Filme da Netflix conta história de engenheiro que construiu o próprio país

Insatisfeito com os rumos da Itália dos anos 1960, ele ergueu uma plataforma marítima para ser seu território livre. Caso é real e foi parar na ONU

Estadão Conteúdo 23/01/2021 04:00
Netflix/Divulgação
A incrível história da Ilha das Rosas adota o tom da boa tradição de comédias italianas e mostra a reação ao feito de Giorgio Rosa, que chegou a ser discutido na ONU (foto: Netflix/Divulgação)
O filme italiano A incrível história da Ilha das Rosas, disponível na Netflix, fala de uma utopia. Qual utopia, exatamente? A de viver fora do Estado, entidade que, mesmo em democracias, pode ser vista como força coercitiva, impessoal, a oprimir e limitar os indivíduos.

O personagem principal é um certo Giorgio Rosa (vivido por Elio Germano), engenheiro talentoso e de mentalidade outsider. Ele constrói o próprio automóvel, por exemplo, recusando-se a comprar um exemplar de montadora. Ora, pensa ele, por que não fazer a mesma coisa com um país? Se estamos insatisfeitos com o nosso, por que não construir um que não se oponha aos nossos desejos?

É possível que raciocínio semelhante esteja na mente dos utopistas de todos os tempos. A diferença é que Giorgio dispõe de meios tecnológicos para realizar seu sonho. Assim, bola um jeito de construir uma espécie de plataforma marítima, devidamente fora das águas territoriais italianas. Do nada, ergue seu micropaís, que, para ter legitimidade, precisa ser reconhecido pela comunidade internacional. 


O caso vai parar na Organização das Nações Unidas (ONU), nas mãos do dignitário Jean Baptiste Toma, interpretado pelo sempre ótimo ator François Cluzet.
 

CONTRACULTURA

Estamos nos anos 1960, época da contracultura e dos movimentos estudantis. Nela, há muitos insatisfeitos que veem na "ilha de aço" um refúgio contra Estados opressores (todos eles). Assim, a Ilha das Rosas começa a abrigar refugiados, além de turistas e visitantes, em seus meros 400 metros quadrados. O clima é de festa, amizade e amor livre. Também é preciso dizer que a Ilha das Rosas passa a emitir passaportes e ter moeda própria.

A história parece estapafúrdia e até meio ingênua quando vista pelo olhar desencantado de hoje. E se torna ainda mais incrível, como diz o título brasileiro, quando se sabe que aconteceu, de fato, na Itália dos anos 1960 e que trouxe desdobramentos políticos e diplomáticos consideráveis

O governo italiano, por exemplo, passa a sofrer pressões da Igreja, incomodada com o clima de liberalidade sexual na ilha. O poder oficial, como um todo, sente-se ultrajado pela presença desse Estado minúsculo em sua costa adriática.

Dirigido por Sydney Sibilia, A incrível história da Ilha das Rosas embarca naquela boa tradição da comédia dramática, sucesso mundial do cinema italiano dos anos 1960 e 1970. Certo, não estamos diante de uma reencarnação de Dino Risi ou Mário Monicelli. Ainda assim, Sibilia não se limita ao lado cômico da história e busca, mesmo que com certa timidez, sua repercussão crítica em relação aos poderes constituídos.

Aliás, alguns dos personagens mais engraçados são os políticos da vida real, como o então presidente da República Italiana, Giovanni Leone, interpretado por Luca Zingaretti.

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A família que construiu seu próprio país adotou língua, moeda e bandeira próprias. Turistas e refugiados passaram a frequentar o local (foto: Netflix/Divulgação)


ESPERANTO

Elio Germano também veste muito bem a pele do engenheiro bolonhês Giorgio Rosa (morto em 2017). Insatisfeito com a organização social do seu país, Rosa teve a ideia de construir essa micronação. Não foi fácil. Levou cerca de 10 anos para edificar a plataforma que seria esse Estado independente. Edificou-a no Mar Adriático, a 11 quilômetros da costa de Rimini (por acaso, terra natal de Federico Fellini). 

Em 1º de maio de 1968, a ilha de metal declarou-se Estado independente. Além de emitir passaporte e moeda, tinha hino, bandeira e Constituição. O idioma adotado foi o esperanto, para se diferenciar de vez da República Italiana.

A história verdadeira é tão ou mais rocambolesca que a contada pelo filme. Mas ambas – a verdadeira e a da ficção – guardam, em meio ao riso, aquela amargura típica das comédias tristes dos grandes mestres italianos do gênero.

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