Volta do lanterninha? Profissionais falam em soluções para 'celular nas salas de cinema'

Para projecionista mineiro, salas deveriam contar com ao menos três desses profissionais para combater o 'vício' dos espectadores. Especialistas em etiqueta avaliam a situação

por Ana Clara Brant 30/06/2019 07:00
Quinho
A pior atitude é falar alto, falar ao celular, ligar o telefone (foto: Quinho)
Antes da exibição dos filmes, as redes de cinema costumam apresentar vídeos institucionais com recomendações como desligar os celulares, não conversar durante a sessão, não filmar nem fotografar e recolher o lixo. Isso também vale para espetáculos de teatro e de música, mas nem sempre o espectador segue a cartilha.
 
"Esses espaços são lugares onde as pessoas deveriam reverenciar a arte. Não importa se no cinema (a encenação) não é ao vivo. Quem está lá deveria ter uma atitude de reverenciar no sentido de manter o foco e a concentração para desfrutar dessa forma de arte como ela merece”, afirma Claudia Matarazzo, especialista em etiqueta e comportamento. “No teatro é até mais grave, porque os atores estão ali, despendendo uma energia diariamente, e, por isso, o foco e a atenção (do espectador) devem ser maiores.
 
A pior atitude é falar alto, falar ao celular, ligar o telefone, porque a luz atrapalha demais. Interfere, incomoda e desrespeita quem está ali assistindo", diz ela.

Projecionista desde os 14 anos – hoje ele está com 56 –, Wagner Roberto de Souza acompanhou a evolução do cinema e dos cinéfilos. Atualmente trabalhando no Cine Santa Tereza, ele diz que está cada vez mais difícil prender a atenção das pessoas. "Está todo mundo muito disperso. Em sessões infantis, o que mais tem é pai no telefone, batendo papo. Mesmo com os avisos, a gente fica aqui da cabine observando como é raro alguém não pegar o celular ao longo do filme. Tem gente que chega a atender ligação", conta.

Para o projecionista, a volta  do “lanterninha” (profissional que ajuda os espectadores a encontrar lugares e se acomodar no cinema e atuava também como fiscal de comportamento nas sessões) é mais do que necessária. "Acho que precisaria de uns três em cada sala. Ou então ter uma norma de guardar o celular em um escaninho antes da sessão. Se a pessoa vai lá disposta a ver um filme, por que fazer outras coisas? O celular está virando um vício e eu me preocupo muito com a nova geração, principalmente. Eles já não são muito de cinema e,  com essas tecnologias, não sei como vai ficar", afirma.

Mas as queixas são comuns também entre os próprios consumidores de cultura, como a aposentada Maria Lúcia Ribeiro, de 67 anos, frequentadora assídua de cinemas e teatros da cidade. "Evito ir ao cinema na hora de pico. As pessoas estão perdendo a noção. Atendem ao celular sem a menor cerimônia. Chegam atrasadas e ficam conversando como se estivessem na sala de casa", diz. O arquiteto Geraldo Drummond, de 62, amigo de Maria Lúcia, admite ter dificuldades em desapegar do telefone, mesmo quando está assistindo a um filme ou peça de teatro. "Confesso que sou muito ansioso e fico olhando o tempo inteiro se tem ligações, mensagens, até por conta do meu trabalho. Tenho que me policiar porque, uma vez, até chamaram a minha atenção no cinema por causa da luz do celular", conta.

DESENTENDIMENTO 

Há sete anos, o ator, cantor e produtor cultural Thelmo Lins e o marido, o músico Wagner Cosse, sentiram literalmente na pele os efeitos desse mau comportamento. O casal estava num show da cantora Rosa Passos, no Palácio das Artes. Eles pediram a uma mulher sentada perto deles que cantasse mais baixo. Um homem que a acompanhava se alterou, e a situação se transformou em briga. Wagner foi agredido e teve que operar o braço.
 
