Documentário Bergman - 100 anos estreia em BH

Diretora Jane Magnusson se concentra no ano de 1957 para explicar a criatividade de um cineasta que só falava mal de si mesmo

por Mariana Peixoto 13/07/2018 08:00
Svensk Filmindustri/Divulgação
Svensk Filmindustri/Divulgação (foto: Svensk Filmindustri/Divulgação)
Em 1957, Ingmar Bergman (1918-2007) tinha 39 anos, seis filhos de três mulheres diferentes e uma dor de estômago constante, fruto de uma úlcera que, literalmente, lhe roubava o sono. Mas ele não tinha tempo para se preocupar com isso.


No espaço de 12 meses, o cineasta e dramaturgo sueco lançou dois de seus mais importantes filmes – O sétimo selo e Morangos silvestres, também filmado naquele ano – e trabalhou em produções de rádio, TV e teatro.

A diretora sueca Jane Magnusson parte de uma tese – a de que 1957 foi o ano determinante da carreira do cineasta – para criar o documentário Bergman – 100 anos. Rebatizado no Brasil – o título no exterior é Bergman – Um ano em uma vida –, o longa terá pré-estreias em várias capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte (Cine Belas Artes, 21h30) neste sábado, dia do centenário de nascimento do mais importante artista sueco de todos os tempos (e um dos maiores cineastas do mundo).

A previsão é de que o documentário, que teve première em maio, no Festival de Cannes, chegue ao circuito comercial na próxima quinta-feira (19).

Narrado em inglês pela própria diretora, o filme explora farto material de arquivo, além de pelo menos 60 entrevistas, para mostrar que não há como dissociar vida e obra em Bergman. O ano de 1957 vai e vem na narrativa, já que Magnusson conecta sua produção a outros períodos da vida do realizador.

Entre os destaques estão duas entrevistas. A primeira é de 1972, concedida ao então popularíssimo apresentador de TV Dick Cavett – a temporada daquele ano valeu inclusive um Emmy ao The Dick Cavett show, da rede ABC.

A segunda, inédita, foi realizada na década de 1980 com o irmão mais velho de Bergman, Dag. Esta teve sua veiculação proibida pelo próprio cineasta. Entre as afirmações de Dag está a de que o abuso familiar era direcionado principalmente a ele, e não a Ingmar, como o próprio afirmara. Dessa maneira, Magnusson conclui que, no autobiográfico Fanny e Alexander (1982), o cineasta estava mais ligado à personagem Fanny, que acompanhou, em silêncio, os abusos sofridos pelo irmão mais velho.

Ao longo da narrativa, o documentário ainda mostra como Bergman revisou, com algumas liberdades, sua própria trajetória. A conhecida admiração do cineasta pela figura de Adolf Hitler aparece no filme sob dois olhares.

Bergman se justifica dizendo não ser mais do que um garoto quando passou uma temporada na Alemanha, durante a ascensão do nazismo. Já o documentário mostra que ele, aos 18 anos, impactou-se de tal forma com o regime que só veio a reconhecer (com muita culpa) devidamente o Holocausto em 1946, quando a Segunda Guerra havia terminado.

Além de entrevistas do cineasta tanto jovem quanto maduro, o filme destaca o depoimento de pessoas próximas e admiradores. As mulheres, obviamente, têm destaque. Como não poderia deixar de ser, Liv Ullman tem forte presença – chega a chorar discretamente durante o depoimento. E há ainda estrelas – Lars von Trier, Barbra Streisand, Holly Hunter – que não fazem mais do que falar o óbvio, destacando a intensa admiração por ele.

Mais forte é a passagem sobre a primeira namorada, Karin Lannby, lembrada em um rascunho que ele deixou de fora de suas memórias, Lanterna mágica. Nele, Bergman descreve um episódio em que quase teria matado Lannby. “Bergman sempre olhou para seu lado ruim, é o que move seus filmes”, afirma Jane Magnusson em entrevista ao Estado de Minas.

MARATONA NA TV

O canal Telecine Cult dedica neste sábado 12 horas de sua programação a Ingmar Bergman. Serão exibidos os seguintes longas: O ovo da serpente (12h45), Fanny e Alexander (14h55), O sétimo selo (18h15), Sonata de outono (20h05), Quando as mulheres pecam (22h) e Morangos silvestres (23h35). Já às 22h10, o Curta! exibe o documentário Ingmar Bergman – Atrás da máscara, de Manuelle Blanc. Também lançado neste ano, o filme revisita a trajetória do cineasta em 1966, ano de produção do filme Persona. O título será reprisado domingo, às 10h35.

 

ENTREVISTA

 

Como você chegou ao tema do filme, o ano de 1957 na vida de Ingmar Bergman?
Há alguns anos, fiz Trespassing Bergman (2013). O filme é basicamente sobre o Bergman artista a partir de sua coleção de vídeos. Ele tinha 1.711 vídeos dos filmes a que gostava de assistir. Pois, ao fim daquele projeto, vi que ele havia lançado O sétimo selo e Morangos silvestres no mesmo ano. Como ele conseguiu fazer aqueles dois filmes nesse tempo? Para mim, isso já era incrível, seria algo a explorar, pois todo o resto já havia sido feito. Já teria ficado feliz em fazer um documentário sobre isso, mas, quando comecei a pesquisa, encontrei também outras coisas. Houve, também em 1957, quatro peças, duas delas espetaculares (a montagem de Peer Gynt teve 45 atores), e um filme para a TV. Que loucura! Pois, além do mais, a vida pessoal dele estava supercomplicada. Foi muito emocionante descobrir tudo o que ele fez naquele ano. Impressionei-me por ninguém, até então, ter visto aquilo.

Mas você vai muito além de 1957. A entrevista com Dag Bergman é, por exemplo, dos anos 1980. Como conseguiu aquele material?

Ainda estava no começo da produção do filme, trabalhava nele há dois, três meses, quando a viúva do homem que fez aquela entrevista me ligou. Ela me disse que tinha uma caixa com uma entrevista com o Dag. “Ela tem o quê?”, logo pensei. Viajei até o Norte da Suécia e tive que manter a calma quando comecei a ver o material. Aquilo é fantástico demais, especialmente se você é sueco. Porque, em todo feriado, seja de verão, seja de Natal, você assiste na TV sueca a Ingmar Bergman falando de sua infância. Então, foi incrível encontrar outra voz, ver que havia alguém mais ali naquele momento falando sobre um período que conhecemos tão bem.


O que de mais interessante você encontrou sobre Bergman, coisas que não sabia quando iniciou o projeto?
A extensão de como os filmes dele são autobiográficos foi algo novo para mim. Sei que boa parte dos grandes artistas utiliza da própria vida em seus trabalhos, mas não sabia que todos os filmes de Bergman são sobre ele mesmo. Até quando ele coloca personagens femininas.

Bergman é o melhor de seus personagens então?

A verdade é que ele sempre olhou para seu lado ruim, é o que move seus filmes. Nunca houve um filme sobre coisas boas. Um dos poucos momentos em que você vê alguma coisa positiva é em Persona (1966). O que lhe interessa é falar o quanto foi um mau pai, por exemplo, nunca falar do grande artista. Então, acho que se tornou a voz de todos os personagens ruins.

Henrik von Sydow, filho de Max, foi um dos pesquisadores do documentário. Por que, entre tantos atores entrevistados, você não ouviu Max von Sydow, um de seus colaboradores mais regulares?
Ele já se cansou da Suécia, não quer mais falar sobre Bergman. Tentei falar com ele, claro, mas disse que estava cansado de falar sobre isso.

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