Arquiteto da Shakespeare Theatre Association está em Minas para a construção de réplica do Globe Theatre

O local será feito de pau a pique e sapé, em Rio Acima. Ideia é de que o trabalho seja concluído a tempo para celebração dos 400 anos da morte do autor

por Carolina Braga 25/09/2013 07:22

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 Beto Novaes/EM/D.A Press
Mauro Maya e o arquiteto Peter McCurdy planejam concluir o Globe de Rio Acima (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
Da casa cor-de-rosa onde vive há mais de 50 anos, a aposentada Maria Timóteo observa de camarote a movimentação do vizinho da direita. Já são 75 anos de vida e, até então, tudo parecia parado demais. Nos últimos tempos, porém, o casarão ganhou novas cores com a chegada do Instituto Gandarela a Rio Acima. A tendência – por enquanto no papel –, é de que nos próximos dois anos o cenário se transforme completamente.

“É bom porque vai trazer mais movimento para cá, né? A gente não vai ficar abandonado”, diz a moradora da cidade. A mudança vai muito além. É no terreno ao lado da casa de dona Maria que será erguida a réplica brasileira do Globe Theatre, o teatro elizabetano construído por William Shakespeare no século 16. Esta semana, representantes da Shakespeare Theatre Association (STA) estão em Minas para acertar detalhes da obra e também do simpósio internacional planejado para inaugurar o espaço em 2016, ano que marca os 400 anos da morte do autor de 'Hamlet'.

Em janeiro começa a terraplanagem da área de 20 mil metros quadrados que receberá o complexo. Serão construídos, além do Globe, outro teatro com capacidade para 400 lugares, escola, espaço de exposições, além de ampla área urbanizada. Tudo sob a supervisão do Instituto Gandarela, cujo nome é referência à serra que cerca Rio Acima. Responsável pela reconstrução do Globe Theatre em Londres, o arquiteto Peter McCurdy está na cidade discutindo o projeto com os colegas brasileiros Du Leal e Eduardo Beggiato.

“O Globe Theatre é um projeto raro no mundo. Queremos que o daqui também seja único”, afirma McCurty. A vinda do projeto inglês está sendo costurada desde 2009. Tudo começou com um “delírio” do ator e produtor mineiro Mauro Maya, fundador do Instituto Gandarela, que viu em Minas potencial para receber uma réplica do espaço.

Com ajuda da professora e pesquisadora Aymara Resende, entrou em contato com estudiosos do STA e conseguiu apresentar a ideia. Em 2010, os primeiros representantes do Globe estiveram no Brasil e deram o sinal verde. “Quando o teatro foi reconstruído em Londres, a ideia foi que ele fizesse parte da revitalização de uma área industrial abandonada. Levar arte, cultura e educação para ajudar a comunidade. Rio Acima é uma cidade pequena, abandonada depois da mineração e também pode se beneficiar desse processo”, defende o arquiteto inglês.

Segundo Peter McCurdy, embora a ordem seja reproduzir o original, não está descartada a possibilidade de mesclar um pouco das duas culturas. Depois de passar alguns dias entre Tiradentes e Ouro Preto, ele pretende incorporar ao estilo elizabetano as cores utilizadas nas paredes da arquitetura histórica de Minas. O teatro brasileiro será um pouco menor que o inglês. A estrutura, no entanto, será a mesma: paredes em pau a pique, com telhado feito em sapé.

Como Du Leal explica, apesar de adotar o mesmo sistema de construção, o uso de materiais nacionais distinguirá o Globe de Rio Acima do londrino. “O esqueleto vai ser feito lá, seguindo rigorosamente o projeto original. Vão trazer e finalizar aqui, com mão de obra brasileira”, detalha a arquiteta. A madeira que será utilizada no palco é especialmente tratada para beneficiar a acústica.

Aliás, tudo na construção do Globe Theatre, apesar de utilizar técnicas modernas, é feito como no tempo de Shakespeare. Para Peter McCurdy, tal fidelidade é reponsável por atrair grupos do mundo inteiro ao espaço. “Fica mais fácil entender Shakespeare e como as peças estão relacionadas com a arquitetura. Você aprende mais fazendo as coisas de maneira apropriada”, diz.