A apresentação chegou a ser interrompida. "De lá para cá, acho que as coisas só pioraram, sobretudo com essa coisa de celular. As pessoas têm uma necessidade de mandar mensagem e postar em rede social até durante o espetáculo", diz.

Em relação aos seus próprios shows, Thelmo Lins afirma que não se importa que filmem. O cantor avalia que não deixa de ser uma divulgação. Mas, como administrador do Teatro Santo Agostinho, nota que, sobretudo nas apresentações infantis ou envolvendo escolas, os flashes acabam atrapalhando não apenas os outros espectadores como os próprios artistas.
 
"O que tem de pai que, especialmente no domingo, coloca fone no ouvido para ouvir futebol enquanto o filho está ali assistindo a uma peça... Outros ficam conversando. Mas o pior problema é a pipoca. A gente pede para que as pessoas não entrem comendo, porque é uma norma do colégio, por conta da limpeza. Mas o povo faz de tudo e dá um jeito de entrar com ela escondido."

Ele observa que, muitas vezes, esse comportamento inadequado é praticado por pessoas que tiveram acesso a boas escolas e uma boa formação. "As pessoas que tiveram as melhores oportunidades acabam praticando esses atos. Infelizmente, é um problema ético do mundo, da falta de cuidado com o outro", analisa.

Sandra Campos, gerente de planejamento e ação cultural do Cine Theatro Brasil Vallourec, também já presenciou muita coisa de deixar os cabelos em pé. Um dos episódios mais recentes ocorreu no monólogo de Nathalia Timberg Através da Iris, encenado em abril.
 
"Era uma peça intimista e várias pessoas na plateia tiravam fotos com flash. Outras estavam ligadas no WhatsApp e Instagram. O incômodo foi tão forte que a atriz teve que interromper o espetáculo e chamar a atenção da plateia. Infelizmente, essa prática está se tornando comum", diz a gestora, que aponta o celular como o grande vilão.

TRANSTORNO  E MEIA ENTRADA

 "O avanço da tecnologia é uma conquista. No entanto, as tecnologias, quando mal utilizadas, podem gerar transtornos. Não é simplesmente desligar o celular; é se desligar dele. Apesar de pedidos antes das apresentações e das campanhas que fazemos, muitos ainda não se comovem sobre esta indelicadeza. Uma pena. Tanto os artistas como público saem perdendo", diz ela.
 
Por falar em cumprir regras e em educação, Sandra aponta um outro problema que tem se tornado comum nos espaços culturais: a meia-entrada. A gerente afirma que o que não falta é gente tentando burlar essa questão. "De acordo com a lei 12.933 que regulamenta o pagamento de meia-entrada, só é permitido acesso ao benefício o estudante que apresentar a carteirinha com requisitos relacionados na mesma (foto, nome completo, nome da instituição, curso, certificação digital e data de validade até 31 de março do ano subsequente). Algumas pessoas, muitas vezes por desconhecimento, apresentam boletos, comprovante de matrícula, plano de estudos, carteiras de acesso à faculdade e carteiras vinculadas a bancos. Nenhum destes documentos são aceitos.", revela. 

Consultora de etiqueta e boas maneiras, Angela Pimentel é outra que se aflige por esse comportamento. Em sua opinião, a falta de educação está clara também pelos atos de vandalismo praticados nos espaços culturais. "Há uma grande necessidade de as pessoas se conscientizarem sobre vários pontos, tais como respeito, pontualidade, etc.
 
Quanto à questão do uso dos celulares, vem piorando de maneira desenfreada, chegando até a ser um vício acompanhado da falta de controle. Existe etiqueta para o uso do celular. Atualmente, as pessoas perderam a noção – ligam em qualquer horário, enviam mensagens sem pedir licença e não entendem que à mesa não é lugar de celular.”

