'Amante por um dia' aborda a ferocidade do amor

O diretor Philippe Garrel concentra num apartamento o enredo sobre o começo e o fim de um amor em filme em preto e branco

por Silvana Arantes 15/03/2018 08:00

FÊNIX FILMES/DIVULGAÇÃO
Ariane (Louise Chevillotte) e Jeanne (Esther Garrel) se conhecem quando a primeira inicia um amor e a segunda termina outro, em Amante por um dia, de Philippe Garrel, que estreia nesta quinta (15) (foto: FÊNIX FILMES/DIVULGAÇÃO)
No meio da noite e em prantos, Jeanne (Esther Garrel) procura abrigo na casa de seu pai, o professor de filosofia Gilles (Éric Caravaca). Ela acaba de romper com o namorado (e seu primeiro grande amor), Mateo (Paul Toucang) e não aceitou a sugestão dele de permanecer no apartamento que dividiam, até encontrar outro lugar para morar.

Atordoada não só pelo fim abrupto de sua relação, mas também pelo que interpretou como indiferença do ex-companheiro, ao vê-la fazer sua mala para ir embora (“Como a gente pode ficar indiferente de repente?”), Jeanne descobre que o pai não está sozinho.

Na manhã seguinte, a filha e a namorada de Gilles, Ariane (Louise Chevillotte), se encontram, e Jeanne fica sabendo que Ariane é aluna de seu pai na faculdade. A estudante conta que o professor “resistiu por um trimestre inteiro” às suas investidas, mas agora eles estão juntos há três meses.

É portanto no ambiente de um apartamento que Philippe Garrel concentra o começo e o fim de um amor, em Amante por um dia, que estreia nesta quinta (15) em Belo Horizonte. Filmado em preto e branco, com duração de 75 minutos e uma narração em off com voz feminina, esse é um título do autor de A cicatriz interior que aborda com grande delicadeza a ferocidade do amor.

RIVALIDADE A faceta destrutiva surgirá não apenas no fim da relação de Jeanne (devastador para ela), mas no desenrolar do relacionamento de Gilles e Ariane – quando ela põe à prova a afirmação dele de que os dois continuarão juntos independentemente das infidelidades que venham a cometer – e até na relação de amizade permeada por uma insidiosa rivalidade que Ariane e Jeanne estabelecem.

Como observou o crítico brasileiro Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977) ao avaliar E Deus criou a mulher, de Roger Vadim, “não é possível desmistificar o amor sem envolver no processo a crítica global da sociedade”.

E isso Amante por um dia, cujo roteiro é assinado pelo próprio Garrel a oito mãos (com Caroline Deruas-Garrel, Jean-Claude Carrière e Arlette Langman) consegue fazer com grande sutileza. O cenário se expande para além do drama particular vivido no apartamento nas conversas de Gilles com a filha, quando passeiam à noite pela cidade. Eles discutem temas como a infidelidade – “Ninguém sabe o que é. Alguns são fiéis a coisas que não têm nenhuma importância para outros”, diz ele. Quando são atingidos por um jato de água vindo da janela de um prédio, o pai comenta: “Gente que molha as pessoas que estão na rua ao regar suas plantas. Para mim, é a definição da burguesia”.

Em diálogos do trio com outros estudantes e entre si também surgem guerras (passadas e futuras) como tema. Mas é no enfrentamento do amor e do sexo que Amante por um dia se debruça e oferece um desfecho que pode ser visto ou como um elogio da capacidade de recuperação ou como o triunfo da incompreensão e do egoísmo. Afinal, não há visões definitivas sobre esse domínio. Veja o trailer:

 

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