Criado por Bernardo Paz, Inhotim se torna referência em ação cultural e cidadania

Museu de Brumadinho foi destacado em reunião durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça

por João Paulo 06/02/2011 17:02
Carol Reis / Divulgação
Bernardo Paz considera que a missão do centro de arte criado em Brumadinho é melhorar a vida das pessoas e abrir perspectivas de inclusão (foto: Carol Reis / Divulgação)

Transformar as pessoas para melhorar o mundo. Inhotim parece seguir essa divisa desde sua criação por Bernardo Paz. Idealizador do lugar – “Inhotim não é uma coleção”, faz questão de frisar –, Bernardo levou a experiência do centro de arte e jardim botânico para a recente 41ª Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Ele participou, dia 27, de mesa-redonda promovida pelo empresário ucraniano Victor Pinchuk, ao lado dos artistas Jeff Koons e Olafur Eliasson e da presidente do Museu de Arte Moderna do Catar, Sheikha Mayassa, com coordenação do escritor Paulo Coelho. De volta ao Brasil, Bernardo Paz avalia a importância da presença do Inhotim no encontro. “Cumpri, com sucesso, a missão de passar adiante as ações que Inhotim desenvolve nas áreas de arte, meio ambiente e inclusão e cidadania. Fui aplaudido quando contei do potencial transformador que Inhotim tem”, lembra.

Veja obras de Inhotim

Quando fala em transformação, Bernardo não se limita ao poder da arte na vida interior das pessoas. Está se referindo a ações concretas, que vão da educação à formação de bandas de música, além da preservação de valores humanos e culturais das populações locais. Em Davos, de acordo com ele, chamaram a atenção das pessoas os projetos de inspiração social. O público do fórum se impressionou com o fato de Inhotim receber mais de 50 mil crianças para aulas de arte e meio ambiente, sendo que muitas delas são meninos carentes. “Além disso, formamos orquestras, bandas, corais de crianças, jovens, adultos. Por meio da Diretoria de Inclusão e Cidadania, trabalhamos com os negros dos quilombos da região de Brumadinho e muitos deles trabalham em Inhotim”, conta.

A mensagem da transformação pessoal foi o grande objetivo da participação de Bernardo Paz em Davos. E é algo que corresponde à sua percepção da missão do lugar na vida das cerca de 500 mil pessoas que viveram a experiência de visitar o centro de arte. “Percebo que quando as pessoas visitam Inhotim elas se sentem estimuladas a aprender cada vez mais, a serem melhores no futuro. Espero que o exemplo do que Inhotim faz hoje, e tudo que foi dito em Davos, possa mobilizar algumas pessoas e países mais acomodados no campo social”, propõe. A arte contemporânea, que está na inspiração inicial do projeto, parece demonstrar, com o passar do tempo, seu potencial político e pedagógico. “A arte é a ONG mais poderosa do mundo”, sintetiza Bernardo Paz.

O Inhotim foi aberto ao público em 2006, com seis galerias dedicadas à arte contemporânea e uma coleção botânica de grande importância. Hoje, contabiliza 500 mil visitas ao local, que conta com 17 galerias, 100 hectares de área de visitação e um jardim botânico com a maior coleção de palmeiras do mundo. O Inhotim desenvolve programas destinados a estudantes e professores da rede de ensino pública e privada, visando à ampliação do acesso, a formação de público, o uso da arte como leitura da contemporaneidade e a difusão de iniciativas e projetos avançados na área ambiental. Os programas oferecem oportunidade de exercitar a aprendizagem fora do ambiente escolar e propõem a execução de projetos que envolvam professores, agentes comunitários e estudantes. Entre janeiro de 2008 e julho de 2010, as ações educativas do Instituto Inhotim receberam mais de 42 mil alunos e 3,5 mil professores.
Em entrevista ao Estado de Minas, Bernardo Paz, ainda sob a inspiração da participação no fórum, fala da dimensão internacional do Inhotim, sobre o atual momento da arte brasileira, das críticas que recebeu quando criou centro de arte contemporânea e dos projetos do instituto nos campos da arte, botânica, educação e ação social. “Não quero ser tachado como benfeitor da humanidade, mas não quero passar por esta vida sem ter feito alguma coisa por alguém ou pelo máximo de pessoas que eu conseguir”, pontua o criador do Inhotim.