Angela afirma que “o bom senso deve prevalecer em todas as ocasiões". Para preservar o “bom convívio social”, ela acha "importante que todo cidadão não seja tão informal com tanta naturalidade, chegando a ser considerado aquele que quer dar sempre um jeitinho brasileiro. A educação e o respeito são prioridades em qualquer ambiente, nas filas, falando mais baixo, com atitudes mais discretas e sendo elegante em todas as situações".

três perguntas para...

Claudia Matarazzo especialista em etiqueta e comportamento

O celular e as redes sociais potencializaram o mau comportamento em espaços culturais?

Piorou o comportamento no sentido de que deixou todo mundo menos atento, mais ansioso, e a ansiedade gera um comportamento impulsivo e mal-educado. O celular e as redes sociais atrapalham muito,  porque as pessoas ainda não se adequaram à educação, à cortesia e à atenção para com o outro e com os espaços. Elas não sabem conciliar tudo isso com o uso da rede social, que deveria ser normal. É um uso ainda compulsivo, irracional. As pessoas não param para perceber o quanto isso prejudica a vida ao vivo delas, a convivência em sociedade.

Você acredita que ter regras mais rígidas possa inibir essas atitudes?

Não acho que tenha que haver regras mais rígidas. O que deve ter é uma consciência maior de todo mundo e, talvez, até uma campanha de conscientização e educação. Falar no celular dentro do cinema é doentio. Você tem que aprender que, quando você entra para qualquer tipo de espetáculo, você pode, sim, se isolar, deixar no silencioso ou mesmo desligar o telefone. Antigamente, quando não havia celular, as pessoas conseguiam ficar duas horas no cinema tranquilamente. Essa dependência do aparelho é um defeito nosso. Não é uma questão de falta de regras; nós é que devemos ter esse controle.

Na sua opinião, essas atitudes são uma questão de educação?

O mau comportamento é uma questão de educação, mas também de experiência e de observação. A pessoa tem que aprender a observar o espaço, o comportamento dos outros e aprender a melhorar o próprio comportamento, independentemente se alguém está exigindo, se existe lei. O indivíduo tem que melhorar para ser melhor não só para ele, como para quem está convivendo com ele.

O BOM VIZINHO
Confira atitudes básicas de um espectador gentil

» Desligue o celular ou deixe-o no silencioso;
» Caso tenha uma emergência e precise deixar a sala de cinema ou de teatro, saia discretamente;
» Não fale alto para não atrapalhar os demais;
» Não filme ou fotografe, para não desconcentrar quem está no palco;
» Não leve comidas que façam muito barulho ou tenham odor forte;
» Recolha o lixo;
» Curta o momento (seja o filme, show ou peça de teatro)
 
Fontes: www.claudiamatarazzoensina.com.br e www.angelapimentel.com.br 
 

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"Acho que precisaria de uns três lanterninhas em cada sala. Ou então ter uma norma de guardar o celular em um escaninho antes da sessão. Se a pessoa vai lá disposta a ver um filme, por que fazer outras coisas? O celular está virando um vício”

. Wagner Roberto de Souza, projecionista

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"Confesso que sou muito ansioso e fico olhando o tempo inteiro se tem ligações, mensagens, até por conta do meu trabalho. Tenho que me policiar porque, uma vez, até chamaram a minha atenção no cinema por causa da luz do celular"

. Geraldo Drummond, arquiteto

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"O que tem de pai que, especialmente no domingo, coloca fone no ouvido para ouvir futebol enquanto o filho está ali assistindo a uma peça... Outros ficam conversando. Mas o pior problema é a pipoca. O povo faz de tudo e dá um jeito de entrar com ela escondido”

. Thelmo Lins, administrador do Teatro Santo Agostinho

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"Não é simplesmente desligar o celular; é se desligar dele. Apesar de pedidos antes das apresentações e das campanhas que fazemos, muitos ainda não se comovem sobre esta indelicadeza. Uma pena. Tanto artistas como público saem perdendo"

. Sandra Campos, gerente de planejamento e ação cultural do Cine Theatro Brasil Vallourec

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