Galpão


Do Brasil, apenas o Grupo Galpão teve o “gostinho” de pisar em tão cultuado palco britânico, por duas vezes, em 2000 e 2012, ambas com 'Romeu e Julieta', a incensada montagem dirigida por Gabriel Villela. “É muito especial. De fato vivemos essa coisa do espaço elizabetano. A relação que se estabelece com o espectador é muito bonita. É um intermediário entre o palco e a rua”, comenta o ator Eduardo Moreira, o Romeu da montagem mineira.

Se a proposta é mesmo viajar no tempo, no Globe não se usam microfones nem iluminação artificial. As montagens têm que ser apresentadas durante o dia, justamente por causa da luz. Outro detalhe curioso: assim como era no século 16, as portas ficam abertas e o público, que assiste aos espetáculos em pé, pode entrar e sair na hora em que bem entender. “É uma relação muito relaxada com o teatro. Não tem nada dessa coisa burguesa. Acredito no teatro que aposta nessa relação do ator com o público. É um espaço perfeito”, elogia o ator.

Além da réplica do teatro, projeto contempla outra sala de espetáculos, escola e espaço para exposições
Escola vai ao teatro


Para levantar todo o Complexo Gandarela serão necessários cerca de R$ 108 milhões, sendo aproximadamente R$ 43 milhões para a construção do Globe. A expectativa é de que o montante seja captado via incentivo fiscal, com empresas privadas e linhas de financiamento à cultura, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Ao mesmo tempo em que a gente está com essa pegada da construção, não posso perder tempo em relação ao conteúdo”, diz Mauro Maya. Por isso o convite para a visita dos representantes da Shakespeare Theatre Association e também a oferta de oficinas para a população de Rio Acima. Há cerca de um mês foram abertas turmas para oficinas de teatro, música e figurino. A faixa etária dos alunos vai dos 8 aos 82 anos.

O idealizador do projeto reconhece que ainda há em Rio Acima uma natural dificuldade de entendimento da obra de William Shakespeare. Como a cidade pretende se tornar uma referência no tema, o plano é que uma disciplina dedicada ao teatro do inglês seja incluída na rede municipal de ensino. “A espinha dorsal do Gandarela passa pela educação”, continua. “Vou incentivar para que o Globe no Brasil consiga fazer o que o de Londres não conseguiu: a inclusão social”, propõe Peter McCurdy.

Para não correr o risco de construir um elefante branco, além da parte educativa, Mauro Maya tem também o discurso sobre turismo na ponta da língua. “É um circuito forte. De um lado Inhotim e do outro Gandarela”, diz. O sonho dele é, ainda, poder conectar o complexo a Ouro Preto. Detalhe: de trem.

saiba mais

GLOBE THEATRE

O desenho original do Globe Theatre data de 1599. A réplica inglesa foi construída a alguns metros do local onde Shakespeare se apresentava. Foi erguido em sociedade por alguns integrantes do grupo do qual o autor fazia parte. Entre 1599 e 1613, o espaço foi palco de estreia das principais peças do dramaturgo, até que foi totalmente destruído por um incêndio. Apesar disso, foi rapidamente reconstruído, mas, em 1642, foi fechado à revelia pela administração puritana da Inglaterra. Abandonado, foi demolido em 1644 para dar lugar a prédios residenciais. A réplica do Globe Theatre é obra do arquiteto americano Sam Wanamaker. Em 1949 ele iniciou uma série de estudos arqueológicos para reerguê-lo como no século 16. Embora ele tenha morrido em 1993, a obra continuou e o Globe foi reinaugurado em 1997, com uma apresentação de Henrique V.

RÉPLICAS PELO MUNDO

Existem outros modelos inspirados no Globe Theatre espalhados pelo mundo. O do Brasil será a primeira cópia fiel do teatro original.

» Neuss am Rhein (Alemanha)
» Rust, Baden (Alemanha)
» Baden-Württemberg (Alemanha)
» Roma (Itália)
» Tóquiio (Japão)
» Oregon (EUA)
» Utah (EUA)
» Chicago (EUA)
» Dallas (EUA)
» Odessa (EUA)
» San Diego (EUA)
» Staunton (EUA)
» Williamsburg (EUA)
» Irvine (EUA)

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