Bernardo Paz chegou à Suíça acompanhado pelo diretor executivo do Inhotim, Hugo Vocurca, pelo curador e diretor artístico, Jochen Volz, pelo curador Allan Schwartzman e pela diretora executiva adjunta, Karina Kattan. É um sinal do estilo de trabalho realizado em Inhotim. Com grande equipe curatorial e permanente busca de intercâmbio com outras instituições de arte contemporânea, há um sentido de militância cultural que parece sempre em busca de parcerias e diálogo. Bernardo Paz faz questão de reafirmar que a amizade está na base de seu trabalho, lembrando nomes como Tunga e Burle Marx como companheiros de ideias e realizações. “Burle Marx foi um dos grandes responsáveis por Inhotim ser o que é hoje”, reconhece. Sobre os artistas mineiros, cita Valeska Soares, Marcellvs e Rivane Neuenschwander como representantes da criatividade de dimensão internacional produzida no estado. No momento em que Inhotim ganha repercussão cada vez maior no Brasil e no exterior, Bernardo Paz convoca a todos a contribuir com o projeto: “Toda instituição de arte precisa do envolvimento de diversos setores da sociedade, como o Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil”.

De que forma você avalia a presença da arte contemporânea na busca de abertura de um olhar do homem sobre seu tempo e seus desafios?
Acho que a arte contemporânea é a organização não governamental mais poderosa do mundo. Através dela as pessoas se sentem curiosas, e a curiosidade invoca a busca, e a busca envolve a educação e o estudo. E o primeiro passo para a educação é a dignidade. Em contato com a arte e com cultura as pessoas se sentem estimuladas e orgulhosas. Despertar a curiosidade de uma pessoa é despertar também o desejo dela de ir além, de fazer melhor e ser melhor. A arte contemporânea é desorganizada, e isso faz com que os artistas se encontrem e se complementem, uns abordando questões ecológicas em suas obras, outros sobre a questão humana, questões sociais e também sobre religião. Em cada trabalho de arte você enxerga um resumo. Esses exemplos são necessários para despertar as pessoas e ultrapassam qualquer possibilidade que uma ONG tem de atingi-las.

Sua trajetória ao criar o Inhotim mostra uma inclinação para a democratização da beleza, que não se deixa constranger pelos padrões mais usuais. Como o centro de arte vem sendo compreendido pelos artistas e pelo público?
Inhotim não é uma coleção, é um lugar. Um lugar que reúne o melhor da arte contemporânea, da botânica e meio ambiente e da inclusão social. Inhotim é um espaço em constante transformação, não foi feito para existir por apenas um tempo, e sim para durar. Inhotim é um lugar único no mundo, capaz de quebrar paradigmas e realizar projetos inovadores em grande escala e proporção. Buscamos a excelência em tudo o que fazemos. Nossas exposições são sempre renovadas, inauguramos galerias todos os anos, apresentamos obras permanentes e temporárias, oferecemos programação cultural de qualidade, como teatro, música, dança, além do belíssimo jardim botânico. Para os artistas, percebo que Inhotim é a porta de entrada para o mercado da arte. Diferentemente de um museu comum, em Inhotim você passa duas horas e não quer mais sair. E todo esse espaço precisa ser vivenciado, experimentado. Inhotim é um espaço de transformação.

