra que “a resposta do público é importante para o artista” e assevera que isso não quer dizer fazer arte pensando em aceitação. “O problema é que sentir-se incompreendido é muito angustiante e mata.”

IDENTIDADE

A primeira década de atividades do pintor Manuel Carvalho, de 33 foi de experimentação e alguma angústia. “Trabalhar com arte é assim”, brinca. Esses sentimentos, diz ele, brotam no momento em que se ganha mais espaço e é necessário tomar decisões. É preciso escolher um caminho, produzir e selecionar trabalhos que mostrem uma visão de mundo pessoal, buscar o diálogo com o público, analisar o que é importante para a evolução da pesquisa em andamento.

“Estou inteiro nos meus trabalhos, mas não tenho uma linha. Às vezes misturo tudo numa mesma tela”, conta, avisando que pode ser minimalista ou barroco, fazer abstração ou figuração e, ainda, que trabalha com várias técnicas.

Fazer exposições e vender as obras, no momento, não é, para Manuel Carvalho, uma preocupação. “Continua complicado, mas sempre recebo propostas que, na medida do possível, aceito”, conta, satisfeito por estar vivendo só do que faz. Carvalho tem avaliação positiva do mercado de arte de Belo Horizonte. Mas sente falta de ações que insiram a produção feita na cidade no circuito nacional de arte. “Sinto que, com algumas exceções, ainda dependemos muito da legitimação que vem de outros centros. Sabemos tudo que acontece no Rio e em São Paulo, mas não o que está sendo feito em Belo Horizonte”, critica.

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