De que forma seu projeto articula uma linguagem universal da arte contemporânea com a dimensão local e o contexto brasileiro?
Minha vida sempre foi pautada pela cidadania, o fazer pelo próximo e a preocupação com as pessoas. Em um determinado momento de idealização e construção do Inhotim percebi que, apenas como museu e jardim botânico, o Inhotim era um lugar muito elitista. Não era isso o que eu desejava. Constatei então que precisava introduzir conhecimento. E hoje Inhotim é um local que contempla a arte contemporânea, como exemplo da contemporaneidade, e dignifica as crianças e os adultos por meio da inteligência. A arte contemporânea é a própria inteligência, interatividade, beleza, uma série de ações que trazem as pessoas para o mundo atual. O fato é que o primeiro passo para a educação é a dignidade. E a forma de criar dignidade é criar o lugar que se amplifique e crie exemplo dentro do país em que eles moram. O mais importante é você observar as pessoas ao seu lado, tentar entendê-las e traduzir para elas a vida com dignidade. E Inhotim propicia isso. Nós estamos assistindo uma série de instituições que trazem arte dentro de um prédio, que trazem o benefício da leitura da arte, mas não trazem o benefício da educação e da cidadania. Por isso deveriam existir milhões de lugares como este no mundo.

Como o Inhotim tem mantido intercâmbio com outras instituições internacionais?
A curadoria de uma coleção não é uma atividade isolada, ao contrário, ela demanda um bom relacionamento com colegas do mundo todo. Por isso Inhotim tem uma grande equipe curatorial, que viaja em busca daquilo que está acontecendo de melhor na arte contemporânea. Existe também uma rede de profissionais da área que troca informações e dicas permanentemente. Por outro lado, o processo de seleção de uma obra para uma coleção é muito reflexivo e cuidadoso. Nem toda obra considerada muito boa pelos curadores teria a mesma relevância no contexto de Inhotim e seu acervo atual. Vivemos uma situação especial comparada com a de outras instituições em contextos urbanos, independentemente se nacionais ou internacionais. O maior desafio de museus urbanos são as limitações espaciais para a exibição dos seus acervos. Espaço físico nas cidades é muito caro, e este fato torna a montagem permanente de uma grande quantidade de obras inviável. Em Inhotim, estamos muito interessados em criar condições que permitam que obras mais complexas possam ser exibidas em salas e galerias especialmente desenhadas, em caráter permanente ou pelo menos com outra temporalidade.


O paisagismo é uma das dimensões mais destacadas por todos que conhecem o Inhotim. O que significa para você a presença de Burle Marx e qual foi seu papel na criação do Inhotim? Que projetos há para essa área?
Roberto Burle Marx era um amigo que me dava várias ideias para a criação do jardim da minha fazenda. Ele tinha bom gosto e era muito inteligente. Mas nossa parceria era feita na amizade, não existiu um projeto formal assinado por ele para Inhotim. Assim como Tunga, que me apresentou a arte contemporânea, Burle Marx foi um dos grandes responsáveis por Inhotim ser o que é hoje. Mas este espaço vai além da beleza. Em junho de 2010, nos tornamos um jardim botânico com a maior coleção de palmeiras do mundo, cerca de 1,5 mil espécies catalogadas. Também desenvolvemos várias atividades na área ambiental, como estudos florísticos, educação ambiental, catalogação de novas espécies botânicas, conservação in situ e ex situ, entre outros. Está também em desenvolvimento um projeto de conhecimento científico e de consciência ambiental, que prevê a construção de um conjunto de cinco estufas, cada qual apresentando um bioma diferente – sendo um já extinto –, laboratórios, salas de aula, viveiros e um centro de visitantes com uma grande trilha interpretativa.


Quais são os projetos em andamento e, na dimensão do sonho, o que você planeja para o Inhotim em todas as áreas – novos artistas, ampliação da atuação, projetos sociais, perspectivas empresariais, programas educativos, trabalho social e outros?
A formação de um local como Inhotim, desde a coleção à montagem de exposições, é um processo contínuo. Não sei qual vai ser o meu próximo passo. Sei que isto aqui não se acaba, aqui sempre será. Estamos em contato com importantes artistas, como Olafur Eliasson, Cristina Iglesias e Giuseppe Penone, que, em breve, terão obras em nossa exposição. Também estamos trabalhando com obras dos artistas Lygia Pape e Mario Mertz. Nossa intenção é oferecer uma visita espetacular e única para nosso público. Para isso ampliamos as opções gastronômicas e estamos planejando a construção de hotéis e um albergue para acomodar nossos visitantes. Como costumo dizer, meus próximos planos são trabalhar, trabalhar, trabalhar, em função da sociedade, em função da arte contemporânea, em função da cultura, e traduzir isso na transformação das pessoas. Inhotim não pertence a mim, e sim ao público.


Qual é sua avaliação do nível e do interesse da arte contemporânea feita no Brasil e, mais especificamente, em Minas Gerais?
O trabalho de muitos artistas brasileiros é reconhecido atualmente no mundo todo. Na história de arte mundial, a arte brasileira, principalmente os movimentos artísticos surgidos na década de 1960, assumem um lugar importante. Sem dúvida, Minas Gerais conta com uma produção artística de importância mundial, veja exemplos de artistas como Valeska Soares, Marcellvs, Rivane Neuenschwander. É importante destacar que, nos últimos 20 anos, a relação entre centro e periferia se dissolveu, pois os artistas, as obras e o público viajaram muito rápido pelo mundo. Embora cidades como Nova York, Londres ou Berlim ainda sejam atualmente centros concentrados de produção artística, a história da arte eurocentrista ou norte-americana não se sustenta da mesma forma que há algumas décadas. Mas vale lembrar também que o Brasil sempre teve uma forte ligação com as vanguardas europeias e norte-americanas, o que faz com que a arte brasileira tenha estratégias artísticas contemporâneas diferenciadas da China ou da Índia, por exemplo, que por sua vez ainda são recebidas e discutidas com mais dificuldades.


Como você se relaciona com as críticas e até, em alguns momentos, com a descarada má vontade demonstrada com seu projeto?
Quando Inhotim foi lançado, ninguém entendia muito bem quem era a pessoa que tinha feito um lugar tão fantástico. Ninguém sabia quem eu era. As pessoas não sabiam que antes do Inhotim tive um passado de 39 grandes empresas de siderurgia e mineração. E quem me conhece chega aqui e diz que isso só podia ser feito pelo Bernardo. Nunca tive a intenção de aparecer demais, ser famoso. Minha vida sempre foi pautada pela cidadania, o fazer pelo próximo, e a preocupação com as pessoas. Criar um lugar como esse, de grande projeção mundial, é estar sujeito a críticas construtivas e negativas. Mas temos matérias publicadas nos maiores jornais e revistas do Brasil e do mundo. Grandes críticos, editores e jornalistas são enviados para Inhotim para escreverem boas reportagens, que reconhecem as nossas ações.


Como você vê a perspectiva de um diálogo produtivo e parcerias com o setor público?
O Inhotim começou como uma iniciativa particular minha, mas tornou-se um espaço público em 2006, quando foi criado o Instituto Inhotim, uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip). Construí Inhotim na base da persistência e com os meus próprios recursos. E a manutenção e a perenidade de um lugar como Inhotim exigem o envolvimento de diversos setores da sociedade, seja o Estado, a iniciativa privada ou a sociedade civil. Hoje, alguns programas sociais desenvolvidos aqui têm colaboração do governo federal. Inhotim é apto a captar recursos pela Lei Rouanet. E o que tem acontecido é que as empresas privadas nos pedem projetos para que elas possam investir aqui. Estas empresas perceberam que o que é desenvolvido em Inhotim precisa ser incentivado, pois mostra um Brasil que não é destaque lá fora.


Como você avalia as ações e políticas voltadas para a arte executadas pelo Estado em todos os níveis? O que, na sua avaliação, definiria a verdadeira prioridade pública com a cultura?
Como disse, toda instituição de arte precisa do envolvimento de diversos setores da sociedade, como o Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil. No caso do Estado, acredito que ele deve aprovar e apoiar a criatividade e a inovação. E este apoio deve ser feito às manifestações locais, dando a elas dimensão internacional e promovendo a transformação das pessoas.

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